E novamente os restos, as reminiscências de gestões no Estado gigante,
centralizador, caro, explorador, estão a ocupar o Governo. Todas as cabeças e
cérebros pensantes, focados na necessidade de cuidar do Leviatã e mantê-lo
alimentado; uma máquina devoradora de esperanças, que facilmente amassa e consome idealistas .
Claramente, toda uma equipe de Governo propondo medidas para garantir as
contas públicas; o novo, a reforma, o espírito, que gerou promessas e
propostas, esforça-se para não serem engolidos pela tal máquina pública e seu
alto custo com o funcionalismo e o desperdício. Eis a cornucópia, o atoleiro, a
roda vida em que a ideia de renovar atola-se.
Boquiaberta fica a população, antes esperançosa e “naïv”, diante do bate
–boca, das propostas com as quais já desconfia que nada sobrará de bom a não
ser o papel de pagar impostos para manter muitos órgãos que passaram a
funcionar só para dentro na eterna máquina de papel da burocracia e seus
controles, tradicional e rica pagadora de alguns nos jardins das delícias do
Poder.
A cena é tradicional e secular. O castelo exige mais e mais recursos e
os estropiados vilarejos se depuram para providenciar os meios. A história é a
mesma. O aldeão que trabalhe mais, que pague mais, que se sacrifique mais, que
produza mais, que morra mais.
O fato é que nosso Estado tem órgãos que estão ainda no Brasil da
monarquia. Muitos de seus integrantes vivem alienados do país que os paga, têm
a vista embaçada em sua burocracia, refestelam-se em seus benefícios e salários
e o ego de seus nobres ocupantes tem momentos de céu antes do inferno. O Brasil
em alguns nichos é o Brasil de 1800. É dantesco, arcaico, barroco demais . Tem
ilhas como aquelas perdidas e fora do roteiro dos navios e a cada ano perdem
relevância para o mundo e suas necessidades.
Assim, qualquer ideia de reforma deve voltar-se para dentro da máquina
administrativa dos Três Poderes e ali criar uma mentalidade nova de trabalho e
serviço, através de leis e regulamentos que gerem um sistema que condicione os
comportamentos. A persistir o que existe, chegaremos logo ao tempo em que não
teremos meios para sustentar tal “modus vivendi”.
Temos que admitir que este é o status existente de nosso “establishment”, produto cinzelado em nossa
evolução institucional que através de regulamentos, leis, instruções, portarias
etc., foi construindo o modelo de funcionamento dos órgãos públicos, onde os
funcionários devem se enquadrar sob pena de enfrentar a punição. O sistema de
hoje, fruto de muita vontade de se aposentar logo, desmotivação funcional,
incompetência, protecionismo e corporativismo etc., foi o que os nossos mais
intelectualizados concursados produziram; todavia, é necessário reconhecer que
todo este “modus vivendi” perdeu sua validade para os padrões do mundo atual
desenvolvido, no qual temos agora a pretensão de nos incluir.
Sim, a inclusão desejada é a solução para trazer divisas, riqueza nova.
A inclusão deve ser resultado da nova diplomacia. Que esta tenha produtos da
iniciativa privada para oferecer. Produtos com valor agregado, fruto da
industrialização limpa e competitiva. Nosso tamanho continental merece mais do
que exportar minérios, soja e itens exóticos. Não podemos continuar a
desvalorizar a moeda para vender mais porque só assim nossos produtos ficam
mais baratos frente a concorrência. Hoje, apesar de nosso gigantismo, pouco temos a oferecer ao mundo. O século
passa, o tempo passa e ainda continuamos a exportar as mesma coisas e a querer
recuperar o espaço de produtor de café. O mundo mudou e a nossa cara no mundo é
a mesma. Esquecemos da Educação e da ciência. Não inventamos nada .
Ou exportamos mais e ganhamos divisas ou ficamos produzindo o mesmo para
o mercado interno e nos contentamos com as minguadas sobras da balança
comercial. Depender do mercado interno para crescer nos coloca perante o pobre
consumidor interno e vimos o resultado da política desastrada de querer
depender do mercado interno para garantir crescimento e aumento de arrecadação.
Ademais a população está ficando velha e consumirá muito menos.
Para exportar produtos que possam chamar a atenção do mundo, a
burocracia dos órgãos públicos, desde a abertura de empresas até a efetiva
produção, parece ser o grande empecilho. A falta de mão de obra qualificada,
decorrente da nossa Educação, é uma tragédia. O analfabetismo aumentou em
relação a 1910. A carga de impostos, da
qual o Governo depende inteiramente, sufoca qualquer iniciativa. O Governo
parece, em alguns aspectos, torcer contra a iniciativa privada, usando um jogo
de luzes e ilusões.
È certo que mudanças, reformas geram desconforto, desafios, incomodo,
readaptações, alterações e muitos não gostam disso. Há um jargão que denota o
atraso cultural: “não se mexe, em time que está ganhando”. É a pandega
institucional. Veremos, portanto, resistência por parte do corporativismo nos
três Poderes, ressaltando-se que quem quer mudar é do Executivo e gente vinda
de fora da Administração. Veremos por muito tempo as consequências de séculos
de assistencialismo e populismo que sempre se alimentaram mantendo sua
clientela como vítima incapaz de mudar e prosperar. Afinal eram eleitores de
caderno. Acima de tudo, veremos os efeitos do paternalismo, marca registrada
das nações latinas, onde se espera que tudo caia dos céus, da janela do
castelo, sem que nada se precise fazer. Também as consequências do continuísmo
do “agora eu vou me fazer” por parte de certas pessoas que ao assumir função
pública não hesitam em fazer seus “negócios”.
Diante de tais mazelas e com tal mão de obra, o espírito reformador de
alguns dos eleitos, pode perder-se em atitudes meramente cosméticas, algo como
as medidas de Jânio Quadros: proibição de biquíni praia, proibição de briga de
galo, mas atribuição de medalha a Che Guevara etc. É como encerar o carro ,
trocar os pneus, mas esquecer do motor e sua revisão ou retífica. É fácil o
Leviatã começar a engolir os reformistas, se estes como o tempo passando, se
acomodarem-se às rotinas palacianas, enquanto a Economia não cresce.
É necessário reformar a Administração Pública para adaptá-la aos novos
tempos. Muitos dos princípios e práticas utilizadas não deram resultados. Entre
ao pontos decadentes temos, por exemplo, os altos salários para evitar a corrupção. Ora, medida
semelhante já era prevista na Utopia de Thomas More , onde se pode ler: “ Suprimir o fausto e a representação nos
altos cargos ( a fim de que o funcionário, para sustentar sua posição, não se
entregue à fraude e à rapina) a fim de que não seja obrigado a dar aos mais
ricos os cargos que deveriam caber aos
mais capazes. “ Isto mostra que a
problemática ligada aos cargos públicos, salários e corrupção não é de hoje.
Com a volta da meritologia já se pode esperar algo melhor. Muitos são os itens
que merecem revisão, mas todos estão intimamente ligados a mudança de cultura.
Modernizar o Estado, sua gestão. Espera-se que novos métodos sejam
empregados e os objetivos de eficiência e racionalidade no serviço à população.
É um meio de criar nova mentalidade, caso contrário, a nobreza bizantina dos
altos escalões continuará mamando sem ser cobrada e sempre protegida pelo seu
corporativismo e intocabilidade no “prestígio do cargo”.
Com a estrutura montada por décadas para centralizar as verbas, dar
emprego e controlar a vida em seus vários aspectos, o Governo habituou-se a
meter o nariz para além das atividades de Saúde, Educação e Segurança, as quais são hoje um desastre
quase total. E metendo-se em atividades outras, visava a realização de obras e
logo veio a tentação de colher recursos ilícitos a título de propina. Os interesses
particulares tornaram-se oficiais e por consequência públicos. O importante era
fazer obras e contratar serviços para receber propina. Não importava onde,
quando ou o porquê da obra ou serviço, pois o que importava era a propina.
Resultaram serviços e obras paradas, incompletas, de má qualidade, pagas e não
feitas, superfaturadas. Não bastasse isto, o Estado, que prima e é rigoroso no
concurso, na concorrência, em qualquer seleção, sempre descurou na fiscalização
e na manutenção das obras e serviços. A obra nova é inaugurada e entregue ao
uso, mas logo, por falta de manutenção, entra em decadência. Uma tragédia
nacional. É esta mentalidade que existe e precisa também ser eliminada. Obra
nova tem que ser interesse público desde o projeto até a hora da manutenção.
Quanto ao impacto de toda uma mentalidade atrasada no país, muita
energia é desperdiçada para montar e manter estruturas ineficientes em todos os
setores.
Que o espírito reformador não se perca e ajeite a estrutura do
aparelhamento estatal para que funcione para a Saúde, Educação e Segurança,
deixando de fomentar um Estado gigante, centralizador, que escraviza as demais
Unidades federativas, tornando-as miseráveis pedintes. Que a União seja
respeitada pelo seu mérito, pelo poder de regulamentação e coordenação, mas não
pelo simples fato de ser a dona das verbas a distribuir.
A oportunidade é histórica, a mudança é relevante e de urgência. Não
pode a União perder tempo como o cão que caça a própria cauda. Depois de tantas
décadas de conturbada vida, mentira, fascismo, teatro e comédia, ópera –bufa e
corrupção, quase chegamos ao fundo do poço. O sistema existente é e sempre foi
ruim, e como tal, arruinou-se por si só. Acostumamo-nos ao baixo nível de tudo,
à mediocridade, ao intelectualismo fajuta, ao discurso de efeito, até aos
produtos importados de péssima qualidade mas que destruíram a indústria
nacional.
Com a volta da meritologia, espera-se o melhor. É a última cartada.
Espera-se melhor planejamento, sem erros estratégicos. Espera-se a eliminação
da cultura do “ agora eu vou me fazer”. Agora o ideal seria a adoção da cultura “ agora eu vou contribuir
para a minha Nação”. Não há mais a
chance para quem quer “mamar” às custas do Tesouro. Este modelo de Estado,
centralizador e pai de todos, faliu. Espera-se a montagem de modelos que signifiquem
reformas contundentes.
Nesta hora, supostamente, a equipe do Governo Federal é constituída em
sua grande maioria dos melhores, dos eleitos pelo mérito e curriculum. É o que
sobrou para a reconstrução. Se esta equipe falhar, talvez não haja mais chance
alguma. Nem os índios vão desejar cuidar do que lhes sobrará .
E tudo num país livre de ideologias, porque isto pouco importa. O
cidadão honesto quer: condições para prosperar, ter um ambiente social com
estabilidade, justiça ( igual para todos) , segurança a qualquer hora, educação
formal para os filhos, honestidade, e principalmente a ausência da perturbadora
sensação de: estar sendo enganado, de
seu futuro estar sendo comprometido, de o país não estar indo a lugar algum, de
o país estar ficando para trás. Ademais, qualquer ser humano quer trabalhar,
ganhar seu sustento, realizar seus sonhos; não quer ser tratado como vítima,
tampouco quer ficar preso a sua realidade financeira, pois quer prosperar. Miséria, quem a adora é o intelectual e o
político pensando em seu curral eleitoral; o povo quer riqueza, luxo e
ostentação.
O Governo reformador que fique de olho aberto, a “velha política” está
aí viva em todos os estados e Municípios e nas suas entranhas também. Os
políticos “antigos” são os atuais, os mesmos, conduzidos pela mesma cultura,
pelo mesmo sistema. É o que conhecem. Logo esquecerão o que prometeram na onda
eleitoreira de 2019, logo poderão engolir o dia a dia do Governo, pois
continuarão na prática pequena de proteção do próprio umbigo, mirando a
reeleição, pouco pensarão no futuro do país e da Nação. Novos representantes
estarão mais perdidos do que cegos em tiroteio, velhos representantes
refestelar-se-ão no seu reinado nos jardins das delícias do Poder. Vale o antigo ditado: “um olho no prato,
outro no gato” ou talvez tenha havido uma mudança “ um olho no rio, outro na
represa” .
Odilon Reinhardt. 3.2.2019.