Músicas e
músicos nas artes e peças que o país faz e prega.
Impressionante foto, que cria uma imagem até surreal,
levando a mente a imaginar o que teria ocorrido ao dono do violão, assim tão
maltratado. Quantas músicas tocou, para quem dedicou tantas letras e músicas,
verdadeiras poesias ou em quantas festas alegrou pessoas e fez o momento?
É foto real, tirada, não num grande centro musical do país
nem em cidade capital. Foi foto feita em meio ao que se pode inesperadamente
encontrar numa destas manhãs ensolaradas, à beira de uma estrada de cidade
pequena, não muito distante do mar, o que provoca ainda mais graves indagações.
Por que e quem teria coragem de detonar um violão nessas circunstâncias em
pleno verão? Certamente, não foi ato de revolta, como a de Sérgio Ricardo no
Festival da Canção em 1967 nem qualquer ato de protesto igual ao dos artistas
liderados por Elis Regina na passeata da MPB e Bossa Nova contra a Guitarra
Elétrica na mesma década em São Paulo, em plena explosão do programa Jovem
Guarda. Esse violão quebrado foi um ato mais recente, que incorpora talvez
outro tipo de revolta. Talvez, a de um músico regional ou mesmo local, tomado
por seus devaneios contra um amor perdido ou um evento qualquer que não lhe
garantiu nem uma pousada para dormir. Sabe-se lá, algo aconteceu, algo que seja
coerente com o mundo irado em que vivemos.
O violão e suas variações é instrumento que nos traz música
de todas as épocas. O Brasil é um país musical com talentos enormes. Ninguém
deixa de ter suas músicas na memória, aquela que marcou a infância, a que
elevou os momentos do despertar do amor com o interesse pelo primeiro namoro, a
música do casamento, a do filme preferido e tantas outras músicas que marcaram
momentos individuais na existência. E por trás da música, há os famosos
cantores, seus conjuntos, os interpretes nacionais e internacionais e os
avanços da tecnologia que facilitaram progressos de muita qualidade e
democratização do acesso às artes em geral.
Há sempre música que marca momentos do país e seus anseios
políticos e tantas outras que fazem, 24 horas por dia, as pessoas se alegrarem
ou pensarem, escutando rádio e aparelhos de som, em lares, escritórios,
fábricas, restaurantes, supermercados e lojas espalhados pelo mundo. É o mundo
da música, uma indústria representativa e de grande competição, que gera milhares
de reais e de dólares por mês, enriquecendo produtores, gravadoras e promotores
de shows.
A mesma sorte, muitas vezes, não alcança o cantor/cantora
durante todo o tempo, já que este atinge a fama, mas pode também rapidamente
deixá-la por múltiplos fatores que incluem: perda da voz; escassez de músicas
novas; desacertos com os produtores; casamento; falta de inovação; mudança
espiritual; mudança na preferência do ouvinte; surgimento de outras modas e
movimentos; alto custo da produção de qualquer obra; que se financiados por
órgãos oficiais triplica o custo; dificuldade de parcerias e arranjos;
envelhecimento; desgaste da saúde; cansaço resultante de uma vida desregrada
para atender caprichos e às exigências da “carreira”; ausência de família
definitiva e a solidão; talvez drogas e uma vida egoística para atender a
promoções e marketing, etc. É que o interprete, cantor/ cantora, famoso joga
roda de cartas perigosas com o Tempo. Se por qualquer dos motivos acima, deixa
de ser o cantor mais aceito, deixa logo de ser remunerado, perdendo contratos.
Quem o viu ou ouviu na era de ouro, agora nem imagina por onde anda, geralmente
em caminhos de dívidas e solidão. Acabou o negócio e acabou o dinheiro e daí
tudo que isto implica. Músicos famosos ainda têm o recurso de fazer um show
aqui e ali para antigos fãs e assim ganhar uns trocados, já que viver de
direitos autorais encontra diversidades mais cruéis.
O show tem que continuar. Para isto o produtor e o promotor
sempre escolhem outro artista para viabilizar sua empresa e assim continuam
movimentando seu negócio. Nada de mais. Se não fosse o polêmico Carlos Imperial
e seus empreendimentos para localizar e lançar cantores, muito teria deixado de
existir no Brasil. Assim, após a queda de um cantor/cantora, o novo intérprete
recebe agora a atenção e o marketing recaí sobre ele/ela. O eleito cantor
/cantora de sucesso vai à luta, defender seu contrato, mas não deixa de ser um
tipo de oprimido na mão dos empresários.
É o jogo da fama. A produção custa caro e envolve muitas pessoas. O
investimento tem que ter retorno. Ou
canta, produz conforme o contratado, ou está fora. Se cair fora, a história
repete-se, poderá viver por um tempo com shows autônomos, revivendo e repetindo
as músicas de sucesso até esgotar a audiência. Depois é a vida de luta sem CD
novo, sem disco, sem compositor, sem marketing, sem grande dinheiro para bancar
tudo. Se for compositor e intérprete de
suas próprias canções terá uma chance de sobrevida.
Se o cantor/cantora sofre, o que falar do músico instrumental
especializado, do letrista, do maestro de arranjo, do compositor. Estas
figuras, sempre de background, nunca recebem fama. São pardos vultos nos panos
de fundo da apresentação musical, direcionada para fazer o cantor/cantora
aparecer, ter sucesso e render conforme o contrato e dentro do número de shows
que tem obrigação de fazer. É a mão de obra, nada barata, mas dependente do
sucesso do intérprete.
Este é um lado do mundo musical, que se arrasta pelos tempos
e que como indústria, usa seus componentes e integrantes para ter rendimento.
Um mundo que não se distancia em nada do sistema atual das empresas, todavia,
com a aparência de promover alegria e
cultura para o povo consumidor. Uma indústria de alto risco de investimento,
pois seu objeto é arte, é o belo, itens bem controversos num país em permanente
crise econômica. Uma indústria que sofre os problemas de qualidade e mão de
obra como qualquer outra e mais, é inteiramente dependente de inspiração
criativa.
Hoje está ficando evidente que algo também está afetando as
bases da criação musical, a mente do artista e dos compositores e letristas. O
Brasil é feito de música, mas não como em outros tempos de música nova. E tal
crise vem se agravando às escondidas, tanto é que se prestarmos atenção na qualidade
de música que temos hoje, vemos que é a voltada para uma juventude, acusada de
ser vazia, descolada, sem interesse em nada, sem compromisso e cheia de enormes
problemas que contaminam o futuro em que viverão. Sem dúvida, antevemos um
tempo onde não haverá mais shows com os famosos do mundo musical. O fato é que
a indústria musical hoje sobrevive de músicos de várias décadas e que ainda são
chamados para manter os negócios em andamento. Se músicos de mais de 70 anos
estão sendo chamados para fazerem shows, com músicas da década de 1960-1980,
portanto de 40-50 anos atrás, é porque são realmente bons, e se a plateia é
quase toda de jovens entre 18 e 35 anos, isto denota que há um “gap” muito
grande na produção musical. Essas celebridades, no entanto, também são meros
servos do Tempo. Observe-se um fato inusitado: a série de shows, já em curso,
chamado “Nelson com Vida”, onde o sambista Nelson Sargento, de 93 anos, comanda
o show com a participação de vários outros artistas. Sem dúvida uma exceção.
É certo também que cada época tem sua música e as produtoras
e promotoras conseguem um jeito de sobreviver. Na falta de estrelas nacionais
serão capazes de promover até a música japonesa se for mais lucrativo fazer
isto e manter a lucratividade. Afinal, basta colocar uma propaganda insistente
e o povo seguirá. A sorte no Brasil é que as músicas antigas que ainda estão
sendo tocadas são de romantismo, amor e aproximação entre as pessoas e de certo
modo ainda há ouvintes e o preenchimento de certa carência afetiva nacional.
Para a música nova, ou seja, a que seja fruto da época
atual, surgem movimentos como o funk e o rap, a música sertaneja. A questão é a
da qualidade e a temática, o que arrepia um senso de Belo clássico ou mesmo
mais o cotidiano musical. Drogas, crimes e sexo fazem letra atual. Já se pode
observar que muitas músicas de produção recente continuarão a sacudir certa
parte da juventude com está temática, embora com a música em ritmo bastante
discutível em termos sonoros. Mas isto já será suficiente para alimentar a
indústria, talvez promovendo não mega shows, mas shows menores no local onde a
população se reúne, isto enquanto o envelhecimento da população não for regra.
Depois não se sabe como serão os shows nas comunidades etc., onde os jovens estarão
ainda mais frios, calculistas e insatisfeitos. Mas não podemos esquecer que a guitarra elétrica e o rock
tiveram o mesmo impacto negativo no ouvido brasileiro, mas caíram no gosto
da juventude e persistiram até hoje.
Por enquanto, as gerações mais antigas, de 40 a 70 anos,
continuarão ouvindo músicas dos tempos de romantismo, amor e poesia entre os
seres humanos, mesmo que embutidas em “rocks” e outras modas. Letras de música
de antes de 1980 permitem verificar com facilidade ainda a existência do
romance e do relacionamento entre homens e mulheres enamorados, a busca pela
aproximação e encontro ou o insucesso nessa intenção. E hoje, as letras da
cintura para baixo, descrevendo atos operacionais, mecânicos, o relacionamento
totalmente egoístico, onde uma pessoa usa a outra sem qualquer romance, letras
de separação e individualismo. Nada mudará isto; é a pura expressão da cultura
do povo, suas preferências e seus anseios.
Gravadoras e produtoras abrem espaços de grande fortuna divulgando isto.
E é só o começo. Quem falou em qualidade na cultura? É a música e suas épocas.
Muita propaganda e repetição e o povo acaba acostumado, como acontece com
qualquer produto.
Certamente, como em qualquer tempo, muitos jovens vão
lembrar o momento que ficou marcado pela música que escutaram. O operário,
cortando frangos na fábrica, recordará como conquistou sua namorada na linha de
produção; o peão lembrará do rodeio e a música que marcou seu primeiro troféu;
a menina lembrará do momento em que “ficou” como o primeiro “cara” no baile
“funk” etc., etc.; o jovem corrupto lembrará da primeira volta como o carro
importando, comprado com o dinheiro de “fumo” ou da propina ganha sem trabalhar.
E assim irá a vida, sendo marcado em seus momentos mais gloriosos na memória
pessoal de cada um e de acordo com cada tempo. Eles todos também dirão no
futuro ao ouvirem uma música do passado “esta é da minha época”, igualmente
como muitos fazem hoje e também sem se referir a qual tempo, se era o tempo de
jovem, de adolescente, o tempo em que era feliz, sabe-se lá.
É que a música e seu mundo não podem se afastar do que se
passa na evolução da sociedade e do que fizeram dela, especialmente no Brasil
depois de tantos anos de corrupção. A música acompanha e se amolda à
necessidade de expressão do tecido social, daí o “funk”, o rap, etc., como
músicas de sucesso, mas para os meios musicais ortodoxos, sem conteúdo. A
música dessa juventude revela as tendências sociais de pessoas já engolidas
pelo pragmatismo e pelo que é útil, racional, mecânico, egoico; padecendo em
falta de essência, todavia, ritmo que obtém sucesso e gerando dinheiro, mesmo
que os cantores sejam tão efêmeros quanto a vida neste meio menos favorecido
materialmente. Músicas repetitivas,
quase infantis em seu som, com letras para a plateia feita de seguidores
operacionais e tarefeiros, onde o vocabulário é pobre, fazendo a festa
sexualizada ou não, mas que descontraem seus ouvintes, afogados no stress da
carência intelectual, da miséria material e do vazio de perspectivas
existenciais. O rap e o “funk” são parte da história musical, do mesmo modo que
o samba nasceu no morro e fez a carnaval gerando milhões em receita de turismo.
Nada de espanto com estes movimentos populares da música. O
mesmo ocorreu nas décadas de 1950 e 1960 na Europa conservadora. Tentando
imitar timidamente os movimentos americanos representados por ícones da música
jovem, os jovens europeus logo evoluíram, quebrando as rígidas e suntuosas
regras do mundo musical erudito e mesmo com o popular da época. O fenômeno
promocional criado pelas gravadoras e produtoras com os Beatles e os Rolling
Stones foi revolucionário. Os primeiros, com seus arranjos, ao início simples e
com letras do cotidiano, explodiram nas paradas de sucesso. Tornaram-se a voz
da juventude do mundo, a primeira depois da Segunda Guerra Mundial, que
desejava liberdade e autodeterminação, conforme os novos tempos. Já os Rolling
Stones usavam letras de protesto e rock de maior peso e acordes bem inovadores.
A música “I can get no Satisfaction” já continha a semente do protesto
jovem. Entre 1960 e 1968, o movimento
jovem revolucionou o mundo. Era a expressão da nova época. Enquanto o jovem
americano era mandado para o Vietnam por um governo duro e conservador, que
comprou o conflito, até então nas mãos da França, presumivelmente com a
finalidade de recolocar a juventude americana na linha da educação tradicional,
o jovem europeu livrou-se e foi em frente, mesmo assim sem deixar de ser
acompanhado e copiado pela insistente juventude americana e do mundo. Era a
expressão da época, não haveria retorno. Após a viagem à Índia, os Beatles
amadurecem, talvez George e John tenham entendido melhor a realidade e talvez o
quanto estavam sendo usados. O grupo acaba em 1968, deixando um legado para a
juventude, que continuaria em busca de sua “liberdade”, cultuando a fantasia de
ser diferente, o que na época serviu para a euforia, mas ofuscou cruelmente a
visão de futuro, escravizando a todos de outro modo e para uma realidade onde
não há liberdade.
Se os novos tempos representavam um empobrecimento musical,
se a música orquestrada e seus músicos perderiam o emprego lentamente nas
próximas décadas, isto não interessava mais. A indústria já havia entendido o
que estava ocorrendo e viu tudo como uma grande oportunidade de mudança na
moda, no consumo, nos empregos etc. Tudo passou a visar rendimento vindo do
consumidor jovem e suas necessidades sem limite. O capitalismo renovou-se,
descobriu um consumidor maior e aparentemente sem limites, os “baby-boomers”.
A reação conservadora das gerações mais adultas indagava o
que seria dos jovens sem a educação tradicional, sem o controle familiar.
Indagava no que daria tudo aquilo. Surgem a liberdade sexual, as drogas, os
movimentos libertários do espírito inspirados em pensadores orientais, a
“generation gap” e toda sua expressão artística. Tudo numa década só. Era uma
perdição, diziam os adultos. As inovações sempre agitaram o status de qualquer
setor. O Poder sempre teme o descontrole. Temos que o que antes era muito comum
no campo da pintura, sempre abalado com movimentos novos e revoluções,
provocando reação acadêmica, passou então para o mundo da música com muito mais
ênfase. O rock era algo novo e provocava a elite musical que vivia com sua
visão quadrada e erudita. Na música de repente em uma década tudo mudou.
No Brasil não foi diferente. A pequena juventude que não era
da classe alta, bem localizadas no Rio e São Paulo, começava a tocar uma nova
bossa, fazia mudanças em relação ao samba e à Bossa Nova da elite e iniciava o
maior movimento musical já acontecido no Brasil, o que acabou concentrando-se
no programa Jovem Guarda, com dezenas de músicos e cantores reunidos por
Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia.
Esta parte da juventude já vinha sendo desperta com músicos e grupos do
começo do Rock no Brasil, usando músicas estrangeiras, mas com letras
nacionais, as chamadas versões, até que começaram a fazer suas próprias
músicas. Uma delas “Quero que vá tudo para o inferno” chegava a ser tocada de
cinco em cinco minutos em certas rádios. E tudo nasceu em 1965, por ocasião de
conveniência da TV Record-Canal 7, em preencher o horário da TV nos domingos à
tarde. O programa era para durar só um mês, seria apresentado por Roberto
Carlos, receberia o nome de Jovem Guarda e nasceu sem aviso, nem publicidade.
No segundo domingo, já havia conquistado uma multidão de jovens e São Paulo
parava; atingiu mais de 80% de a TV e durou 3 anos. Iniciava-se uma revolução
na mentalidade do jovem brasileiro a caminho de sua modernização e liberdade em
relação à educação familiar tradicional, o que criou inúmeros incidentes
domésticos e colegiais que marcaram a vida privada. Os filhos tornaram-se
incontroláveis. Felizmente naquela etapa do país, repita-se sempre, onde hoje
temos 96% de semianalfabetos e dentre estes só 8% podem ler e interpretar um
texto, o movimento de jovens não foi acompanhado por um costumeiro abandono dos
estudos, mas já havia a tendência. O comportamento mais relaxado nos colégios
era punido. Se hoje o problema é o celular, naquela época era o cabelo comprido
dos meninos e a minisaia das meninas, todos mascando chicletes e usando gíria
nova como barra limpa, careta, legal, brotinho, carango, inferninho, motor
envenenado, festinha etc,.
Enquanto a Jovem Guarda em São Paulo espalhava-se pelo país,
a Bossa Nova no Rio ia dizendo adeus e dando lugar para a Música Popular
Brasileira, vista pela Ditadura Militar com olhos vigilantes, pois as letras,
direta ou pretensamente atacavam o Regime Militar. Entre a Jovem Guarda e o MPB
houve certos atritos, pois os músicos engajados em política atacavam os músicos
da Jovem Guarda com a crítica de serem estes alienados ao não fazerem letras
contra o Regime.
Na verdade, o movimento de Jovem Guarda não era da juventude
da elite social. Era feita de jovens músicos do arrabalde, jovens do povo que
não tinham nome famoso nem eram de família da elite; Roberto Carlos e Erasmo
Carlos não eram de São Paulo e toda a turma cantava o romance, o amor, a
aproximação entre jovens em plena São Paulo industrializada e já robotizada
pelas filosofias da indústria. Eram
jovens do povo, não tinham nome famoso nem eram de família da elite nem tinham
consciência política. Todavia, no fundo foi muito mais importante porque mexeu
na mentalidade dos jovens de todas as classes sociais, mudando seu
comportamento e reforçando seu ímpeto de liberdade. Faziam música pelo prazer
de fazer. Se certo ou errado, nada foi mais terrível que o AI -5 de 1968 que
calava o país por motivos políticos. O Programa Jovem Guarda já havia acabado
em agosto de 1968, mas a juventude já estava sendo outra. Os cantores e grupos
da Jovem Guarda continuaram em carreira solo pregando o romance e o amor, o que
já se mostrava ineficiente para conter a invasão de filosofias do primeiro
mundo que eram perfeitas para o mundo da linha de produção e fábrica e que
acabou por contaminar o relacionamento humano. Chico Buarque em várias letras
da MPB retratava isto com muita propriedade e ia se defender no Dops. Um grupo
de jovens da Jovem Guarda, “Os Caçulas”, lançou a música em 1968. “Chuva que
caí” retratando melancolicamente o fato de o mundo estar mudando para
pior.
Hoje, em termos musicais, a miséria, a falta de estudo, a
entrada do individualismo, do pragmatismo etc. também contaminou e contamina a
juventude com maior intensidade. É uma juventude que se encontra comprometida,
face às consequências da negligência com que nossos “líderes” ajudaram a montar
o país de Cabral a Cabral, como se não houvesse nada a temer. Portanto, o tipo
de música que surge é expressão do popular. O que ocorre hoje é resultado dos
517 anos de Brasil; foi a evolução humana que conseguimos e o Rio de Janeiro é
o modelo do que pode virar a vida privada depois de tantos anos de corrupção e
descaso com a juventude, hoje feita de jovens com suas famílias destroçadas,
seus pais entregues à sorte, a vida sem futuro, mas que ainda pensam em se
reunir, dançar, escutar música no seu nível.
Seria uma grande “capcio de minucio” menosprezar a evolução
da realidade e o aproveitamento de tudo pela indústria e culpar os jovens por
serem jovens nesta realidade. São jovens vivendo sua época, com os modelos que
a sociedade lhes forneceu. De certo modo pregam amor, romance, mas ao seu modo
e com seu vocabulário e expressão musical de época.
O “funk”, o rap, o sertanejo universitário etc., o pancadão
etc. podem significar uma involução em referência à música de qualidade ou
contrastar com a música que vinha sendo feita, mas não deixa de ser música e
expressão de uma realidade miserável e pobre materialmente, mas em coerência
perfeita com o mundo entregue ao ego, á competição e comparação através de bens
materiais. E isto não deixa de receber a mesma e costumeira reação dos músicos
tradicionais e da sociedade. Mas não há retorno. O Brasil pobre terá sua música
pobre. Mas de tanto se escutar a mesma coisa acaba-se achando-s lindo, não é?
Aguardem o rock–rap-sertanejo, o rap-universitário, o “funk” de elite, etc. Afinal,
é só diversão, não é?.
Ademais, há muito de pior que vem infiltrando-se na
mentalidade da geração de jovens após 1980, que já está marcada com o estigma
de grande crueldade e a coloca como vítima dos tempos, representando o
enfraquecimento da mão de obra do país. Muitos já estão muito longe da casinha
e cada vez mais marginalizados; ficarão mais insatisfeitos quando descobrirem o
engano que os envolveu e que não mais poderão entrar na casinha da produção sem
escola de qualidade etc. Que música cantarão a tal época? Quais serão os meios
de expressão de revolta e insatisfação? A resposta já está nas ruas dos bairros
em muitos sinais e perspectivas ruins.
O seria, se menosprezássemos a evolução social e
continuássemos produzindo e escutando rumba, tangos etc. A música é produto
humano da época. Se a época é de miséria e pobreza espiritual, a música
acompanha sua expressão, conforme a tendência atual: fisiológica e
egoística.
Temos um país tão rico em sua musicalidade, cheios de bons
talentos, mas que negligenciou as artes no geral, no afã de fazer a
infraestrutura, com obras para ganhar propina em projetos de duvidosa
necessidade; perdeu o rumo e o controle da população jovem. São novos
tempos.
Quantos talentos há entre os jovens e que jamais serão
considerados, face ao despreparo da rede educacional em localizar e valorizar
talentos. Mas a este respeito, deve-se também considerar que a música e as
artes sempre foram tidas como marginais e ameaçadoras para os pais, que temiam
que seus filhos se dedicassem a algo abstrato, algo que não garantisse o futuro
material em termos financeiros. Sempre
há o temor que os jovens se afastem do quadrado espaço do preparo para produzir
e todo o pragmatismo exigido para isto. Assim as artes e a música em especial
sempre foram temidos como um perigoso desvio e um incontrolável campo que
escapa à educação do pai/mãe de família, preocupado com a segurança material,
seus bens e a sucessão, preocupado em ensinar a fazer, não necessariamente a
pensar. Assim, usando um exemplo um pouco mais elevado, se o filho do dono da
rede de supermercados pegasse caminho diverso e optasse por ser músico, o
negócio iria à falência. E assim com tantas outras famílias preocupadas com a
sucessão. De qualquer forma não foi o que acabou acontecendo? Isto porque o
filho tinha outro talento, o qual foi obrigado a contrariar, vivendo
insatisfeito pela vida inteira, e descuidando dos negócios. Ainda hoje, um
filho com ideias diferentes, um violão na mão, uma poesia ou o teatro na cabeça
é visto como algo não produtivo, algo independente demais e que foge ao
controle da família, quando há família.
De certo modo, a preocupação procede em termos, porque no
geral só em raríssimas exceções consegue-se viver de música neste país. Por
vários motivos, entre eles um universal, o mercado da música é tomado pelas
produtoras e promotores com seus cantores de momento, escolhidos a dedo. Há luta entre os titãs do mercado
internacional e do nacional, com grande privilégio para quem tiver dólares.
Ambos pagam para açambarcar o mercado e os espaços existentes. Entre esses
espaços o tempo de rádio e televisão. Ora, não é possível tocar mais que uma
música no mesmo espaço de tempo. A
disputa é enorme, feroz e custa caro. A
tecnologia também amedrontou o mundo musical porque a internet propiciou o
acesso grátis para milhares de fãs, que fazendo cópias e divulgando as músicas,
detonaram o mercado de discos e Cds. Todavia, o mundo virtual ressuscitou
músicos e músicas de várias décadas e possibilitou a ampla pesquisa e uma
infinita democratização do acesso às artes. A enciclopédia mundial está agora
aberta a todos de todas as gerações e em todos os países. São shows, “clipes”,
etc., de todos os tempos. Ninguém pode reclamar de falta de vitrine, luz e
palco grátis no mundo da “internet”. Fica muito claro que tudo promove o acesso
popular às obras musicais, todavia, sem remuneração ao cantor ou compositor, os
quais hoje já não alimentam nenhuma esperança de poder viver da música. A pirataria de obras musicais também
atrapalhou muito, sendo que em certos casos o CD oficial nem entrou no mercado
e já há cópias piratas sendo vendidas, causando prejuízo enorme aos músicos e
cantores.
A Constituição da República tem artigo protegendo a produção
artística regional o que ficou mais para a Rádio e TVs educativas, as quais não
cumprem tal mandamento constitucional simplesmente, porque não há suficiente
produção local e regional para preencher os espaços, pelo que se socorrem da
música nacional e aí com músicas de 40 a 50 anos atrás. E ainda surge neste
campo a figura do programador da emissora de rádio, ele é que tem o poder
supremo de escolher a música que vai tocar. Ele é que inclui ou exclui, que faz
nascer ou morrer. Está posicionado no topo da linha e atende à indústria
musical ou não. Nos bastidores é a figura mais importante, é o porteiro para o
ar, para o mundo.
Neste contexto, o artista, o cantor/cantora local de
pequenas e médias cidades longe das capitais da música, enfrenta inúmeras
dificuldades para existir e prosseguir. E no campo da música, repita-se,
deve-se ter em consideração que quem vai aparecer ao público é o cantor
/cantora, representante final da criação. Para eles o mercado encolhe dia a
dia. As dificuldades se multiplicam e com elas o mundo dos bastidores também é
afetado. O grupo dos bastidores só sobrevive se houver intérprete. Poetas,
letristas, compositores, instrumentistas, o maestro do arranjo, a mesa da
gravadora etc. fazem parte dos bastidores. A diferença é que estes artistas tem
vida própria em ternos de criação, pelo que as dificuldades que possam passar
os intérpretes não os afeta moralmente da mesma maneira, embora a remuneração
sofra. A realização destas pessoas de bastidor nunca deixa de ser grande, pois
realizam o que gostam e sabem que vivem sem plateia, sem palco; vivem com o que
conseguem de remuneração, mas estão muitas vezes mais felizes do que o povo
assalariado que vive insatisfeito enquanto condicionado pelo mundo atual e suas
mazelas materiais e espirituais.
Mas no geral, cantores/cantoras locais e suas figuras de
apoio são todos solitários sobreviventes que não pensam mais em ter sucesso ou
fama para atender suas necessidades materiais como qualquer outro ser humano,
ou seja, não pensam em tirar recursos financeiros da arte. Na verdade, insistem
em sua missão de existência, fazendo o que os realiza, criar e criar a arte
pela arte. São muitos os poetas de
poesias que ninguém lê, os escritores de livros que ninguém conhece, os
cantores sem plateia, os artistas sem teatro, os maestros sem orquestra. Se
tiverem sorte, sobrevivem com um show aqui, uma “canja” ali, uma parceria
esporádica, mas persistem porque possuem o dom de criar. São os anormais que
sobreviveram ao mundo atual, preservando a sensibilidade e resgatando a
Essência, tendo vencido a batalha contra o ego de vaidade, ciúme, inveja na
disputa por espaço na competição, a qual é muito comum no mundo artístico. Quem
não se lembra do boicote aos equipamentos da mesa de som no show de estreia de
Gal Tropical no “Maracanãzinho”?
Todos são artistas que fazem a arte pela arte, vivendo em
dimensão superior, desligados do mundo da linha de produção em grande parte.
Vivem e conhecem a boa solidão da criação. Se sua arte preenche ou não os
requisitos de ser ventável, promovível, rentável no mundo do mercado da
produção, isto não interessa ao verdadeiro artista, pois sua criação é
expressão de seu intelecto. Não é raro que criem com tanta normalidade e nem
saibam valorizar o que fizeram. São os verdadeiros artistas sem egoísmo,
criadores, que vivem com qualidade. Evitaram o profundo vazio em que caem os
artistas de teatro, televisão e cantores famosos quando estão sem contrato ou
são rejeitados ou sentem que sua época já passou e não são mais rentáveis nem
elegíveis pelo marketing da indústria da música e da diversão, feita de
competição e comparações. É muito difícil ficar sem uma peça para representar,
uma música para interpretar, podendo ser até fatal, se o artista não estiver
preparado para uma possível depressão. Para evitar o esquecimento, mesmo com a
internet, muitos investem no marketing pessoal para se manterem empregáveis e
entram num jogo caro e muito perigoso que pode levar a dívidas e riscos de
saúde.
As produtoras e gravadoras e a indústria da promoção de
eventos e seu império, mesmo retirando a liberdade dos artistas para atender ao
marketing e fazer dinheiro da diversão, cumprem sua tarefa de divulgação,
embora seletiva. As artes e a música, não poderia deixar de ser no mercado, são
coisa de comércio e devem vender e garantir o retorno do investimento. Apesar
de toda a seleção e das facilidades do mundo atual, tudo é muito caro e a
indústria tem que sobreviver. Pelo número de artistas de sucesso e de novas
criações, onde está o artista do disco de ouro? Existe CD de ouro? Há festivais
de música nacionais? É evidente a falta de astros, de novas criações
espontâneas, de músicas novas? O setor da produção musical está em crise de
inovação. As mazelas nacionais e a crise econômica atingem também o bolso até
dos desligados artistas em seu mundo de criação. No entanto, mesmo assim o
mundo cultural, com base em artistas locais, continua e promove todos os dias shows e
apresentações, autônomas ou não, pelo país. São 24 horas de música em rádios e
bares e “shopping centers” e restaurantes e lares, dentro da tendência de
repetição e uso do cabedal passado do mundo musical. Há músicas de 50 a 60 anos
ainda sendo tocadas e ocupando espaço que deveria ser de novas criações.
Em verdade apesar de tudo que temos visto e observado e
vivido neste país, as criações novas existem, mas ficam arquivadas ou são
usadas só quando o músico é o próprio compositor. Mesmo com sua vida desligada
e abstraída, o mundo exterior atinge a todos, mas o artista que é mesmo artista
continua criando livremente. Nas condições atuais usa uma mega sublimação,
quebra condicionamentos e sai da dimensão das coisas, cores, sabores, para
atingir o nível superior da criação; criar uma música nova, inédita no mundo é
inegavelmente uma ligação mais próxima com a Essência, a energia superior que
alimenta o Universo. A ligação com as condições perfeitas para criar estão
perfeitas no artista que conseguiu ligação com a Essência, iluminação. Se são
muitos ou poucos, não se sabe, atualmente. O certo é que muitos forçam a
ligação através do álcool e das drogas e acabam viciados e mortos. Artistas com
problemas emocionais também criam ao se refugiarem na criação, onde se escondem
da sua insatisfação, inconformidade com o mundo que gostariam que estivesse
ocorrendo, fruto de sua incapacidade e imaturidade egoica de entender as forças
do mundo interior, o que os leva a esquecer a sabedoria e a entregar-se à vã
vontade de controlar o mundo através de uma visão uniforme e pessoal. Esses acabam
perdendo a inspiração assim que chegue a maturidade ou a mudança de época de
vida. Mesmo assim deixam grandes obras que expressam e sintetizam algo superior
que pode conduzir o entendimento de um povo por algum momento de sua história.
Artistas e seu mundo invisível da criação. Cada um com seu jeito, seu tempo,
seu caminho, sua sorte e destino, seu tipo de ida e pensamento. É a liberdade.
Se vão aparecer através da indústria musical, isto hoje é coisa do destino e da
sorte. Muito fica na gaveta e não aparece jamais.
Todos os tipos de arte são expressão da época. Todos os
artistas são livres para criar conforme sua visão de mundo. Não há arte boa ou ruim, se a mesma expressa a espiritualidade do artista e sua
visão do momento e da vida. Pode ser que a arte não seja ventável, não ganhe a
estima dos empresários, mas nem por isso deixa de ser arte. Para cada música de
sucesso existem milhares de outras que nunca serão conhecidas nem promovidas.
Para uma música ser eleita pelo marketing da indústria deve atender à crítica,
ao “merchadising”, às expectativas de investimento e retorno lucrativo. Como tudo, deve receber a aprovação popular
do consumidor. Quem é hoje a população consumidora em sua maioria, senão os jovens
antes referidos? Será que gostam de tango, Mozart, etc.? Até podem gostar, mas
evidentemente sua preferência é outra e mais atual e tende a expressar sua
condição humana e as impaciências ansiosas da idade.
Músicos independentes e também os já sem contrato de
sucesso, procuram sobreviver também através dos programas de incentivo dos
Estados, Municípios e União. Com muito esforço foram também aprovadas a Lei
Rouanet e outras de incentivo, todavia todas sofrem problemas burocráticos, e
não são tão ágeis. Mesmo assim foi um grande avanço. A maior dificuldade para o
artista é a parte de captação de recursos financeiros. Lembrando também que a
arte não é prioridade para o Governo que sofre com continuas depressões e os
cortes financeiros são sempre uma ameaça para os produtores, promotores e artistas
em geral que dependem da verba pública. Frente a tais dificuldades, muitos
artistas não finalizam seus projetos, deixando de fazer a devida publicação.
Faz parte do dia do artista criar e ele o faz
independentemente.Repita-se, a arte é fruto do artista em sua conversa com
dimensões superiores do seu interior. Há muito artista que nunca aparecerá no
mercado, músicos, pintores, poetas, escultores, pianistas, escritores que
produzem sempre como parte de sua construção do dia. Talvez algum dia, alguns deles
serão descobertos por alguém, mas não fazem questão disso. Muito Van Gogh só
foi descoberto por acaso.
Não bastasse toda a adversidade que ronda o trabalho de
criação, não se pode deixar de acrescentar que onde o Poder Público participa,
traz consigo a politicagem também neste meio. Como há uma indústria da cultura,
há interesses maiores em promover este ou aquele artista em shows que aumentem
a rentabilidade. Há interesse em promoção na mídia e na publicidade do artista
do momento. O consumo de um determinado produto aumenta muito se um determinado
artista participar do comercial. É um subproduto de grande valor e favorável à
renda do artista. Há políticos por trás da indicação de artistas para shows,
filmes etc. Os favorecidos que aproveitem.
Os órgãos de Governo encarregados da “Cultura” são
resquícios de regimes políticos autoritários e fascistas; estão minados por
burocratas entendidos e metidos em arte, pelo menos a “arte” que conhecem e
preferem. Ali, nada se distancia da vida política nacional. Há os artistas
preferidos e os excluídos, principalmente, se o artista tem engajamento
político. Neste meio, há muita sinecura, muito nepotismo e artista empregado.
Muitas vezes metidos a críticos de arte, com poder de selecionar e descartar
nomes em shows oficiais ou não. Impera o paternalismo e o protecionismo
seletivo e excludente. Prevalecem as preferências pessoais dos “órgãos
técnicos” e também a escassez de verbas, sofrendo sempre brutais cortes
conforme o estado das finanças públicas. É a consequência e a reprodução das
mazelas e doenças da política para o combalido mundo nacional de artes. Para
milhões de artistas, os órgãos de Cultura nem existem.
Já que tocamos no assunto de órgãos de Cultura, temos que
lembrar do período da Ditadura Militar. Quando do surgimento da Jovem Guarda,
com seus inúmeros artista, quando do aparecimento dos Beatles, não houve muita
oposição por parte do Governo, mas quando foi instituída a censura, começou um
grande problema para o mundo artístico e principalmente para a MPB. Toda manifestação, qualquer letra de música,
peça de teatro ou filme, tinha que ser aprovada pelos censores, pessoas, em
regra, despreparadas para atuar, o que de certo modo facilitava a alteração. Nada podia ir contra o Regime, podendo ser
caracterizado como crime contra a segurança nacional e ser taxado de subversivo
e comunista. Foi o tempo do terror no mundo das artes, mas nem por isso o
período deixou de ser produtivo e de fazer nascer muitos e muitos artistas
musicais. Só para registrar um fato,
lembro de um famoso psicanalista curitibano, que retornando da Argentina com
seus livros preferidos, foi barrado na vistoria de sua bagagem em Foz do
Iguaçu. O soldado, encarregado da vistoria, com o fuzil ao ombro, ao folhar um
dos livros, localizou numa das páginas as palavras “povo”, “popular” e
“população” e alegou que o livro seria aprendido, porque o sargento havia
instruído que nada que mencionasse “povo” poderia passar. Após uma confusão, o
tenente, chamado ao caso, deixou o livro passar. A obra era “ História da
Cultura” de autoria de Kaj Birket-Smith.
Eram os anos de Brasil fechado, com censura feroz também à
imprensa. Nos jornais, matérias eram censuradas e substituídas por receitas
culinárias e publicação de trechos de Os Lusíadas. Na TV, Chico Anísio foi
censurado porque em pleno domingo na TV soltou algo como: “O que você acha da
situação? Não acho nada. Meu amigo achou e nunca mais acharam ele!”. Era assim
a censura prévia e a efetiva. Qualquer crítica ao Regime era punível e colocava
a pessoa como subversiva e por vezes chamada de comunista. Foi um exagero
desnecessário do Regime e que culminou com sua deterioração.
Foi a censura que fez artistas populares se engajarem contra
o Regime militar, participando em manifestações de rua até a queda do Regime
com a abertura política. Artistas renomados foram decisivos junto à juventude
universitária. Muitos artistas de televisão, teatro e cinema, músicos, cantores
e cantoras de sucesso contribuíram para a derrubada pacífica do chamado Regime.
Lembrando que Caetano e Gilberto Gil chegaram a ser exilados. Havia a campanha
“Brasil ame ou deixe-o”. O Brasil era um
quartel. Muitos artistas famosos, que sofreram a repressão política e a censura
por fazerem obras e músicas que expressavam as necessidades da época, clamando
por liberdade, anos mais tarde, ajudaram a eleger regime de esquerda, na
esperança de solucionar os problemas de democracia e miséria ou seus problemas
do mundo das artes. O que pensam hoje disto, não sei, a miséria continuou e até
pior, a democracia segue limitada e a esperança decaída. Se algo sobrou de bom,
foi a Lei Rouanet e talvez isto tenha deixado a elite dos beneficiários quieta.
Mas este é outro assunto.
No mundo das artes nacionais sempre encontramos artistas que
em plena rua, na calçada, na feirinha tentam mostrar e por vezes vender sua
arte. Estes, sim, são verdadeiros heróis que criam em situações precárias, mas
vivem seu talento ao pé da letra. São cantores para o mundo e vivem alegrando o
dia e o momento de pessoas que muitas vezes nem se dignam em dedicar uma
moedinha para aquela realidade que está ali na calçada. E assim há tantos
talentos que estão fora das escolas, das academias, das exposições de arte, dos
festivais e shows; excluídos do mundo oficial das artes. Mas não é essa a
preocupação, músicos, artistas em geral sempre sobreviveram com seus talentos,
tem a autonomia no coração e humanidade na alma e sabem cavar seus espaços. A
problemática envolvida é a expressão popular atual dos jovens, que serão os
futuros gerentes da vida aqui. Como está
expressão cultural da época. O que querem com seus “raps” e “funks”? Alguém
está lendo isto como mensagem do futuro? Será que não está claro que há uma
revolução de mentalidade em foco e que no pano de fundo da cena teatral da vida
do país não está sendo consolidado algo mais grave?
Pergunta-se: não há pelos muros da cidade expressões do
sufocado, da exclusão, do grito para a volta do humano. Um clamor que sempre
será isolado porque o artista é por origem um ser livre, mas muito consciente
do que se passa com a humanidade. E aqui neste país, há muito tema ainda para
rap e “funk” da pesada.
Talvez surjam letras não tão ingênuas como outrora, algo
como:
Eu quero explodir.
Que mundo é esse
que eu quero hoje explodir,
que gente é essa ,
que eu não quero seguir?
Eu quero explodir
essa gente podre
que nos faz cuspir
que nos faz mais pobre.
Onde colocaram a satisfação?
Socorro querem me matar e eu quero viver,
que tudo vá para o Inferno,
eu quero viver minha ação.
Que mundo é esse
que eu quero hoje quebrar,
que gente é essa
que eu não quero nem encontrar?
E o violão quebrado?
Bem, o violão quebrado tinha sido produto de furto, protagonizado por um menor
de idade e ventanista, que não sabendo o que fazer com ele, resolveu quebrá-lo.
Nunca foi pego, mas se interrogado fosse sobre o por quê de tal ato, diria “
não tô nem aí mano, se liga mano.” Algo equivalente a “ fi-lo porque quí-lo”,
quase com a mesma intenção e descompromisso com a responsabilidade com que a
corrupção é praticada e tem minado a infraestrutura para o desenvolvimento e
prosperidade das novas gerações.
Odilon Reinhardt .