terça-feira, 30 de agosto de 2016

O Rio e o Riacho de cada vila.



                                       O Rio e o Riacho de cada vila.







Entre tantas vilas no país, havia uma quase ao pé da Serra, por onde passavam vários rios, sendo que de tempos em tempos, a população deveria escolher o rio predileto, a ser homenageado numa festa democrática.
Entre os rios do local, podia haver um, o de águas mais experientes, caudalosas, que depois de passar pela vila poderia alimentar o turismo de outras regiões. O rio passava por pinheirais sempre num clima tradicional, inspirador de músicas, folclore e muitas ideias para a vila provinciana na essência.
Outro rio, embora não tão majestoso, era preparado, sério, seguia  com seriedade e humildade, mas enfrentava uma seca, mal podendo alimentar e manter os parques da vila, eis que havia se misturado com águas vermelhas que se revelaram bem  pouco recomendáveis.
Outros rios também possuíam seus valores e histórico na vila, de modo que cabia aos cidadãos avaliar cada um. Como sempre eram os rios os que chamavam a atenção na propaganda e deveriam ser olhados e avaliados para a escolha final. Todavia, o costume da população de não analisar muito bem o rio, desta vez, levantava preocupação mais séria entre alguns poucos cidadãos da vila.  Na verdade, a visão de uma minoria, ainda pensante, estava voltada para o riacho que acompanhava cada rio. 
Cada rio tinha, sim, um riacho que o alimentava a partir de certo trecho. A vila prosseguia sua vida rotineira enquanto cada rio  enfeitava-se para melhor parecer grande e apto aos olhos da população.
A época, todavia, não era de grande ânimo e encantamento, pois os cidadãos da vila, aos moldes de todas as vilas do país, tinham  sofrido um grande baque ao saber de coisas horrendas que haviam acontecido devido a canoas de piratas. Gente dessas canoas havia descido pelos rios então eleitos e penetrado em todas as vilas para negociar, roubar e saquear o que fosse público.  Assim, a vila, com mente provinciana, não esperava muito de rio nenhum, pois já sabia como tudo repetir-se-ia numa roda viva histórica. O rio que viesse a ser escolhido até a data da escolha, mostrar-se ia com todo seu cabedal, mas depois, a realidade do dia a dia na vila poderia mudar tudo; a seca prolongada persistiria e as soluções contariam com pouca margem para obter sucesso.
Nesse quadro, era previsível que o rio vencedor poderia perder água e sofrer pressão a tal ponto de suspender suas atividades, quando então chamaria o riacho para lhe fazer as vezes, agindo como se rio fosse. Era uma hipótese que rondava todos os rios candidatos.
Os provincianos e aldeões, de maior visão, preocupavam-se com esta questão, a do riacho vir a ser chamado para desempenhar a função de rio. Que tipo de águas tinha cada riacho, por onde haviam passado, oportunamente, que tipos de canoas por ele desceriam para chegar à vila? Oportunistas, vigaristas, gente mal intencionada, golpistas?  Que gente chegaria ali?
Sabia-se que pelo menos um dos riachos passava por uma fazenda de palmito e pimenta, cujo dono tinha no passado sido muito importante, outros tinham pouca água e luz e outros ainda tinham um potencial promissor e sério. Os riachos tinham todos características bem distintas, que, todavia, eram pouco ou nada considerados para o dia da escolha.  
O pessoal da vila prosseguia pelos corredores de sua rotina, a maioria esgotados, alienados e cegos pelos seus problemas de ego e da visão concentrada no aqui-agora fisiológico. Poucos  pensavam na escolha que deveriam fazer ou na água do rio ou do riacho que iriam beber. Mal conseguiam ver as calçadas por onde andavam de modo que não tinham a mente suficiente para se preocupar com hipóteses; não era sua tradição nem tinham muitos hábitos pensantes voltados para isso. 
E a vila prosseguia no seu vai e vem com muita neblina. O país, onde a vila estava localizada, passava ainda por momentos históricos no mundo da política, do crime e dos esportes. Todos estes mundos proporcionavam shows suficientes para sessões circenses e distraiam a todos, impedindo maiores preocupações com rios e riachos, os quais naquele ano contavam com poucos meios para alegorias. 
À boca pequena, em vielas do centro da cidade, os aldeões mais experientes coçavam seus bigodes. Sabiam que os rios até poderiam ser escolhidos, mas a questão era voltada para os riachos. Alguns riachos, além de desconhecidos e inexperientes, não teriam a menor chance de fazer as vezes do rio que alimentavam. A vila, de certo modo, estaria  em perigo futuro, numa hipótese que ninguém desejaria que acontecesse.
O pensamento indagativo era, por vezes, amenizado com a fé e esperança, pela hipótese de os ribeirinhos da vila poderem ter paciência e bolso para aguentar a seca e suas consequências. Talvez uma chuva, troncos de árvores robustas nas margens, pedras irremovíveis, poderiam ser o sustentáculo para tal período   destinado ao riacho, mas nem as árvores e nem as pedras tinham mostrado até então tanta força para remover as realidades que já haviam feito o histórico da vila e seu modo de viver e conviver politicamente. Todos se entrelaçavam em relações dos mais variados tipos e no fundo eram todos da mesma água. Perante o povo se opunham , brigavam e mostravam inimizade eterna, mas no clube dos poderosos se abraçavam e riam do teatro feito. 
Eram mesmo poucos os cidadãos conscientes que murmuravam pelos cantos, lembrando que alguns rios e riachos tinham hábitos de envolver e corroer pedras e árvores e não havia garantia alguma de que tais barreiras poderiam ser mesmo eficientes para impedir que canoas com gente ruim descessem pelo riacho e  fizessem coisas ruins. 
A tradicional esperança e fé era a de que a hipótese não se realizasse nunca naquela vila à beira dos pinheirais. Havia também uma velada vontade de que grande parte dos ribeirinhos abrissem os olhos e analisasse a capacidade de alguns riachos, mas era só um sonho idealista de pureza e de mundo íntegro e honesto.
E em todas as vilas do mesmo país, mais de 3 mil, havia este vai e vem, com a população enfeitando o rio de sua preferência e interesse, esperando fosse ele o eleito.
Mas os riachos? Ninguém sabia de alguns riachos e ninguém os enfeitava nem cantava em prosa e verso. O rio eleito levaria consigo o riacho, na usa sombra. E se um único voto, o riacho poderia fazer vezes do rio. Assim, simples, sem qualquer cerimônia. Uma espécie de pacote-surpesa que só seria aberto oportunamente. Nas vilas, a escolha democrática era só para o rio. O riacho era imposto autoritariamente, sem muita expressão, sem jamais sobressair. Era figurante das sombras no teatro político possível. 
Fato era que rio ou riacho, todos teriam que enfrentar o que se passava no ar de todas as vilas: gente dormindo nas ruas, desempregados, lojas fechadas, construções paradas, pessoas caçadas nas ruas para serem assaltadas, violência mortal em toda madrugada, pessoas sem salário e casa, expostas a tudo, famílias abandonadas, comércio sem movimento etc, etc. Tudo por causa de erros na condução do país, com muita ganância e ego dos ditos  poderosos que desceram por rios eleitos democraticamente, mas que em suas canoas só cuidavam de seus umbigos e iludiam os ribeirinhos com suas fantasias num sistema de  economia de mentira e inclusão social sem base alguma num castelo de areia .
Rio ou riacho teriam que enfrentar a realidade posta, pois era em cada vila que se concretizavam as consequências das mazelas nacionais, da cultura de fazer do governo um balcão de negócios, de assaltar os cofres públicos, de mentir e iludir a população sistematicamente. Na vila era que fazia sol ou chovia, que se lavava roupa e se fazia e se encarava a realidade das estatísticas mais duras.  
Entre gregos e troianos, cada rio então fazia sombra para seu riacho, o qual poderia vir a substituí-lo sem qualquer voto.
Assim, naquela vila de passagem entre o sul e o norte, cabia aos ribeirinhos olhar cada rio e o riacho correspondente. O voto, a escolha final estava com cada cidadão da vila.  Cada um dentre eles que escolhesse a água que iria ver passar e eventualmente beber.
Deve-se lembrar que a nível nacional de todas as vilas, no país abençoado por Deus, houvera rio que depois de eleito, até euforicamente escolhido, mediante a aplicação de estratégias de propaganda incríveis, ao invés de passar e ir direto ao mar, havia repartido-se em centenas de riachos, que não formaram nenhum estuário, mas um pântano de águas podres, criadouro de mosquitos venenosos imaginando no entanto, na sua alucinação , fantasia e delírio megalomaníaco,  poderem novamente nas  vilas do país num toque de mágica. Algo cínico e impressionista, esquecendo terem causado danos à população de todos os níveis e explodido os cofres públicos comprometendo o futuro por anos. Algo como ter vendido os ingredientes do bolo antes mesmo de fazê-lo pronto para distribuição. Reféns do seu ego ganancioso, deram vida triste ao ditado muito comum “quem come goiabada com as mãos se lambuza” ou “ quem tem pressa come cru”.
Agora restava esperar que Deus salvasse  a vila, cada vila, todas as vilas. Talvez após tantas prisões e escândalos no assalto aos cofres públicos, a escolha de um rio e seu riacho não fosse mais a autorização democrática para roubar e a cultura do “agora vou me fazer” começasse a acabar.
Rio e/ou riacho teriam então a oportunidade de construir para o povo e para as vilas e o governo talvez deixasse de ser o secular balcão de negócios. Em mais de 3000 vilas, este seria um bom começo após 516 anos. 

Odilon Reinhardt.
 30-8-2016.