Mais um
centro esquecido?
Quem não quer ter um lugar para trabalhar, poder se
realizar, ganhar seu sustento? Após os anos de formação ou de simples
acumulação de idade, o emprego é o objetivo comum, passaporte para o mundo das
coisas, a serem compradas para a vida e para o deleite pessoal com a
correspondente sensação de estar vencendo, assumindo posição na sociedade e
justificando sua existência no mundo da produção. Eis a inegável platitude,
modelar e desejável por qualquer cidadão.
Em milhares de minúsculas, médias e grandes empresas, é
realizado o sonho individual e também feita a receita tributária, com a qual o
Estado deve promover o bem–estar social, diminuir as diferenças regionais etc.
Em milhares de ambientes de trabalho, a nacionalidade é vivida na prática e o
país rola para o sucesso ou insucesso do PIB. Ali pessoas com seu “preparo”
conduzem seus negócios ou efetivam seus conhecimentos técnicos e
profissionais. Ali também o
analfabetismo e o semianalfabetismo revelam suas faces no despreparo, no “turn-over”
gigantesco, no subemprego, na errônea precificação com reflexos graves para a
inflação, nos erros contábeis enormes, no péssimo relacionamento entre o
“pessoal”; no preparo de doenças; fatos estes misturados a outras mazelas que
ficam escondidas por trás do portão da fábrica e da porta da loja e do
escritório.
Quem passa na rua, nunca adivinhará o que se passa entre as
paredes da produção e jamais sabe realmente como a humanidade ali é exprimida e
condensada em conflitos entre os humanos em verdadeiros caldeirões do inferno.
Quanto custa a produção nacional em termos humanos?
Pouco se fala, ouve falar ou se lê sobre a realidade
existente nas empresas, geralmente motivadas por sistemas errados de
administração e gerenciamento, mas frequentemente causadas pelos próprios
empregados e seus companheiros de trabalho.
Na vida diária da empresa, encontram-se os resultados do ego
contrariado bem como as ações e reações decorrentes que marcam o relacionamento
entre as pessoas, resultando quase sempre em conflitos e contrariedades, fatos
marcantes para a vida de cada um. O
cidadão vai ao trabalho com as perturbações de sua vida particular e retorna
para casa com perturbações ainda maiores que não se distanciam das
consequências do que é obrigado a praticar na linha de produção e na prestação
de seu serviço em termos de pragmatismo, individualismo, utilitarismo,
racionalismo etc., filosofias que sempre tentaram ajustar o humano à produção,
fazendo com que suas problemas pessoais
não interfiram no objetivo do negócio que é colocar a produção no comércio para
venda e vencer a concorrência; embate diário e por vezes inglório, quando o
empregado é sacado do rebanho sem preparo ideal para o trabalho e diante das
falhas do treinamento meramente operacional, continua a agir como um ser fisiológico,
bruto, semianalfabeto, intolerante, inflexível, antidemocrático em permanente
estado egoístico de defesa e sempre encarando o Próximo como adversário. No
ambiente de trabalho a raiva é engolida com óleo e graxa todos os dias e a doença
futura tem endereço e tempo certo para aparecer.
Tal realidade e mais outras que envolvem a empresa em si,
apresenta a baixa competitividade dos
produtos do país perante o mercado
externo, com muito desperdício, retrabalho, erros de projeto e estrondosa falta
de qualidade e segurança, etc. Sabidamente para o mercado interno a qualidade é
de quinta categoria em qualquer ramo e o consumidor já se acostumou a este
padrão. Nem se fale na qualidade de nossa química industrial. Já seria demais
avançar na análise da qualidade e segurança dos alimentos. Mas a questão é que
o país se defronta com a imperiosa necessidade de crescer, de ganhar divisas e
de exportar. Todavia, com uma das piores qualificações de mão de obra e
incríveis níveis de qualidade no relacionamento humano, o país é agora refém do
ser humano que tem gerado, fato jamais a ser admitido por qualquer Governo.
Faltou visão, faltou patriotismo, sobrou corrupção e ganância. Muito umbigo
megalomaníaco.
Assim, no momento de crescer e vencer desafios, no que depender
da qualidade da mão de obra, o país conta com um punhado de profissionais e um
exército de operários braçais que pouco servem para uma produção que não seja
de cortar frango, colocar tijolos carne ou produzir algo que sempre perde para
a competitividade. Em 120 países, somos a 9ª economia do mundo e ocupamos a 64ª
posição em inovação.
Neste quadrante da História, o desafio é monstruoso. Como
inovar sem excluir a mão de obra que temos, semianalfabeta, viciada,
desqualificada e envelhecendo. Mão de obra esta que não poderá ocupar funções
na automatização, na robotização ou qualquer função que envolva tecnologia,
forçando o país a manter empregos que no primeiro mundo já estão sumindo. É a
falta da Educação, item negligenciado nas últimas décadas e que agora será um
dos demoníacos entraves ao progresso e ao crescimento.
Estamos no sinal amarelo há mais de décadas e chegamos a uma
das esquinas mais importantes da História com risco de encontrar um sinal
vermelho e mais uma vez ver o trem da História passar. Com tanta corrupção,
erros estratégicos, o país ficou no desvio, numa dobra do tempo. Quanto o país
deixará de ganhar com este devaneio? Foi isto que os políticos e a corrupção
fizeram e causaram. Após décadas de negligência, a falta de Educação não aparece
só nas cadeiras do setor de contratação. Quantos acidentes na realização de
serviços autônomos e no trânsito são causados por falta de noção básica de
química e física? A qualidade sofrível de nossas faculdades aparece no ambiente
de trabalho também. No escritório, fábrica ou comércio se encontram todos os
defeitos da má formação. Educação deficiente, curso superior sofrível, tudo
fica sem consequência prática? Não é o que a realidade mostra.
Se temos algum PIB é bom considerar que um punhado de multinacionais
não será suficiente para assegurar um PIB maior e uma boa exportação mesmo
porque só conseguimos competir quando derrubamos o real em relação ao dólar ou
através de acordos comerciais conseguimos migalhas e sempre negando apoio à
indústria nacional.
O fato é que descuramos de centros importantes de humanidade
como a família e o ambiente de trabalho. A realidade é feita de péssimo
ambiente de produção. Qual a qualidade do ambiente de trabalho e sua influência
na qualidade de vida do cidadão? O ambiente de trabalho é espaço para a
liberdade empresarial e para o discutível “livre arbítrio” do empregado em
permanecer na empresa ou não. Como medidas públicas poderiam interferir em
espaço tão relegado à liberdade empresarial? Ora, as leis e a Justiça do
Trabalho nada mais têm feito que tutelar as relações empregatícias, mas sempre
como o viés paternalista, colocando o empregado como vítima frente ao
empregador, este visto como explorador. Qualquer benefício oferecido pelo
empregador é visto como aliciamento da mão de obra e à vista do sindicato,
motivo para incorporação ao salário. Aí entram décadas de ideologia às avessas,
sempre contra o capital, contra a produção, contra o empreendimento particular
e não público, contra a livre iniciativa; o mote foi sempre obedecer a
pregações: que tinham o lucro como pecado; que consideram o trabalhador como
indefeso eleitor ou ovelha; que têm a população como rebanho a ser tutelado e
guiado por culturas de miséria e opção pelos pobres, estes confinados numa classe
imutável; que o trabalho dentro de uma visão da elite colonial é para os
escravos; de que todos são iguais sem considerar os desiguais na medida de sua
desigualdade. Fomos vítimas de interesses eleitoreiros e de culturas atrasadas
impregnadas de filosofia da decadência e estagnação, esperando que as soluções
viessem do céu. A mentalidade marxista, endossada pela legislação, precedentes
trabalhistas, juízes de esquerda, não deixa que o “patrão” seja bonzinho e o “
empregado” deixe de ser visto com medo. O “patrão”, nem sempre uma isolada
pessoa física, mas um grupo de gerentes, todos esfolados na Justiça do Trabalho
e nas agências de receita se defendem com medidas que retroalimentam o
pensamento capitalista ou o marxista, reforçando-se um ao outro, fechando um
círculo de atraso e decadência. A roda
viva da miséria.
Como resultante de toda esta cultura pode-se perguntar se o
que ocorre na empresa não interfere na
vida da pessoa, que leva tudo para casa, onde desabafa em inocentes ou engole
tudo no silêncio dos ignorantes? Não seria este o motivo também para separações
e divórcios, conflitos pessoais, violência de todo tipo deteriorando a vida no
país? Não seria prioridade cuidar deste ponto? Até onde uma pessoa que passa de
8 a 10 horas, sofrendo ou promovendo consequências sociais no ambiente de
trabalho, deixa tudo no portão de saída?
Um aspecto também a ser considerado é que na maioria das
vezes não é só o sistema de produção, o gerencial e administrativo adotado na
empresa que gera consequências sobre o indivíduo, mas, sim, o próprio
ajuntamento de cidadãos desqualificados, egoístas, brutos que acabam criando a
cultura do quadro funcional. Então o truculento, inflexível, radical, etc. não
tem seu posto na empresa? O caldo cultural das ruas é levado para o ambiente de
trabalho e ali, se o ambiente for coberto, vira circo; se apagada a luz, zona;
se fechadas portas e janelas, hospício.
Evidentemente o estilo gerencial pode refletir muito dos 96%
de semianalfabetismo, craca histórica que acompanha a vida neste quadrante do
mundo. Qual o grau de instrução de nossos gerentes e empreendedores? Eles e os empregadores fazem o dia a dia,
com o qual é levada a vida aqui. É o país em funcionamento com seus resultados.
É o efetivo exercício da qualidade que o país deu ao cidadão. Que idiotas
pensaram que a falta de Educação não deixaria de ter consequências funestas da
mais variada gama?
Embora a empresa seja o local de produção dentro do rigor de
prazos contratuais de entrega; campo de ataque da fiscalização; centro de
bombardeio pela Justiça do Trabalho, gamela de comida para a voracidade
tributária do Governo, é o parque de produção que gera emprego, consumo,
impostos e faz o PIB. Não seria de se dar atenção a este centro tão importante?
É o empresário que, dentro de sua liberdade e capacidade
administrativa e talento para o mundo dos negócios, pode desafiar todas as
limitações para ter sucesso na selva brasileira do capitalismo selvagem que o
Governo gera. Num mercado altamente disputado, com margens de lucro desafiadoras,
o empresário pouca alternativa tem para sair da rotina burocrática, fiscal,
produtiva ou para novos negócios. Neste sentido, pouco sobra para o empregado e
seu ambiente, este visto pelo empregador também com permanente desconfiança,
num enredo de medo de ataques do sindicato, greves e de reclamação
trabalhista.
Em mútua desconfiança, o ambiente de trabalho dificilmente
deixa de ser um péssimo local para o ser humano, que ali passa sua vida
produtiva, resumindo seu dia em ir e voltar do trabalho por 30 a 50 anos ou até
a vida inteira. Em geral sai sem saúde com severos danos psicológicos,
psíquicos e os físicos que vão aparecer em dois ou três anos após o
desligamento. Já o patrão e seus gerentes perigam morrer de enfarte, derrame
bem antes quando não saem falidos e endividados. Quantas mil empresas não encerram as
atividades por mês, criando impacto na economia e na comunidade?
A empresa parece que no Brasil deixou de ser item no esforço
de aprimoramento do pacto civilizatório. O empreendedor tem sido visto com maus
olhos e nunca como um ser que teve coragem de empreender, criar empregos, de se
arriscar no mercado onde pode tudo perder, fechar as portas ou simplesmente
desistir de seu negócio ou automatizar a produção ou mudar de região e até de país.
É ser eclipsado pela exceção baseada em notícias de empresas fantasmas,
empresas de lavagem de dinheiro etc. O
ambiente de trabalho, por sua vez, vem sendo, por décadas, negligenciado como
ponto de melhoramento da pessoa, vindo a ser o seu calvário. Empregados e
empregadores são também vitimas, todas fustigadas pelo Governo numa cultura
espoliativa e contra o empreendedorismo, adotando a toda hora medidas polêmicas
e contraditórias contra a produção que lhe garante o sustento. O Leviatã, por
vezes pisa no cocho onde come e não explica o porquê.
Nesta conjuntura e a manter-se a falha de qualificação
pessoal e profissional por falta de Educação formal, a mão de obra será um
problema a ser agravado com sensível impacto na vida.
Todavia, o empreendedor nato vai se defender para adaptar
seu negócio e continuar a sobreviver. Sem poder contar com seres humanos, vai
partir para a substituição destes por máquinas robotizadas na linha de produção
etc., fato já iniciado e que gera desemprego e miséria, ameaçando o consumo e a
geração de impostos. Máquina não tem ideologia, não tem sindicato nem ego, não
geram folha de pagamento e impostos a pagar.
A persistir tal cenário, o ambiente de trabalho continuará a
ser o que é, ou seja, um centro de
problemas para o indivíduo e para a empresa. Não se espere grandes mudanças
operadas por congressos de recursos humanos, treinamento e motivação e boas
práticas administrativas. O negócio será
se livrar do humano? Que país será este?
Inovação para crescer e competir, a reforma da mentalidade
etc., só serão importantes para empresas que exportam e enfrentam competição no
mercado externo. Diante das condições existentes e persistentes para o mercado
interno, este pouco exigente quanto à qualidade e mais focado no preço, inovar
será sempre reduzir o custo Brasil e diminuir a folha de pagamento, o que causa
desemprego e agrava o problema social econômico na medida em que não mantemos
empregos para as pessoas semi qualificadas bem como acrescenta ao fato de que o
país está se fixando como exportador de produtos da fazenda e da mina, ficando
relegado a tal posição no teatro mundial pela mera impossibilidade de formar
cidadãos para o mundo de tecnologia mais avançada. Eis o dano decorrente de
décadas de negligência na Educação, na redução do analfabetismo, eis a posição
de falta de independência, eis a condição para a submissão futura. Para
exportar mais e crescer, mais fazendas, menos Amazônia e Mata Atlântica. Aqui de fez, a que se paga.
Odilon Reinhardt. 3.7.2019.