3.10.2017
Um
olho no prato e o outro na embalagem.
De gostos e sabores, não se pode meter a colher, cada um tem
os seus. Se há consciência ou não, aí reside o problema, até que em alguma
etapa da vida o médico dê a sentença e o mundo acabe ou mude de vez.
Incrível o que se coloca num prato e num copo. Do arroz com
macarrão e batata frita e ainda com feijão por cima, fazendo uma monstruosidade
gastronômica, ao filé com legumes, a questão é o que estamos usando como
alimentação, não por problema financeiro, mas por cultura e falta de
consciência quanto à verdadeira alimentação para o corpo. A proteína é raridade
no cardápio. Lipídios e carboidratos de má qualidade fazem a festa.
A indústria continua a atender o interesse do sal, açúcar,
carne e leite e induz pessoas a um condicionamento mortal. Ademais, como vai a
qualidade dos cursos de química no país? É exceção ao que ocorre nos demais
cursos? E a crise atinge a indústria em seus porões de insumos? É mantida a
ética e a lista de ingredientes entregue ao órgão competente só para obter a
autorização? Quem são os fiscais, qual o grau de independência? É possível
fiscalizar esse setor?
Vamos doravante dar uma olhada no que nosso amigo ”Dejair, o
bom de garfo”, o qual, já tendo ido ao médico, Dr.Sindisclei, e tendo recebido
vários inquéritos, alguns já tendo virado denúncia crime e estão à espera de
sentença condenatória de prisão perpétua para o estômago e outros órgãos, ainda
segue a vida, sendo sacudido e admoestado por médicos a rever seus hábitos
alimentares com urgência.
No primeiro fim de semana, já passou um “carão” ao recusar o
churrasco do cunhado Delprair e o bolo de cremes da irmã bem como a caipirinha
feita pelo sobrinho Jair. Sentiu-se excluído. Em casa, a esposa e seus três
filhos, dão as condições desfavoráveis para uma dieta especial. Nem se pense em
falar das nutricionistas e suas astronáuticas listas de boas vontades, pois as
propostas são completamente fora da cultura de Dejair.
Diante de tal realidade, nosso amigo, de 40 anos, decidiu
fazer sua própria reformulação de acordo com suas possibilidades. Assim,
deixando de lado gorduras, cremes, doces e salgados, montou sua dieta solo.
No café da manhã,
às 7 horas da manhã, sentado à mesa, comeu e bebeu em pequena
quantidade alguns produtos da indústria: um copo de leite, uma fatia de pão com
queijo e presunto, uma fatia de pão com doce de abóbora, um copo de suco de
maça e laranja. Uma diminuta refeição para nosso amigo Dejair de 120 quilos e
um grande avanço na redução de seu peso. Todavia, Dejair nem sabia que no copo
de leite desnatado havia também estabilizantes: trifosfato de sódio,
monofosfato monossódico, difosfato dissódico e citrato de sódio. Na fatia de
pão, havia farinha de trigo, enriquecida com ferro e ácido fólico, farinha de
trigo integral, açúcar mascavo, gordura vegetal de palma, fibra de trigo, sal,
farinha de malte torrado, conservador propionato de cálcio, emulsificantes
estearoil-2-lactil lactado de sódio, polisorbato 80 e monoglicerídeos e
melhorador de farinha ácido ascórbico; podendo
conter amendoim, aveia, avelãs, castanha-de-caju, castanha-do-pará,
centeio, cevada, espelta, leite, nozes, ovos, soja e triticale. No doce de
abóbora havia abóbora, açúcar, coco e conservante sorbato de potássio. Na outra
fatia do mesmo pão colocou queijo tipo brie que continha leite desnatado
pasteurizado, creme de leite, extrato de levedura, cloreto de sódio, enzima
lactase, cloreto de cálcio, fermento lácteo, estabilizantes carragena, goma
xantana e goma guar e conservador sorbato de potássio. E mais, o presunto de
carne suína ( pernil) continha também : xarope de glicose, sal, proteína
isolada de soja, proteína texturizada de soja, temperos ( sal, óleo essencial de louro e cravo,
composto de ácidos orgânicos ( água reguladores de acidez, lacto de sódio ( INS
325) e citrato de potássio ( INS 3328) mais acidulantes: ácido cítrico ( INS
330) , ácido málico ( INS 296) e ácido lático ( INS 2701) , espessante
carragena ( INS 407) , estabilizantes : tripolifosfato de sódio( INS 451i) e
polifosfato de sódio( INS 4520), antioxidante de sódio ( INS 316),
conservadores: nitrato de sódio( INS 251) e nitrito de sódio( INS 250),
realçador de sabor glutamato monossódico ( INS 621), antioxidante eritorbato de
sódio ( INS 316), corante natural carmim ( INS 1230) e que contém substâncias
que estimulam o sabor. No copo de concentrado de maçã e laranja, havia açúcar, vitamina C, aroma sintético ao natural,
reguladores de acidez:ácido cítrico, e citrato de sódio, estabilizantes
carbomiximetilcelulose sódica e goma xantana, conservadores: benzoato de sódio
e sorbato de potássio, sequestrantes hexametafosfato de sódio e Edta cálcio
dissódico, edulcorantes acesulfame de potássio e sucralose e corantes
artificiais tartrazina, amarelo crepúsculo FCF e vermelho 40. Tudo isto escrito
em rótulos de letras miúdas, ilegíveis por vezes, mas quase sempre
incompreensíveis para a população.
Por volta de dez
horas da manhã, Dejair, já
com fome, continuou sua dieta:
lançou mão do “pão tipo caseiro”,
comprado no supermercado, feito de trigo com amido de milho, Bacilus
thrungensis e/ou Streptomyces viridochromogenes e/ou Agrobacterium tumefaciens
e/ou Zeamays, fermantos químicos pirofosfato, ácido de sódio, bicarbonato de
sódio, fosfato monocalcico. E a lista imprecisa de ingredientes ainda dizia
“Pode conter”: ovos, leite, cevada, aveia, amendoim, avelãs, castanha de caju e
castanha do Pará e glúten. Parece
brincadeira de filme de terror na cozinha, não? Na fatia de tal pão, Dejair passou uma camada de margarina que
contem óleos vegetais líquidos e interesterificados, água, leite desnatado
reconstituído, vitamina A, emulsificantes mono e digliterídeos de ácidos
graxos, lecitina de soja e ésteres de poliglicerol de ácidos graxos,conservador
sorbate de potássio, acidulante ácido láctico, aromatizantes, antioxidantes
edta cálcio dissódico, BHT e ácido cítrico e corante natural de urucum e
cúrcuma e óleo de soja geneticamente modificado a partir de agrobacterium SP. Dejair adicionou ainda queijo minas padrão,
contendo leite parcialmente desnatado pasteurizado acompanhado de cloreto de
sódio, enzima lactase, cloreto de cálcio, coalho, fermento lácteo e conservador
nitrato de sódio. E para tomar, encheu um copo se suco de manga com água, ácido
cítrico, estabilizante goma xantana, aroma natural,conservadores benzoato de
sódio e metabissulfito de sódio e antiespumante polidimetilsiloxano.
Dejair, então,
alcança a hora do almoço às 13:00.
Deixa sua mesinha de trabalho, calvário de suas lamentações, na vida
sedentária que há anos foi condicionado a viver. O almoço, em casa, longe do
Buffet por kilo, foi com macarrão de farinha de arroz, com corante natural de
cúrcuma e urucum e emulsificante E471, sem glúten, mas com a informação de que pode conter soja. Com o macarrão, foi
usado queijo parmesão com antiaglutinante, dióxido de silício e conservador
ácido sórbico. Como sobremesa, Dejair atacou um sorvete de chocolate que contém
água, açúcar, gordura vegetal, leite em pó desnatado, xarope de glicose, cacau
em pó, soro de leite, estabilizantes goma guar, goma jataí e carragena e
emulsificante mono diglicerídeos de ácidos graxos. E para beber, um copo de
água gaseificada com açúcar, extrato de noz de cola, cafeína, corante caramelo
IV, acidulante ácido fosfórico, aroma natural. Dejair com seus 120 kilos,
evidentemente, como estava em casa, não resistiu a mais um pouco do macarrão.
Para o lanche das
16:00, já de volta ao seu local de trabalho, para onde levou seu
sanduíche de pão italiano, com queijo tipo camembert, azeitonas e o litro de
leite. O pão italiano com farinha de trigo, massa fermentada e sal,
conservantes INS 282, estabilizantes INS 433, 432, acidulante Inss 330 e 270,
melhorador de farinha INS 300 e 110 e enzimas INS 1100. O queijo com leite,
creme de leite em 45%, agente de firmeza cloreto de cálcio, coagulante
quimosina e fermento láctico e penicilium candidum. Azeitonas fatiadas em meio
de água, sal acidulante INS 270. E o leite semidesnatado, enzima lactase e estabilizantes
citrato de sódio, trifosfato de sódio e difosfato de sódio. E havia na gaveta
como sobra do lanche da manhã, duas fatias de pão de batata com farinha de
trigo, açúcar, gordura vegetal hidrogenada, sal, soro de leite em pó,
emulsificante INS 4811, conservador INS 282, melhoradores de farinha INS 300,
enzima INS 1100, batatas, estabilizantes INS 4501 e INS 471, antioxidantes INS
330, INSS 220, fermento.
E então Dejair chega à noite. Com muita fome e sentindo-se
fraco. Mas fiel a seu regime espera a hora
da janta, a qual ocorre às 19:00.
Nada como um bom macarrão, com farinha de trigo enriquecida
com ferro e ácido fólico, gordura vegetal, sal, alho em pó, reguladores de
acidez carbonato de potássio e carbonato de sódio, estabilizantes tripolifosfato
tetrassódico e fosfato de sódio monobásico e corante betacaroteno; temperado
com um sachet contendo em concentrata porção: sabor bolonhesa, carne bovina em
pó, salasa triturada, alho em pó, manjericão em flocos, noz-moscada em pó,
antiumectante dióxido de silício, realçadores de sabor glutamato monossódico,
inosinato dissódico, guanilato dissódico, espessante carboximetilcelulosa
sódica, corantes naturais páprica e urucum e corante caramelo IV, acidulante
ácido cítrico e aromatizantes. Para
beber nada melhor do que uma garrafa de água com sacarose, malto dextrinas,
cloreto de sódio, citrato de sódio, fosfato de potássio monobásico, acidulante
ácido cítrico, aromatizante e corantes artificiais: tartrazina e amarelo
crepúsculo.
O caso de nosso amigo “ Dejair” é só um exemplo fictício de
como a política alimentícia neste país é problemática, tendenciosa e
extremamente norteada para gerar empregos, tributos e beneficiar interesses
ruralistas e industriais. Como sempre, o
que parece menos importar é a saúde da população. Saúde em dia não gira a
economia, não movimenta as farmácias, as clínicas, os postos de saúde e os
hospitais, não gera consumo nem impostos. Onde está o amor ao Próximo?
Dejair, após 40 anos de vida cheia de churrascos etc, é um
Próximo, doente de já ir para o médico, para o laboratório, para a farmácia,
para o Hospital, etc, fazendo seu papel de consumidor dentro do planejado na
Economia, gerando tributos para a desencontrada vida política nacional. Em
várias consultas médicas, certamente escutou o médico dizer “o Senhor tome
estes remédios e pode levar vida normal”.
Afinal, sem toda esta bagaceira química e principalmente a carne vendida
de vários modos e para variada finalidade, não haveria gigantesca, farta e
gordurosa propina para fazer frente à turma do petróleo?
Sem muitos comentários. Cada um que use o seu discernimento.
O que se pode questionar quanto à alimentação: é seguro toda esta carga de
produtos químicos no conteúdo dos alimentos? Estamos comendo veneno? Qual a
qualidade desses produtos químicos? A fiscalização é feita? Como pode um
produtor colocar no rótulo dados imprecisos? Há alternativas para o consumidor?
O desinteresse e inconsciência não faz parte da monstruosa alienação existente?
E mais. Quais os reais números da Saúde no país? Quantas
pessoas sofrem de males do aparelho digestivo, quantas faltam ao trabalho por
tal motivo, quantas já estão condenadas? Quantas toneladas de digestivos etc.
são vendidas por dia?
Nosso amigo Dejair foi com sua dieta de segunda a quinta
feira. Na sexta feira não resistiu ao tradicional almoço com os “amigos”. Foi à
feijoada de sexta no restaurante Buffet por quilo e refestelou-se. Depois
voltou para a mesinha de tarefas sem importância, onde seu lento metabolismo
contribuiu para a normal sonolência. Afinal, uma saidinha do regime não vai
fazer mal. Ninguém é de ferro. A vida é curta e o que interessa é o aqui-agora.
Ademais no sábado seria difícil escapar do passeio com os filhos na loja de
sanduíches de “junk food” e no domingo não haveria como recusar o churrasco no
dia de aniversário do sogro.
E o que foi matando Dejair, com mais persistência, foi uma
superbactéria: a Crápula industrialis, do gênero canalha dinheirensis, espécie
fiscalis corruptis, da família tributária carnívora, cujo habitat é capita
brasilis partidária monetarium. O único antídoto seria a isenta justicia
moralis e éticas rarum, mas diante de tantas outras prioridades, as questões
como a da alimentação ficarão para outros tempos em outras gerações.
Odilon Reinhardt. 3/10/2017.