O Rio e
o Riacho de cada vila.
Entre tantas vilas no país,
havia uma quase ao pé da Serra, por onde passavam vários rios, sendo que de
tempos em tempos, a população deveria escolher o rio predileto, a ser
homenageado numa festa democrática.
Entre os rios do local, podia
haver um, o de águas mais experientes, caudalosas, que depois de passar pela
vila poderia alimentar o turismo de outras regiões. O rio passava por
pinheirais sempre num clima tradicional, inspirador de músicas, folclore e
muitas ideias para a vila provinciana na essência.
Outro rio, embora não tão
majestoso, era preparado, sério, seguia com seriedade e humildade, mas enfrentava uma
seca, mal podendo alimentar e manter os parques da vila, eis que havia se
misturado com águas vermelhas que se revelaram bem pouco recomendáveis.
Outros rios também possuíam
seus valores e histórico na vila, de modo que cabia aos cidadãos avaliar cada
um. Como sempre eram os rios os que chamavam a atenção na propaganda e deveriam
ser olhados e avaliados para a escolha final. Todavia, o costume da população
de não analisar muito bem o rio, desta vez, levantava preocupação mais séria
entre alguns poucos cidadãos da vila. Na
verdade, a visão de uma minoria, ainda pensante, estava voltada para o riacho
que acompanhava cada rio.
Cada rio tinha, sim, um
riacho que o alimentava a partir de certo trecho. A vila prosseguia sua vida
rotineira enquanto cada rio enfeitava-se
para melhor parecer grande e apto aos olhos da população.
A época, todavia, não era de
grande ânimo e encantamento, pois os cidadãos da vila, aos moldes de todas as
vilas do país, tinham sofrido um grande baque
ao saber de coisas horrendas que haviam acontecido devido a canoas de piratas.
Gente dessas canoas havia descido pelos rios então eleitos e penetrado em todas
as vilas para negociar, roubar e saquear o que fosse público. Assim, a vila, com mente provinciana, não
esperava muito de rio nenhum, pois já sabia como tudo repetir-se-ia numa roda
viva histórica. O rio que viesse a ser escolhido até a data da escolha, mostrar-se
ia com todo seu cabedal, mas depois, a realidade do dia a dia na vila poderia
mudar tudo; a seca prolongada persistiria e as soluções contariam com pouca
margem para obter sucesso.
Nesse quadro, era previsível
que o rio vencedor poderia perder água e sofrer pressão a tal ponto de
suspender suas atividades, quando então chamaria o riacho para lhe fazer as
vezes, agindo como se rio fosse. Era uma hipótese que rondava todos os rios
candidatos.
Os provincianos e aldeões,
de maior visão, preocupavam-se com esta questão, a do riacho vir a ser chamado
para desempenhar a função de rio. Que tipo de águas tinha cada riacho, por onde
haviam passado, oportunamente, que tipos de canoas por ele desceriam para
chegar à vila? Oportunistas, vigaristas, gente mal intencionada, golpistas? Que gente chegaria ali?
Sabia-se que pelo menos um
dos riachos passava por uma fazenda de palmito e pimenta, cujo dono tinha no
passado sido muito importante, outros tinham pouca água e luz e outros ainda
tinham um potencial promissor e sério. Os riachos tinham todos características
bem distintas, que, todavia, eram pouco ou nada considerados para o dia da
escolha.
O pessoal da vila prosseguia
pelos corredores de sua rotina, a maioria esgotados, alienados e cegos pelos
seus problemas de ego e da visão concentrada no aqui-agora fisiológico. Poucos pensavam na escolha que deveriam fazer ou na água
do rio ou do riacho que iriam beber. Mal conseguiam ver as calçadas por onde
andavam de modo que não tinham a mente suficiente para se preocupar com
hipóteses; não era sua tradição nem tinham muitos hábitos pensantes voltados
para isso.
E a vila prosseguia no seu
vai e vem com muita neblina. O país, onde a vila estava localizada, passava
ainda por momentos históricos no mundo da política, do crime e dos esportes.
Todos estes mundos proporcionavam shows suficientes para sessões circenses e
distraiam a todos, impedindo maiores preocupações com rios e riachos, os quais
naquele ano contavam com poucos meios para alegorias.
À boca pequena, em vielas do
centro da cidade, os aldeões mais experientes coçavam seus bigodes. Sabiam que
os rios até poderiam ser escolhidos, mas a questão era voltada para os riachos.
Alguns riachos, além de desconhecidos e inexperientes, não teriam a menor
chance de fazer as vezes do rio que alimentavam. A vila, de certo modo, estaria
em perigo futuro, numa hipótese que
ninguém desejaria que acontecesse.
O pensamento indagativo era,
por vezes, amenizado com a fé e esperança, pela hipótese de os ribeirinhos da
vila poderem ter paciência e bolso para aguentar a seca e suas consequências.
Talvez uma chuva, troncos de árvores robustas nas margens, pedras irremovíveis,
poderiam ser o sustentáculo para tal período
destinado ao riacho, mas nem as árvores e nem as pedras tinham mostrado
até então tanta força para remover as realidades que já haviam feito o
histórico da vila e seu modo de viver e conviver politicamente. Todos se
entrelaçavam em relações dos mais variados tipos e no fundo eram todos da mesma
água. Perante o povo se opunham , brigavam e mostravam inimizade eterna, mas no
clube dos poderosos se abraçavam e riam do teatro feito.
Eram mesmo poucos os cidadãos
conscientes que murmuravam pelos cantos, lembrando que alguns rios e riachos
tinham hábitos de envolver e corroer pedras e árvores e não havia garantia
alguma de que tais barreiras poderiam ser mesmo eficientes para impedir que
canoas com gente ruim descessem pelo riacho e
fizessem coisas ruins.
A tradicional esperança e fé
era a de que a hipótese não se realizasse nunca naquela vila à beira dos
pinheirais. Havia também uma velada vontade de que grande parte dos ribeirinhos
abrissem os olhos e analisasse a capacidade de alguns riachos, mas era só um
sonho idealista de pureza e de mundo íntegro e honesto.
E em todas as vilas do mesmo
país, mais de 3 mil, havia este vai e vem, com a população enfeitando o rio de
sua preferência e interesse, esperando fosse ele o eleito.
Mas os riachos? Ninguém sabia
de alguns riachos e ninguém os enfeitava nem cantava em prosa e verso. O rio
eleito levaria consigo o riacho, na usa sombra. E se um único voto, o riacho
poderia fazer vezes do rio. Assim, simples, sem qualquer cerimônia. Uma espécie
de pacote-surpesa que só seria aberto oportunamente. Nas vilas, a escolha
democrática era só para o rio. O riacho era imposto autoritariamente, sem muita
expressão, sem jamais sobressair. Era figurante das sombras no teatro político
possível.
Fato era que rio ou riacho,
todos teriam que enfrentar o que se passava no ar de todas as vilas: gente
dormindo nas ruas, desempregados, lojas fechadas, construções paradas, pessoas
caçadas nas ruas para serem assaltadas, violência mortal em toda madrugada,
pessoas sem salário e casa, expostas a tudo, famílias abandonadas, comércio sem
movimento etc, etc. Tudo por causa de erros na condução do país, com muita
ganância e ego dos ditos poderosos que
desceram por rios eleitos democraticamente, mas que em suas canoas só cuidavam
de seus umbigos e iludiam os ribeirinhos com suas fantasias num sistema de economia de mentira e inclusão social sem
base alguma num castelo de areia .
Rio ou riacho teriam que
enfrentar a realidade posta, pois era em cada vila que se concretizavam as
consequências das mazelas nacionais, da cultura de fazer do governo um balcão
de negócios, de assaltar os cofres públicos, de mentir e iludir a população
sistematicamente. Na vila era que fazia sol ou chovia, que se lavava roupa e se
fazia e se encarava a realidade das estatísticas mais duras.
Entre gregos e troianos,
cada rio então fazia sombra para seu riacho, o qual poderia vir a substituí-lo
sem qualquer voto.
Assim, naquela vila de
passagem entre o sul e o norte, cabia aos ribeirinhos olhar cada rio e o riacho
correspondente. O voto, a escolha final estava com cada cidadão da vila. Cada um dentre eles que escolhesse a água que
iria ver passar e eventualmente beber.
Deve-se lembrar que a nível
nacional de todas as vilas, no país abençoado por Deus, houvera rio que depois
de eleito, até euforicamente escolhido, mediante a aplicação de estratégias de
propaganda incríveis, ao invés de passar e ir direto ao mar, havia repartido-se
em centenas de riachos, que não formaram nenhum estuário, mas um pântano de
águas podres, criadouro de mosquitos venenosos imaginando no entanto, na sua
alucinação , fantasia e delírio megalomaníaco,
poderem novamente nas vilas do
país num toque de mágica. Algo cínico e impressionista, esquecendo terem
causado danos à população de todos os níveis e explodido os cofres públicos
comprometendo o futuro por anos. Algo como ter vendido os ingredientes do bolo
antes mesmo de fazê-lo pronto para distribuição. Reféns do seu ego ganancioso,
deram vida triste ao ditado muito comum “quem come goiabada com as mãos se
lambuza” ou “ quem tem pressa come cru”.
Agora restava esperar que
Deus salvasse a vila, cada vila, todas
as vilas. Talvez após tantas prisões e escândalos no assalto aos cofres
públicos, a escolha de um rio e seu riacho não fosse mais a autorização
democrática para roubar e a cultura do “agora vou me fazer” começasse a acabar.
Rio e/ou riacho teriam então
a oportunidade de construir para o povo e para as vilas e o governo talvez deixasse
de ser o secular balcão de negócios. Em mais de 3000 vilas, este seria um bom
começo após 516 anos.
Odilon Reinhardt.
30-8-2016.