Blog 3.8.2017
Salseiros, entranhas, bugalhos, tralhas e malas.
Que há honestos e verdadeiros no
mundo da representação popular, não se pode negar. Que grandes nomes
participaram de grandes momentos, deixando ali sua marca de inteligência e alto
espírito patriótico, também não se pode esquecer. No entanto, que o sistema de
financiamento é falho e dá vazão ao sistema corrupto, vindo a constituir uma
das causas centrais dos problemas mais recentes, não se pode menosprezar.
Seria muito proveitoso, embora
cansativo, discorrer sobre todos os aspectos históricos que foram tecendo a
cultura política em sua roupagem atual, a politicagem.
Não seria de se falar de um ou
outro caso, nem de pessoas, mas da natureza humana que está envolta neste meio,
do qual poucos podem sair ilesos. Basta, portanto, focar o ser humano e a
transformação operada quando se sentem com poder.
A política em seu estado puro é
de grande complexidade, é ciência aplicada, exigindo altruísmo e espírito
coletivo e patriótico, grande conhecimento das relações humanas, da cultura do
povo, muita percepção aguçada sobre o momento e sobre as tendências sociais,
sendo um jogo de xadrez de mil peças, pelo que fascina e vicia. Já a
politicagem, campo dos maus políticos, é derivação barata e amplamente
praticada; campo do exercício explícito da vaidade, do orgulho, da inveja, da
cobiça, da ganância, da luxúria etc., que ficam atiçados o tempo todo em
tramas, traições, estratégias demoníacas de difamação, esquemas de maldade para
atingir o prestígio e a imagem do Próximo num jogo, na maior parte do tempo, às
escuras, e que remexe as entranhas do ser humano, usando-o como perpetrador do
Mal em permanente estado de defesa, igualando-o ao animal, presa e
predador.
A representação é ciência humana
de grande relevância para a estrutura de funcionamento da República, mas recebe
inevitavelmente a contaminação da qualidade ou da falta desta no ser humano do
local onde é exercida. Hoje, Maquiavel seria mero aprendiz inexperiente ao ver
como evoluíram suas noções de política antiética. Impossível que esse meio não
seja rudemente contaminado pela funesta estatística de que temos 4% de
analfabetos e 96% semianalfabetos.
Já é dito popular que o poder
corrompe. Após tantos séculos, o Poder já é um sistema pré-estabelecido, um
mundo com princípios e valores, usos e costumes que foram se formando para
apresentarem uma cultura que hoje é questionada, porque se revela ineficaz para
representar o povo a contento. O poder que Abraham Lincoln previu como sendo “
power from the people, for the people and by the people”, entre nós, sofreu customização
alfandegária: “ power from the people , away or against the people”.
Ninguém, no entanto, irá tomar o
poder pela força, já que pelo menos nossas instituições mostraram-se mais
fortes e independentes. Todavia, pontualmente, para resolver algumas questões,
já se observa a manifestação antidemocrática, selvagem, bruta, medíocre e
animalesca, em barbarismo e vandalismo, e, grande parte voltada para produzir danos ao patrimônio privado nas
ruas do que ao Poder Público, geralmente estabelecido em prédios enormes e
palácios. O único resultado de quebrar uma vitrine é ter a vitrine quebrada e
só.
A tendência do vandalismo é
perigoso sinal, semente que poderá germinar, se o sistema dialético democrático
não for revisto com urgência, criando mecanismos mais rápidos para garantir a
expressividade da reclamação popular. O político e familiares, muitas vezes no
passado ovacionados em eventos públicos e até em particulares, passam agora a
ser “ovocionados” pela massa, sofrendo “bullying” e ameaças em espaço público,
aeroportos, restaurantes e a bordo de aviões.
É de se questionar, se é o ser
humano ou o sistema criado por ele que está defeituoso e não representa mais o
eleitor. Mudando o sistema, mudam os homens? Mudando o homem muda o sistema?
Sim, não? E como fica a cultura secular,
arraigada e que é expressão legítima de nosso subdesenvolvimento? Deve-se
considerar que a vida política, desde há muito tempo, foi o recurso fácil dos
que não serviram para estudar ou fazer comércio de loja, mas sempre foram bons
de palavra, craques em dar nó em pingo de chuva e almejaram crescer sem fazer
muito esforço, elevar a cabeça acima da plebe ignara e mostrar-se ricos,
incluir-se entre os poderosos, portando valores da classe média de aparecer,
mostrar status, posses, o que facilmente descamba para a ganância e
megalomania. Qual o índice de dislexia na classe política? Quais as verdadeiras
entranhas dessa classe que podem explicar tantas atitudes?
Se nada for alterado, os
protagonistas da politicagem continuarão a reinar aumentará; o hiato entre a
capacidade de entendimento popular quanto às questões nacionais e esse mundo
político e sua falta de transparência. Aumentará a radicalização, que nunca
levará a nada de bom. Aumentará a raiva social, a ira do povo contra os que
“aparentam mais”. A mediocridade se espalhará. É o nivelamento por baixo. Nas
cidades já se formam guetos, onde os que “aparentam mais” não podem entrar. O
fato é que a representação está em foco e o povo sufocado, embora silente,
exige mudança.
Evidentemente que de um lado a
ignorância popular sempre será entrave para a democracia. Se só 8% dos 96% de
semianalfabetos pode entender um texto, é evidente que a falta de transparência
e a falta de clareza nas informações sobre os projetos em discussão pode levar
a uma situação de fácil condução e manipulação das massas para a baderna. De
outro lado, o meio político que se tornou um campo restrito, onde habita o
“político” profissional, dando direito à aposentadoria, décimo terceiro etc.,
torna-se a cada momento mais egoísta, excludente e onde se formam clubinhos de
raposas, o grêmio dos maus, as quadrilhas de invasão, todos preocupados em sua
perpetuação, na intenção viciada de simplesmente “ser importante”. Assim cada
clubinho vive sua própria fantasia em interesses internos e logo dá as costas
para quem, enganado por alguma campanha de marketing eleitoreiro, o legitimou
baseado em alguma promessa de bom futuro ou qualquer falácia de igual valor.
O meio revelou-se podre, um mundo
à parte, funciona com princípios ruins e valores questionáveis; ética e moral
possuem contornos do submundo e os meios justificam os fins; defeito de
caráter, mentira, dizer e desdizer é moeda comum; o meio baseia-se na luta do
poder pelo poder: de “se fazer”; de se garantir contra a miséria nacional, de aproveitar para enricar,
de conseguir um lugar de prestígio que alimente a vaidade e o orgulho, de
defender interesses privados oficializados como públicos, de criar dificuldades
para vender facilidades, etc. Denúncias escandalosas só aparecem quando alguém
não recebeu a sua parte. Se a imprensa silencia ninguém sabe de nada. Mesmo
assim só aparece a ponta do iceberg e quando é de interesse dos meios de
comunicação.
Quando do jogo entre oposição e
situação algo escapa do controle e espirra para fora dos muros do mundo
político em forma de escândalo, denúncia etc., a imprensa busca sensacionalismo
para vender mais e rechear tudo com anúncios comerciais. Pouco importa a
opinião popular, a qual fica perdida entre informações e contra informações num
enrolado jogo televisivo que pode ser facilmente esquecido com a sobreposição
de outros eventos mais atrativos ainda. Um jogo importante de futebol silencia
a todos.
Há muito idealista neste país,
que como marinheiro de primeira viagem, depara-se com o primeiro mandato, onde
leva muito tempo para entender como funciona a casa legislativa, geralmente
dominada por antigas raposas que se perpetuam no poder e controlam grupos de
funcionários.
Os novatos ou jogam o jogo dos
políticos antigos ou não se reelegem. Ou aceitam os jogos do Poder e os
esquemas de corrupção já estabelecidos ou são marginalizados. Há esquemas fixos
de corrupção que subexistem a todos os mandatos, independente dos políticos que
se revezem no poder. São esquemas que usam as pessoas a seu bel prazer,
transformando-as, obrigando-as a cumprir o que for determinado com fidelidade
ao comando. A opção é corromper-se ou cair fora. A este ponto, o indivíduo se
vê menor que o clubinho e sua impotência o paraliza. Há todo um sistema para
atrelar o indivíduo, amarrá-lo e cobrá-lo, retirando sua liberdade. O campo é
sedutor, ganha facilmente as pessoas vaidosas que se deixam levar pelo canto da
sereia. Todavia muitos dos idealistas abandonam o clubinho e o país perde
talentos e soluções para o futuro. Os virtuosos não se sujeitam ao campo da
política, onde o ego reina para comandar os que ficam para alimentar o sistema
em que são vítimas de si mesmos, embora tenham lá seus momentos de bravura de
touro preso; no mais, estão obrigados a seguir as regras do jogo, acordos nos
quais devem se submeter ao indizível. Inevitável que após certo tempo, já
tenham vendido a mãe e a alma esteja prostituída de tanto sofrer pressões e
defender interesses distintos e contrariar-se como ser humano íntegro e
coerente.
Sócrates, em seu diálogo com
Glauco, na obra “A República” disse que “ Ora, a verdade é que toda sociedade
onde os que mandam não mostram nenhuma ânsia de se elevarem, é necessariamente
bem governada e nela residem a paz e a concórdia; mas onde quer que o mando se
obtém à força de intrigas, sucede precisamente o contrário.”
O jogo político é pesado, baseado
na politicagem, gera sofrimento, agonia, ansiedade pelo medo de perder a
imagem, o prestígio, as eleições etc., mesmo que muita vitória seja de Pirro e
que, se derrotado, passe a ser “ninguém”, mas cheio de dívidas e solidão. É o
tempo de pagar pelo ego contrariado.
Os que ficam no clubinho
permanecem submetidos às regras do jogo. A preocupação maior é se reeleger. A
outra é achar tetas livres para indicar seus parentes e os ajudantes de
campanha ou garantir recursos para a próxima
eleição. A cada votação de projetos do Governo surge a oportunidade de
negócios. Tudo num mundo que se gera e se basta em intrigas de corredor,
queimando energia na mediocridade entre oposição e situação, totalmente alheios
ao interesse do povo. Os dias, noites e madrugadas são preenchidos em
negociatas para votação e com jogos de desdouro e denúncias para manchar o
prestígio do oponente. Nesse mundo todos são “migos”, ou seja, amigos ou
inimigos de ocasião. Falsidade, fingimento e soberba são o ar dessa gente. As
decisões são quase todas contaminadas por interesses dos financiadores de
campanha ou eventuais empresas corruptoras com interesses em aprovar emendas e
ressalvas em projetos. Na maioria dos casos são lobistas de interesses privados
que assediam políticos para fazer aprovar seus interesses. Qual a qualidade
desses interesses, quando se sabe que muitos tendem a eliminar a concorrência,
causam danos à economia, ao Governo e, conforme se verificou, têm pago caro
pela atividade legislativa orientada e têm ocasionado a paralisação de obra
públicas quando já satisfeitos os esquemas de corrupção e “propinagem”?
E cada sócio do clubinho possui
seus assessores, seu marketing para criar confusão e desinformação, proteger
sua imagem. Possuem serviçais caros e também seus indicados que invadem
empresas de economia mista e públicas como gente estranha, gerando ali as mais
esquisitas sensações de iniquidade e onde, geralmente em posição de mando,
estabelecem seu balcão de negócios. É assim que por acordos de venda de apoio,
compram o direito de preencher cargos na estrutura, propiciando que verdadeiras
“nulidades” ocupem lugares no Governo , com salários facilmente superiores aos
de quem indicou. Um escândalo que é engolido como sapo pelos regulares
empregados concursados, que sempre como técnicos são pautados pela
“meritologia”. Ao mesmo tempo, sem
mérito algum, a camarilha política, paga com o dinheiro dos impostos,
constitui, de tempos em tempos, a nobreza da República, a classe política, e
não poupa em ostentação e soberba, esnobando as regras para concurso público
impostas ao vulgo.
De costas para a população, os
vários clubinhos fazem seus jogos, ditos por eles patrióticos, e vivem sem
tempo para cuidar dos verdadeiros interesses verdadeiramente nacionais das
empresas. O tempo de negociatas, acordos, tramas etc. lhes toma todo o tempo e
assim vive o mundo político entre seus muros intransponíveis pela população que
a cada dia esforça-se para tocar a rotina dura que lhe impuseram.
Como resultado de nossa cultura
de tanta idiossincrasia, este quadro acima perfunctoriamente analisado foi o
que temos hoje como top da evolução política, após a forja, a ferro frio,
durante séculos. Seria legítimo desrespeitar tais conquistas, se considerarmos
que os representantes do povo são a essência do próprio povo em seu caminho
histórico? Ou a politicagem que tomou conta é exceção?O jeitinho brasileiro era
corrupção na veia? Incríveis as respostas que um questionamento filosófico
traria, devendo-se ressaltar, entretanto, que é prudente considerar que
exceções não fazem a regra, pois a população em sua grande maioria, gozando de
simplicidade intelectual, o que lhe dá timidez social, é honesta e trabalhadora
e, embora vítima secular da negligência quanto à educação formal, tem bom-senso
e sabe o que é certo e errado, principalmente quando há dinheiro em jogo, já
que isto o toca no sentimento de justiça e equidade.
Sem embargo de todas as questões
que podem ser levantadas, o que importa são as consequências para a acidentada
vida social de hoje. O resultado em alguns casos é tétrico, pois atingiu a
saúde pública ocasionando a morte ou aposentadoria por doença de milhares;
atingiu a educação, condenando gerações e gerações ao cárcere da ignorância e à
permanência no nível operacional; atingiu a segurança pública, gerando
violência e total insegurança, levando a uma verdadeira guerra civil diária.
Inacreditável ter nascido aqui a frase ”ele rouba, mas faz”. Quais os
verdadeiros números da violência, da saúde, da educação? Há manipulação e um
jogo de esconde-esconde para não revelar a ineficiência dos serviços públicos e
não afetar a imagem política dos gestores, municiando a oposição. No entanto,
no espaço da insuficiência, surge o império do crime, que controla bairros da
periferia e produz notícias de insegurança diária.
Em todos os dias, passou a ser
possível ver relatórios sociais televisivos enunciando, indicando, denunciando,
avisando sobre o processo evolutivo da sociedade que está em trilhas humanas
duvidosas, embora andando em praças e avenidas mais modernas cheias de
conquistas materiais e iluminação artificial.
Num país de tamanho continental,
com tantas realidades diferentes, onde se pode encontrar facilmente desde o
Brasil de 1920 ao de 1980, o que vem chamando a atenção são as consequências da
descura que estão crescendo e o povo está mostrando sinais de esgotamento.
Buscando causas, que estejam além da realidade política e do mundo dos
políticos, para os resultados de séculos de negligência quanto ao verdadeiro
progresso e de hipervalorização do umbigo de alguns, encontramos doenças
históricas que mereceriam ser objeto de um
tratamento psicanalítico para efetivamente possibilitar o progresso
maior pela educação. Muitas das causas do momento atual estão na acomodação
social, no analfabetismo e em sistemas oficiais que não foram revistos ou
substituídos adequadamente.
A centralização na União do poder
de distribuir as verbas, garantindo o controle político e a sua manipulação em
favor sempre dos aliados da situação, foi essencial para criar o caos que vem
sendo anunciado. O Brasil ainda é o Império, ainda tem os coronéis e ainda vive
ilhado em Estados, onde a política local é a mesma de décadas e sofre de uma
cegueira histórica.
Ainda somos a pátria enrolada
numa burocracia sem limites. Somos um país cartorial, apegado aos sistemas de
controle tradicionais do país colonial de Portugal. Somos barrocos em vários
sentidos e valorizamos mais os meios do que os fins. Não é a papelada que vai reduzir
a má-fé e a malandragem na operação das empresas e no relacionamento pessoal.
Criamos sinecuras para alimentar o nepotismo agora cruzado, camuflado, a fim de
garantir altos salários para a nobreza. Somos ágeis em criar dificuldades para
vender facilidades na agilização dos procedimentos bisonhos. Muito papel e mais
corrupção para destravar processos. A desburocratização tem sido lenta desde os
primeiros esforços de Hélio Beltrão para acabar com o excesso de exigências.
Deve-se lembrar que o INSS por muito tempo exigia o famoso “atestado de vida”
que tinha que ser apresentado pelo aposentado.
Possuímos resquícios de sistemas
tributários antigos, com as taxas e emolumentos, tudo com muito carimbo, guias
de pagamento e procedimentos medievais para garantir emprego e ocupação à custa
do Estado. Manter o Estado como o maior empregador é resquício de um Brasil sem
indústria e rural, onde a capital era centro administrativo rodeado pelas
roças. Embora o setor privado hoje seja empregador, os grandes salários só são
pagos pelo Governo que vive numa irrealidade.
Nossa população sofre com a
qualidade do regime alimentar imposto, produtos de má qualidade, nocivos à
saúde, viciada em sal, açúcar e gordura, já demonstrando estar doente e
sobrecarregando o serviço de saúde e diminuindo a força de trabalho em muitos
aspectos. Os números da saúde são assustadores. Na hora de trabalhar e produzir
a saúde não corresponde. Qual a verdadeira qualidade do ambiente de trabalho?
Qual a realidade nas empresas com o absenteísmo, licença para tratamento de
saúde etc.? Vamos importar mão de obra logo em mais intensidade. O que e quem
vem aí? E mais, com o envelhecimento da
população, o consumo diminuirá, certamente uma ameaça grave para todo o
sistema. Exportar será a saída. Temos produtos e qualidade para competir no
mercado externo? Sairemos da marca de estar participando só com 1% nas
exportações globais?
Os eleitores estão nas vilas e
grandes cidades e são, em grande maioria, originários da zona rural, habitam na
periferia e continuam a vir para o mundo novo, onde pensam haver emprego, mas
logo verificam que não possuem qualificação para quase nada; perdem sua
identidade e não conhecem a cidade, seu histórico, sua gente, seus costumes e
doenças sociais, não conhecem nem o nome das ruas e vivem num estado permanente
de marginalização e alienação. Mas são os que votam ou deixam de votar,
diminuindo a participação democrática na renovação de sua representação. Com
frequência não conhecem os candidatos, seu histórico e acabam votando conforme
a campanha de marketing político os conduza. Ademais diante de tanta notícia e
variação, a memória popular não grava mais e esquece. Na próxima eleição todos
os candidatos estão limpos na imagem. Não conhecem os programas partidários porque
os próprios partidos não os divulgam abertamente. Os partidos é que irão
comandar os seus políticos eleitos. Então como não conhecer a que clube esse ou
aquele candidato pertence? Os eleitores são os motoristas, diaristas,
serventes, porteiros, entregadores, coletores etc., uma minoria que achou
emprego na cidade; é a precária mão de obra no mundo dos serviços. Vivem na
periferia a sua realidade no Brasil atrasado, de onde saem também os que vão
assaltar a cidade como se fosse ela uma grande roça de ninguém. Ali a violência
é expressão máxima de toda a negligência na saúde, educação e segurança. É onde
a corrupção e a má gestão pública fazem suas vítimas, condenando gerações.
Pessoas simples expostas ao pragmatismo, racionalismo, utilitarismo, etc., como
filosofias feitas para a produção, que facilmente condicionaram os empregados,
os quais transpuseram seus “ensinamentos” para o relacionamento pessoal,
gerando o confronto com valores cristãos, ainda não muito sedimentados e
geralmente muito mal interpretados por todos, cidadãos e políticos. Um
verdadeiro salseiro. Exigir que esses
cidadãos exercitem o direito de voto acertadamente, parece conto da carochinha.
Face o elevado semianalfabetismo,
o país vive na oralidade. Poucos leem, poucos escrevem. Jornais, revistas,
bulas e contratos são decorativos. Vale o que se escuta e o que o ancora de TV
prega todo dia. Vale a fofoca, o diz-que-diz, o rumor de feirinha. Para muitos
a questão é se o Brasil foi descoberto por Dom Pedro ou pelo Rock? Duque de
Caxias foi imperador ou irmão de Tiradentes?
Fazer campanha política com base em debate ideológico ou projetos parece
mais um belo sonho na Terra do Nunca e seu bananal, principalmente, se os
debates ocorrem muito tarde da noite, desrespeitando o trabalhador/eleitor que
tem que levantar 5 horas da manhã para trabalhar. Como esclarecer o eleitor por
meio de debates? Prevalece então o discurso oportunista baseado em questões
menores, mas que atingem o que o povo quer ouvir.
A representação na História do
Brasil era tradicionalmente feita por quem tinha bens, portanto, interesses.
Votava quem tinha dinheiro. Com a democracia, o cidadão tornou-se eleitor. O
sistema até pode funcionar para eleger ou não, mas na hora de legislar vale o
poder econômico das empresas interessadas em projetos de seu campo de atuação e
pelo Executivo, ambos interessados na
compra dos representantes populares através de promessa de cargos,
propinas e verbas, eliminando a
conquista democrática. Por falta de educação e ciência, a dependência externa
aumenta e o país vira a feirinha de eletrônicos, teste de remédios, campo de
teste químico e de tantos outros produtos e modismos, pelo que há enormes
interesses estrangeiros em nossa legislação de modo que quem tem dinheiro
continua remunerando quem legisla. A eleição democrática de pessoas para
representar o povo, após o momento de posse dos eleitos torna-se, em certos
casos, um cheque em branco. Não é um ou outro o caso de rápido enriquecimento
dos eleitos.
Para acompanhamento da gestão, há
muito pouca transparência, pois as informações técnicas e estatísticas são do
Governo. A participação é mínima e
grandemente sectária, pois exercida por técnicos, ONGs, sindicatos e
associações. O povo está fora e por fora. Audiências públicas para participação
popular resultam em quase nada. Ademais a população quer obras locais e isto
nunca interessou muito, porque não rende propina e não preenche os cofres para
a próxima campanha. Ademais, a falta de recursos sempre foi a desculpa. É certo
que o Governo não gosta de escutar pleitos que aumentem a despesa fora do já
programado por seus interesses e seus financiadores. Acaba executando só o que
lhe apraz. Para o povo só há promessas e blá–blá–blá com muita mentira quanto à
realidade. Sem dispor de informações honestas e uma visão de conjunto, o
cidadão não pode ter ideais e nem participar a contento, pois suas ideias
isoladas terão que ser aceitas pela política e pela trama de interesses em que
o cidadão não participa e pouco sabe de sua conjuntura, pelo que as ideais
acabam sendo recusadas, quando não politizadas e enquadradas no jogo entre
situação e oposição. Cansado de tantos anos de promessas e falsas esperanças, a
população, por repúdio ou simples ignorância, volta suas costas para tudo isso,
o que beneficia o mundo político, continuando este no seu mundinho encantado. A
participação diminui, o interesse some. Já se fala em o voto não ser
obrigatório, o que seria o melhor cenário para os políticos, beneficiando-se
ainda mais da alienação e desinteresse.
Somos o país onde existe “a lei que não pega”, que não cola. Alguma lei municipal ou estadual pega com
facilidade? Talvez algumas. E a qualidade das leis municipais e dos projetos de
lei. No geral, quanto custa esta festa legislativa por ano? E os órgãos de
fiscalização, são ilhas de isenção e honestidade?
A sociedade tem seu passo
evolutivo ao logo do tempo. Direitos e conquistas sociais sempre são forjados
ao longo da História, são expressão da lenta evolução do elemento humano da
Nação. Seria legítimo negar isto? Qual sistema poderia interromper esta
evolução e num passo de mágica transformar o país? O sonho vermelho, o
amarelo? Teremos que esperar o tempo.
Para as gerações atuais nada acontecerá rapidamente. Se a corrupção acabar, já
será uma grande vitória. Se o mundo político mudar, será uma grande vitória,
mas só o início de mudanças melhores.
Mesmo com toda a tecnologia e avanços neste campo, a mentalidade de um
povo necessita de tempo, de 100 a 150 anos. Não adianta acreditar em sistemas
ou doutrinas miraculosas, que possam reformar ou revolucionar uma Nação em sua
caminhada humana. E como vai o humano aqui? Muito mal não?
No que isto possa pesar, a cada
época temos que ter avanços e para os tempos atuais o que continua a prejudicar
a boa evolução, é que ainda temos o autoritarismo como regra. O coronelismo
consegue sobreviver nos Estados e dita a política local. No jogo de oposição e
situação, a oposição jamais vai deixar de criticar e minar projetos da
situação, pois o desejo é que esta se dê mal e seja derrotada nas eleições.
Direita, esquerda e o país não vai para a frente com a energia, com a qual
deveria ir. No processo, o debate é agressivo, ninguém quer escutar ninguém.
Ademais, num país fisiológico, o que impera é o caráter egoico do cidadão. O autoritarismo
é campeão, pois ninguém quer ser contrariado e toma-se como centro do universo.
A inflexibilidade, a intolerância, a impaciência são instrumentos mais eficazes
de defesa do ego. Como o modelo está baseado em aquisição de bens e geração de
impostos e não consegue entregar o que promete ao cidadão em sonhos de consumo
e qualidade de vida material, a insatisfação é constante e a contrariedade
constitui a semente do conflito diário. O autoritarismo é consequência normal
em tal contexto. O processo democrático descamba para a pancadaria,
manifestações de quebra-quebra contra o patrimônio privado e agressão ao
policial, como se este fosse o Governo e seus políticos. Não temos tradição de
debater. Criticar é ato imediatamente colocado como oposição. Somos
autoritários em todos os lugares. O Poder é o meio de imposição. Não é só o
Governo que é ruim e nem a origem única da ruindade. Governo são pessoas,
pessoas que não vieram do céu e nem da mais refinada nobreza .
Para piorar, o avanço de
filosofias como o individualismo e pragmatismo, cria o cidadão frio e
calculista, preocupado com seu umbigo, cego e egoístico, não se preocupando
muito com o coletivo. A participação diminui em interesse pela política e há
escassez de candidatos. Cada um por si é o lema. Pode haver até protestos
políticos e pontuais, mas não há uniformidade de reclamação e revolta. Na rua,
cada um é uma célula isolada, protestando conforme e por causa de sua revolta
pessoal contaminada por sua insatisfação. Muitos dos que “invadem” órgãos
públicos nem sabem o que fazer e certamente, se tivessem Poder, agiriam do
mesmo modo que os eleitos ou até pior. O bruto responde fisiologicamente, não
há diálogo, só violência ou silêncio raivoso. Cordialidade etc. são atitudes do
passado.
E no campo espiritual, reduzido
aos cultos e missas de adoração, observa-se o divisionismo cristão. Católicos e evangélicos são a nova divisão.
Já há divisão, discriminação entre tais grupos com consequências para a
harmonia social. Fanatismo e obsessão são sementes más para o futuro. Famílias
já estão sendo divididas lentamente e as consequências começam a invadir a casa
do cidadão com reflexos nas opções políticas.
A cada gestão, o país dorme mais
quatro anos, empobrece em mão de obra, fica fraco em ciência, diminuí os sonhos
e chances de prosperidade. O fracasso das gestões tem reflexo no custo de vida
e a cada ano a vida na cidade fica mais cara. Um dia será insustentável. Em
algumas cidades, já se verifica a mudança para zonas rurais e pequenas cidades
satélites, onde pelo menos o IPTU e o aluguel são mais baratos. Em números já
preocupantes, de cidade para cidade, há fuga de eleitores, o que poderá
aumentar.
Devido à economia sempre estar em
crise, às dificuldades da vida e à qualificação deficitária da população, há
campo para a má-fé, proliferação de golpes, negócios escusos quase como regra.
Um caso de genética curiosamente adquirida com o tempo pela espécie humana aqui
colocada. Ninguém quer pagar impostos porque não vê resultados. O caixa dois é
regra. A tendência é de o velho e tradicional esquema de enganação. Malas de
corrupção voam todos os dias. Tudo contamina o cidadão de onde saem os
políticos. Nada de transparência, igualdade, participação, debate, quando se
sabe que há sempre algo a esconder.
E o que falar então dos erros de
gestão. Vários erros deixaram o país à beira do caos econômico e social. O
Judiciário pune a corrupção, mas não o erro de gestão. Estratégias econômicas que causam danos
enormes a empresas do Governo, empresas de economia mista no Estado ou
Prefeitura ficam impunes. Só há questionamento na época de eleições, quando
definidos os lados com mais objetividade. Em cidades menores impera o silêncio
com medo de perseguição. Todos engolem os erros grosseiros de gestão que
estouram em mais violência, menos saúde e quase nada de educação. O erro de
gestão é intocável, inquestionável, se ocorreu sem envolvimento de corrupção e
propina. As entranhas das empresas de economia mista, empresas públicas e
fundações etc. deveriam ser examinadas de melhor modo. Ali é o paraíso do
Governo; o grande cano de fuga de recursos. Muitas decisões ali assustariam
qualquer um do povo, porque decorrem de pessoas que são incompetentes para o
cargo e também ali devem seguir ordens superiores externas. Pergunta-se, por
exemplo, se o curriculum-vitae de certos indicados a cargos de diretoria é
analisado previamente? Pergunta-se qual a razão para tanta propaganda, se as
empresas tem monopólio. Os erros e desperdícios são ao jogados para a tarifa e
ali tudo é aceito com farofa. Essas empresas com acionistas, CVM e tudo mais,
fazem o que bem querem em gestões que só diminuem a energia empresarial.
E assim vai a vida aqui. Entre
mentiras e verdades tudo vai passando. As gerações que assumirão o Poder e o
comando da vida sentirão os erros históricos e os efeitos perversos da falta de
qualificação e saúde e conviverão com níveis bem perversos de violência em
todos os campos, pois a falta de amor ao Próximo, bem como a falta de amor à
Pátria, será ainda mais comum.
Esperança e fé fazem o ar que uma
geração entrega à outra no passar da vida. Não preocupam as conquista
materiais, pois elas continuarão acontecendo; o que preocupa é a qualidade de
vida física e espiritual do cidadão, o qual passará pelas avenidas iluminadas e
prédios modernos. Em que estado?
Se juntarmos os vários sinais e
cenários da vida, já de má qualidade espalhadas nos tabuleiros da vida
nacional, poderemos montar um quebra-cabeças que dará a ideia do pano de fundo
que está sendo instalado lentamente. Rio e São Paulo podem fornecer as peças
mais ilustrativas, mas o quadro geral é feito por peças de todos os lugares.
Algo tão grave e feio que até o quadro de Guernica vira tão belo quanto o de
Monalisa.
Se o mundo político no seu modo
de atuar continuar a viver sua fantasia dantesca, esquecendo-se do povo, a
violência em suas múltiplas formas será tal que a vida aqui será muito
complicada, uma tralha a ser carregada de geração em geração, deixando seus
bugalhos pelo caminho da História.
Segundo analista americano, em
artigo publicado em jornal brasileiro em 2014, a crise econômica irá até 2020.
Tal previsão já é realidade e pode piorar após janeiro de 2019. As próximas
eleições assumem cada vez mais uma importância relevância na História. Não haverá mais espaço para devaneios
políticos. Dinheiro, poder e coisas materiais ficarão em segundo plano, pois o
que ficará mais relevante serão as consequências da questão humana.
O Poder Judiciário, o Ministério
Público e a Polícia Federal continuarão com papel importante para lavar o país.
Sem estas instituições não há garantia alguma que poderemos começar um caminho
melhor. O cinismo ainda é grande ao se considerar que toda esta corrupção é
pertence ao “imaginário acusatório”, é “ilusão midiática”, é invenção com fins
políticos. Tal considerar indica que alguns políticos continuam arrogantes,
sonhando em seu mundo de fantasias.
A reação só pode vir dos bons
políticos que ainda existem e que hoje se intimidam perante as velhas raposas;
bons políticos são a esperança para mudar pelo menos o mundo da política, hoje
dominado pela politicagem, seus valores e princípios. Se não houver mudança ou
um processo mesmo que lento de mudança, talvez algumas questões possam
explicitar a necessidade e o fim do comodismo: será que a Venezuela há trinta
anos, rica em petróleo, pensava chegar ao estado em que chegou? Nada é
descartado na História, todas as alternativas estão em aberto. Um salto no
escuro e tudo muda ainda para pior. O país tem que ser criticado, questionado
no foro íntimo de cada cidadão e num pacto nacional de união de todos. Há muita
crise escondida gerando problemas que logo serão maiores. Quando a atitude é
esconder problemas, acha-se confusão. A continuar o joguete entre situação e
oposição quanto à imagem a ser preservada com vistas às eleições, nada mudará e
o pano de fundo da vida nacional começará a ficar fora do padrão da cena
teatral que estiver sendo representada, inclusive pelo país no cenário
internacional. Conflito, divisionismo, ódio, acirramento da luta de classes,
discriminação, segregação e intolerância não tardarão a se alastrar. É este o
Brasil que queremos? Os sinais e perspectivas estão todos aí, é só observar e
começar a juntar as peças para montar a imagem do futuro.
Cabe lembrar de Rui Barbosa que
,há mais ou menos 100 anos atrás, disse à juventude do Brasil: “ De tanto ver
triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a
injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem
chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser
honesto”.
O cidadão esclarecido e
consciente vê Rui Barbosa valer em suas frases, sente-se fora do contexto; suas
crenças em valores e princípios honestos são afastados cada vez mais; sente
estar deslocado, até mesmo antiguado, pois a falsa modernidade e o progresso
sem rumo, que estamos vendo, criam um estado mágico de ilusão imbecilizante.
Para população o medo de ficar mais pobre, de perder o emprego, de passar fome,
medo da insegurança, da violência etc. deve ser também complementado pelo medo
de ser destruído pelo individualismo frio e calculista que se agarra ao
pragmatismo para afastar as pessoas uma das outras e dividir o país e a Nação.
Odilon Reinhardt.
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