O desafio está diante de todos. Vencer forças internas de grande calado
negativo. Agora não são as forças externas, alegadas por Jânio Quadros, como
justificativa para sua inesperada renúncia. São forças internas que não são de
hoje, ao contrário, são ervas daninhas, brotos do subdesenvolvimento, cancros
da cultura, do social e da política, que caracterizam o modo de ser e do fazer
predominante e cuja eliminação agora se apresenta como desafio para o futuro,
são pedras no caminho que devem ser eliminadas.
Certo que as eleições recentes não possuem o condão de purificar os
eleitos, ungindo-os com a santificação e colocando-os, como que por passo de
mágica, na galeria dos honestos, dos
puros, dos justos, virtuosos patriotas, mas há uma vontade popular, pelo menos
de 50 % da população, de lavar o país ,
de mostrar novos tempos, novo norte.
As manifestações do eleito para a União, honesto em seu propósito,
patriota em sua missão, demonstram determinação em mudar, reformar. A questão é
saber se os governadores eleitos, alguns adotando o mesmo discurso reformista,
também poderão implantar uma gestão administrativa que altere substancialmente
o modo de agir que sempre contaminou e corroeu as bases de qualquer governo. Espera-se que não tenha
sido um mero e comum oportunismo demagógico eleitoreiro ter adotado o mesmo
discurso do candidato para a União. Os eleitos, mesmo os mais idealistas e bem
intencionados, conseguirão vencer ou controlar a natureza de seus
colaboradores? Conseguirão evitar a continuidade das práticas do ”toma lá-dá
cá”, do“ fazer negócio”? Terão sucesso em mostrar um caminho melhor para estas
pessoas tão contaminadas pela cultura onde nasceram e cresceram?
Eis o desafio, talvez o maior da História. Uma verdadeira revolução
cultural, que mexerá com interesses muito grandes de grupos que atuam na
legalidade e na ilegalidade. Equivale a reformar o carro com ele em movimento.
Que os eleitos fiquem de olho em seus assessores e equipe de governo.
Lembre-se que a vida de assessores e conselheiros mereceu na Divina Comédia o
canto XXVII, onde na oitava vala do Círculo oitavo do Inferno eram jogados os
conselheiros fraudulentos e ocultos. E
no Canto XXVIII, na nona vala do mesmo Círculo, estavam os semeadores de ódios,
divisões e discórdias entre pessoas e povos. Isto demonstra que a gestão
pública e a vida dos corredores palacianos sempre foi objeto de espanto e
indignação por parte da intelectualidade. Deve-se agora quebrar esta
continuidade e usar a tolerância zero para a corrupção.
Será uma ação permanente de contrariar interesses e colocar sobre tudo o
interesse público pelo bem do Brasil. Que sejam interesses públicos,
efetivamente públicos. Que se acabe com a continuidade de se fazer da gestão
pública uma ação entre amigos com esquemas privados de intenção duvidosa e que
se tornam oficiais. Chega desse sistema, chega desse Brasil.
Certamente a mentalidade e o comportamento, que informam o modo de se
fazer negócios na sociedade, decorrem de um sistema legal e de suas lacunas. O
Governo tem o poder de aprimorar a lei, pois, é ela que gera e orienta, as
ações no Brasil formal; é a chamada ordem jurídica, cabendo à Justiça aplicar a
lei e corrigir o comportamento ilegal, decidindo com isenção e distanciamento
do interesse político que possa existir. Polícia Federal, Ministério Público e
Justiça devem ser órgãos orientados pela independência absoluta a nível
estadual e federal. Sem tais órgãos, mesmo como hoje estão, seria impossível
chegar onde estamos. Status atual para o qual colaborou também a imprensa
livre, sem a qual a população não saberia de nada.
A revolução é acabar com a pátria dos “expertos”, dos que acham lacunas
legislativas, dos que se aproveitam da impunidade. Sem alteração da legislação,
seja constitucional, seja infraconstitucional, conviveremos com comportamentos
predatórios que aos poucos vão exterminando o bom futuro.
Por uma série de fatores, a sociedade foi construindo um modo corrupto
de fazer negócios, onde a falta de ética, a imoralidade e a sordidez humana
sobressaíram e tornaram-se banalizadas. Vários itens egoísticos ficaram livres
e formaram uma “cultura“, um “modus faciendi”, que existe em todos os países,
onde a educação é mínima. Um oba-oba da miséria, um trem da euforia tropical
inconsequente e promovida pelas gerações que passavam pelo Poder, menosprezando
as gerações futuras. Prevaleceu o
umbigo, a megalomania , a loucura existencial , a ideia libertária do vazio dos
decaídos. Um verdadeiro carnaval dos
aloprados.
Ninguém pensou em Educação de qualidade. Prevaleceram as coisas ruins,
mantidas pelo elemento humano subdesenvolvido neste local do mundo e nesta
quadra da existência, onde tem prevalecido o vazio intelectual e onde a
selvageria egoística anda livre.
Neste campo há tantos itens de reforma que o desafio fica amplificado e
chega a tocar os muros da própria impossibilidade de se alterar alguma
realidade. Mas há uma consciência de que algo deve ser feito e a esperança e a
fé, informando a vontade de mudar para não morrer, deve atacar pelo menos
alguns pontos como o nepotismo camuflado, o corporativismo, a burocracia, o
empreguismo na gestão, o gigantismo do Estado, o egoísmo oficial, a
mediocridade nas decisões, o horror dos políticos ao planejamento, o
conservadorismo caipira, o analfabetismo e a falta de esclarecimento quanto à
estrutura formal do Estado e dos órgãos públicos, a falta de transparência, o
fascismo na comunicação oficial, o negativismo religioso, o paternalismo, a
corrupção, o academicismo atrasado, a impunidade, o uso da mentira estatística,
a falsa nobreza do alto funcionalismo, o Governo como principal
empregador...etc. vezes muito mais.
O Brasil continuará devorando o Brasil a cada mês, se não houver
mudança.
O novo governo Federal estará lidando com forças grandes que possuem
interesses umbilicais enormes. Haverá
contrariedade e muitos conflitos, esperando-se que o diálogo seja uma prática
paciente e determinante para convencer pela melhor ideia. Será necessária muita
cautela e ações inteligentes para impedir a continuidade do que temos visto. E
ainda terá o Governo que lidar com restos dos governos anteriores, cargos em
abundância e de plena inocuidade, a crise econômica de 2008, cujas marolinhas
viraram um vagalhão que abateu a economia dos Estados e Municípios etc. De
males o paciente está cheio.
Pelo menos dois anos serão gastos em tentativas para dar à sociedade uma
nova orientação, mesmo que o ar já seja outro. Não somos um país desenvolvido,
pouco saímos do status de ex-colônia mercantilista e adentramos no capitalismo
e na era da informática sem qualquer preparo físico e emocional; fomos pegos na
transição entre o rural e o urbano sem termos a necessária Educação; a
incompleta formação religiosa,colocou-nos num estágio onde se perdeu a noção do
certo e do errado e o analfabetismo geral contribui em muito para a falta de
espírito de crítica e o passo necessário e certo para o progresso
humanista.
É decisivo para as novas gerações mudar para um mundo de mentalidade
superior ou viver à beira da estrada do progresso, vivendo de migalhas jogadas
nas telas dos aparelhinhos de comunicação.
Em 20 anos, muitos dos líderes atuais da política estarão mortos por
idade ou inválidos. O que terão feito para as novas gerações em termos de
mudanças neste estilo de gestão que a cada ano levou o Brasil para a fronteira
da Venezuela? O que as gerações terão aprendido e feito para seu próprio
futuro?
Fizemos a opção pelos pobres e ficamos miseráveis. Desejamos brincar de
ricos socialistas, distribuindo sem ensinar a gerar riqueza e acabamos pedindo dinheiro.
Desejamos recuperar nossa identidade e descobrimos nosso atraso e quase
impossibilidade de competir para sobreviver no mundo moderno. Toleramos
políticas de manutenção da pobreza para assegurar votos e vimos o caos social
aproximando-se em violência, avanço da criminalidade e miséria. Erramos ao
deixar, por falta de crescimento intelectual e espiritual, que o
individualismo, o pragmatismo, o utilitarismo etc., saíssem da linha de
produção para nortear o relacionamento pessoal e social tornando-nos
grosseiros, intolerantes, fisiológicos, egoístas etc., tudo dos brutos e
violentos. Desejamos progredir, mas desvalorizamos a indústria nacional,
vendemos nossa produção em troca de produtos de quinta qualidade e tornamo-nos
uma feirinha de eletrônicos e campo de teste de agrotóxicos e remédios.
Detonamos a diplomacia e isto ficou claro recentemente. Desejamos modernizar e
adotamos modelos decaídos e impregnados de negativismo e de conceitos
ultrapassados. Desejamos abrir as
Universidades Federais para a liberdade e elas se tornaram uma fonte de
empreguismo e centros de ideais recalcadas e negativas, etc. Não é hora de
mudar? Precisamos acabar com a era da
escuridão, das ameaças ideológicas, das mentiras, do teatro ilusionista e do fascismo. Precisamos chegar ao fim deste túnel. Fazer
voltar a meritologia, o bom planejamento e especialmente acabar com as ações
para contentar o eleitor porque o populismo e todas as mentiras teatrais é que
geraram o que estamos vivendo. O estrago
foi grande e sem precedentes.
“Que país é este?”. Pergunta que traduz a indignação de alguns hoje.
Todas as esperanças estão voltadas para que no futuro se possa perguntar “Que
país era este?“. Já houve tentativa de
fazer do país uma igreja, um quartel, um circo. E agora? Esperança e fé fazem o
ar novamente. Cada cidadão que contribua com a melhora do país.
Metemo-nos numa esquina da História e esta estará de olho em cada linha
que será doravante escrita. Um erro estratégico agora e o futuro trará consequências graves. Vencer desafios não amedronta ninguém, se o
objetivo é para a o bem da Nação. Para tal, deve-se por vezes inovar,
contrariar o comum e avançar. Arriscar o que se é pelo que se pode vir a ser.
Robert Frost finaliza um de seus poemas com as seguintes linhas:
“Two roads diverged in a wood, and I took the one less traveled by, and
that has made all the difference.”
Odilon Reinhardt . 3.1.2019