Mais um centro esquecido II?
O local por onde todos passam.
Mesmo no quadro de um Brasil ainda só para poucos, de
Educação /escola para uma minoria muito exprimida entre o programa curricular
defasado e as necessidades efetivas do mundo da produção, sempre ficou clara,
para mentes mais aguçadas, que havia uma dissintonia muito grande entre escola
e empresa, esta vista como fonte de empregos e o passaporte para o mundo do
consumo e suas classificações sociais, de modo que qualquer um com título
superior ou médio, ao adentrar o emprego, mesmo como dono, estagiário ou empregado,
recebe um choque de mundo real, chegando a perguntar a si mesmo sobre a
empresa: ” que mundo é este aqui?
Fato é que a escola, em seus níveis mais elevados, é
defasada em relação à realidade do emprego, não só quanto à qualificação para o
trabalho em si com também quanto ao preparo para conviver com o Próximo. Sem
embargo do esforço empresarial para adaptar o indivíduo às necessidades
práticas, o fato concreto é que na empresa, o cidadão encontra-se no mundo para
valer e deve dividir o espaço com os semelhantes para formar o chamado ambiente
de trabalho.
Sim, o “ambiente de trabalho”, encontrável, no modo mais
estressado, que vai do terrível ao fantasioso, mas o local onde a nacionalidade
se desenvolve. Ali, encontram-se os brasileiros, com seu “preparo”, suas
características pessoais, seu “ego”, prontos para tornar o ambiente em um
espaço vivencial, que pode ir da euforia ao calvário e deste ao caos, com
inúmeras passagens de grande provação existencial. Aqui considerando o emprego
fora do Governo, pois neste, só basta dizer que, com dois ou três meses, cada
um já está pensando em como conseguir melhor posição para não trabalhar, caçar
benefícios e salários indiretos e assim esperar a aposentadoria. Sem mais
comentários, sobre tal suplício ou elegante escravatura paga como os impostos.
Nas instalações básicas, criadas pelo empreendedor, com seu
desejo de produzir, gerar empregos etc., o ser humano reunido e agindo no dia a
dia cria a cultura da empresa, com suas crenças e vícios, fazendo nascer condicionamentos,
que à revelia do empreendedor, começam a contaminar qualquer novato bem como
dificultar as atitudes de mudança, reengenharia de processos e alterações
necessárias que a evolução operacional da empresa exigir para atender à
competição no mercado. O “pessoal” cria, assim, seu aquário, seu covil, seu
campo e as características de tal aspecto refogem ao poder do dono da empresa e
sua direção. Muitas vezes nem mesmo demissões em grande número são capazes de
eliminar os vícios e maus aspectos da cultura instalada, por vezes já grudada
em normas internas, manuais, praxes e instruções. Contra isto, só o espírito
lutador e talentoso de algumas consciências que podem sobreviver neste caldo,
preservando a vontade, a identidade e a determinação. São todas menos
algumas.
Quanto pior a cultura interna, mais grave e complexa a
dinâmica social ali existente, podendo determinar até mesmo um processo lento e
gradual de falência da empresa, após progressivos e onerosos esforços,
envolvendo análises organizacionais, horas e horas de consultoria e planos de
reengenharia etc.
Num país de semianalfabetos, pessoal mal preparado,
profissionais formados em faculdades atrasadas, certamente a formação da
ambiente de trabalho facilmente orienta-se mal e rapidamente descamba para
acomodar o pior local para o desenvolvimento humano e profissional, com
reflexos horríveis para a saúde pessoal e para o sucesso da empresa, que
continua a gastar em treinamento, palestras de motivação, de inteligência
emocional, tentativas de harmonização e incentivo ao trabalho em equipe.
Evidentemente a tal cenário, medidas e atitudes da gerência
empresarial, podem desde a origem ou durante a evolução espontânea do
agrupamento “humano” que ali foi se formando, agravar os itens formadores do ambiente
de trabalho. Seja lá como for, o “pessoal” torna-se um ser que se gera e se
basta, nunca se afastando das sementes sociais e culturais da sociedade a que
pertencem, mas vindo a constituir uma pequena sociedade local que age e reage
contra ou a favor da empresa, pelo que o dono da empresa, criador do
empreendimento, ou sua gerência, facilmente perde o controle.
Uma vez instalada tal doença, o diálogo passa a ser
truncado, passando a ser exercidas ameaças de greve e demissões, cortes de
benefícios, sabotagem, imposição de horários, salário no rigor da lei, etc. O
ambiente passa a ser regido pela lei do mais forte, do “dente por dente, olho
por olho“. Nada pior? Pior, se ao natural ajuntamento humano ali existente,
juntarem-se ideologias como a que predispõe o empregado contra o “patrão”. Este
visto como pecador, por procurar o lucro, como explorador de almas, como pessoa
não confiável em suas intenções, ou até, como pai, responsável por tudo de
errado, etc., o que cria uma fantasiosa névoa que esconde e diminui a figura do
gerador de salários, de empregos, de oportunidades individuais dentro da
liberdade de cada pessoa.
Sem embargo do que ambas as partes façam para se impor, o
fato é que o ambiente está contaminado pelo próprio “pessoal” e seu modo de viver
ali, com sua acomodação brejeira, seu vazio intelectual, suas rusgas pessoais e
seus agrupamentos de contrariedades. O trabalho é feito com raiva, raiva da
empresa, do dono, do colega, do mundo. Que produtividade, que qualidade pode
resultar disso? É certamente um mundo esquecido que precisa ser revisto, pois
arrisca na decadência e ser radicalmente substituído pela robotização ou recusa
das novas gerações em trabalhar. Qualquer reexame mais aprofundado desta
temática deve explicar porque há tantos acidentes de trabalho, erros
operacionais, “retrabalho”, defeitos de qualidade, atestados de saúde,
absenteísmo, afastamentos por saúde, turn-over etc. E o tempo passa e este
aspecto agrava-se sem ser considerado como relevante; é como se a natureza do
local fosse assim mesmo e quem ali habita devesse simplesmente aguentar.
Está assim formado o “ambiente” para o progresso pela dor
onde o trabalho é “matar um leão por dia”, pois o caldo é meio propício para a
prática direta e feroz do pragmatismo, individualismo, utilitarismo,
racionalismo material, egocentrismo, todos turbinados por muita pressão, raiva,
competição e concorrência de modo que a proteção ao umbigo fica na essência de
todos os atos. Todas estas filosofias que no regime de 8 a 10 horas por dia ao
longo de 30 anos ou mais acabam modelando o comportamento, anestesiando a
vontade e assim o indivíduo leva para casa orientações próprias para o mundo da
produção, mas em completa impropriedade para o mundo do lar e a chamada “vida
pessoal”. Certamente, filosofias que constituem um grande motivo para inúmeros
ataques ao ego, formando contrariedades além da ira social e doméstica, e
acabam redundando no mais variados tipos de doenças e violência.
É fácil identificar na empresa mergulhada em ambiente de
conflitos, traições, encrencas e armações os tipos: raposa, lobo, urubu, leão,
cobra, escorpião, garça etc. Uma fauna bem agressiva em defesa de seu umbigo
contra qualquer colega e todos vistos como lebres indefesas para ideologias do
atraso.
E este todo vai evoluindo, acompanhando as fases da vida da
pessoa até redundar em doenças forjadas no dia a dia. O “pessoal” é o cidadão
brasileiro; faz por si só seu “ambiente”, seu caldo cultural, que existe no
silêncio do despreparo profissional e pessoal. São milhões de ambientes de
trabalho de pequenas e médias e grandes empresas, as quais contribuem para a
qualidade da produção, do serviço, da vida do cidadão e fazem o PIB. Quanta
energia não é jogada fora? Poderia ser muito melhor. Como seria se fosse
melhor? Mas apesar do esforço de dúzias
de consultores e boas práticas de recursos humanos, o ambiente de trabalho
continua esquecido, nunca é considerado como o centro onde o ser humano passa
sua vida “útil”.
Não é assunto para o Governo interferir, embora por décadas
tenha sido um dos fatores predominantes de atuação no cidadão e na empresa,
pois, bem ou mal, é sócio indireto de todas as empresas que o sustentam. A
solução lenta e gradual virá com a melhoria conjuntural do país. Soluções em
algumas empresas podem ter sucesso, mas seus bons efeitos sobre o indivíduo são
em parte danificados pelo que ocorre na sociedade como um todo.
Para 2019, é assim que vamos precisar de crescimento para
fazer o progresso do país. Anos de negligência na Educação redundaram neste colapso
humano, um dos mais graves fatores para a Economia. Quantas empresas deixam de
funcionar por falta de mão de obra? Quantas empresas deixam de ser criadas pelo
mesmo fator? Aqui se fez mal, aqui se
paga caro. Agora serão anos de espera, acreditando que mais este aspecto não
atrapalhe tanto o progresso. O que se observa e questiona-se: será que isto é
assim mesmo? Será que sendo assim, só resta aceitar? A realidade atrai as novas
gerações?
Este tema merece mais consideração como fator relevante para
a satisfação do cidadão, para o crescimento do país no campo material e
espiritual. Quem estiver num bom ambiente de trabalho pode-se considerar um
privilegiado.
Odilon Reinhardt - 3.8.2019