quinta-feira, 3 de outubro de 2019

E assim vai...






                                  
                                             E assim vai ...um tropeço aqui, outro ali.


Subemprego, emprego com tarefas pobres, desemprego. Nenhum destes equipara-se ao perigo da acomodação pessoal. O país não é um grande reduto de pessoas sábias, livres intelectuais; mas a cada dia, forçosamente tornou-se,  sim, um canto de tarefeiros, seguidores, acomodados, voluntária ou necessariamente.
Enquanto a Educação pública bem como a familiar é falha e pobre em despertar e garantir talentos e segue mal em preparar indivíduos para os empregos do mero fazer, um grupo reduzido recebe educação mais qualificada ou até ultraqualificada para a realidade, todavia em ambos os casos, revela-se incapaz de melhorar o comportamento egoístico. No entanto, não é este o tema, mas sim, o que no "emprego" em si, o indivíduo em sua “carreira” pode causar para si mesmo.
No ambiente, muitas vezes conquistado depois de muita entrevista, seleção, exames de "curriculum-vitae", o indivíduo encontra-se no chamado e sonhado “emprego”. E nesta condição humana, já no local de trabalho, interno ou externo, deverá fazer ou continuar fazendo seus meios de sobrevivência.
No local de produção, material ou intelectual, o indivíduo encontra a fase de interação, adaptação, domínio e depois a pior de todas, a de acomodação. Acomodação quase forçada, pois o empregador tem o limite da necessidade de seu negócio, ou seja, a da empresa, e a grande maioria delas não preenche nem estimula o aproveitamento da capacidade do ser humano.  De fato, o emprego é feito para o desempenho de uma gama limitada de atos para produzir algo, de modo que a ocupação do cérebro, formalmente qualificado ou não, raramente ocupa mais de 20% da capacidade e do potencial. Tal fato gera ociosidade cerebral inevitável, muito embora o empregado, com diploma ou não, possa encontrar-se fisicamente ocupado em 100% do tempo funcional, imiscuído em tarefas repetitivas, de pouco ou nenhum desafio intelectual, mesmo nos mais altos empregos de um país, que se tornou sofrível, eis que mergulhado no vazio existencial de sua classe social, independentemente da condição econômica. Isto tem reflexos graves na atividade econômica, na tomada de decisão, na qualidade da produção diária, pois o Governo pode criar todas as medidas positivas para impulsionar a economia, mas não poderá decidir pelo cidadão, seja ele empresário ou empregado, já que ambos reproduzem no dia a dia a cultura que os fez e pela qual vivem.  
Certamente, a ociosidade mental e a decorrente acomodação não são sentidas de imediato, mas sim, como tempo de emprego, lenta e pausadamente, podendo a frustração surgir e ser turbinada pela realidade do baixo salário ou escamoteada pela alta remuneração.
Seja lá como for, a empresa e sua realidade terá influência marcante no destino da pessoa e exercerá o poder determinante na possibilidade ou impossibilidade de substituir a ociosidade por algo mais aproveitável: o desenvolvimento da pessoa pela inteligência emocional, pois uma empresa ou um conjunto de empresas na vida de uma pessoa será o pano de fundo do cidadão durante sua jornada pelas fases da vida e o seu inevitável envelhecimento intelectualmente medíocre ou até mesmo negativo. Nesta jornada perde o país, continuando a ser país pequeno e para poucos. Claro  que no famoso debate entre T. Jefferson e Hamilton, quanto ao destino a ser dado aos EUA, Hamilton defendendo a produção, a indústria e o comércio impôs derrota na dialética com Jefferson, o qual defendia uma pátria de intelectuais. E assim é que até hoje a intelectualidade pertence a um grupo minoritário, principalmente em países em fase ainda de construção com muito a fazer, sob a orientação de poucos que lhes dão a ideia e o que fazer.
O Brasil segue o mesmo caminho, sem, em sua História, ter conhecido qualquer debate neste sentido, já que a intelectualidade aqui é atrasada e reduzida a limites mínimos, o que representa um atraso humano com inegáveis repercussões.
Numa seara de milhares de empresas privadas e outras públicas ou de economia mista, é óbvio que só alguns podem garantir excelência em termos  de sucesso em combater a ocorrência, a curto prazo, da ociosidade e diante desta ofertar soluções através de seu plano de carreira interna, pelo que a frustração e acomodação do indivíduo é quase uma regra.  Portanto, a grande maioria de empresas vive no pobre histórico de seus ocupantes, vivendo de segunda a sábado, por anos a fio, numa rotina hipnotizante.  Embora a produção continue a preencher caminhões ao longo do tempo, até mesmo os resultados começam a mudar em função da decadência intelectual e já física, do humano empregado e muitos casos do próprio empregador.  A este ponto começam os infindáveis cursos de motivação, de conteúdo ineficiente para robotizados  seguidores já na vida de natureza morta.   
Mas tal realidade vai se formando ao longo do emprego e inclui fatos mais degradantes do que estimulantes. Condicionantes internas e necessidades  pessoais acabam gerando realidades que modelam o empregado ao longo das fases da vida, acabando  com sua determinação, criatividade, competitividade, intelectualidade e até mesmo sua identidade. Os efeitos são perversos e tendem a reduzir o indivíduo a um mero seguidor do dia a dia, mergulhado numa maçante rotina de abandono inconsciente. Diante do computador, da máquina ou da mesa, fenecem as mulheres como flores secas num ambiente seco e brutalizado por homens já desacorçoados com a realidade que fazem com muita acomodação.    
Evidentemente, a realidade empresarial, constantemente açodada e  submetida às atrocidades governamentais, à competição do mercado, à limitação da margem de lucro, à flutuação da realidade, é conduzida pelo racionalismo material, pelo pragmatismo etc. em busca da sobrevivência, o que limita drasticamente a visão que o empresário e seus delegados podem dispensar ao empregado, dentro da perspectiva de qualidade de vida e desenvolvimento humano. No frigir dos ovos, não há espaço para que seja diferente, num país de tão variadas realidades, quase todas ruins, pobres e subdesenvolvidas variando do índio ao mais alto posto em qualquer empresa.  
De fato, a mesmice, a repetição de tarefas sem desafio e o ambiente geralmente ruim feito pelos próprios humanos reunidos no emprego, fazem com que na média a empresa seja um fator de empobrecimento intelectual. O fato é que a pessoa é contratada e começa a participar de um ambiente de condicionamentos de várias faces, o que com o tempo acabam lhe moldando o modo de agir e pensar, eis que submetido à mini sociedade ali reinante, a qual está permanentemente controlada pelo estilo de chefia praticada ao longo do tempo e aos efeitos do racionalismo, pragmatismo e utilitarismo, filosofias próprias do mundo da produção.  A isto junta-se o controle exercido pelos próprios colegas numa espécie de constante caça as bruxas, perseguições, mexericos, típico do patrulhamento ideológico do comunismo e da enganosa ideologia de que ali todos são iguais.   
Numa função, onde deve desempenhar tarefas limitadas, inseridas numa rotina, a qualificação do indivíduo tem que se amoldar às exigências da prática. Quanto mais pobre as tarefas de uma função, menos esforço intelectual é exigido. Se altamente qualificado, entrou sabendo e preparado para fazer 1000, acaba fazendo 10, porque é disto que a empresa precisa.  Se pouco ou nada  qualificado, é treinado até poder fazer  os mesmos 10, porque este é o limite da empresa. É o inevitável ajuste às necessidades do trabalho. Qualquer excesso é podado pelo gerente, responsável por manter as formas e seus ocupantes, com o menor desperdício possível. Não há espaço para diletantismo, para liberdade ou qualquer divagação. Inevitavelmente, o humano internado no ambiente de trabalho submete-se ao pragmatismo, utilitarismo,racionalismo da produção e toma tais filosofias como regra de comportamento, e inconscientemente acaba levando tudo para casa onde o relacionamento pessoal é contaminado. O “bitolamento” é assim inevitável e com ele a cruel limitação da atividade intelectual pelo fazer, realidade que ocorre em qualquer  atividade humana independentemente da Educação recebida. Mesmo o mais alto profissional autônomo da medicina ou engenharia acaba  bitolado pela demanda dos clientes que possui. O mesmo e com muito mais intensidade ocorre numa empresa. Cruel platitude para milhares. Mesmo diante do esgotamento e da falta de tempo, alguns , em ato de heroísmo, não se rendem e estudam a noite, na tentativa de mudar.
Cabe a cada um reagir contra a tendência de acomodação e empobrecimento intelectual/profissional, porque sendo dependente de emprego, nunca se sabe em qual fase da vida haverá o momento de enfrentar a seleção no mercado novamente. Uma reação inicial é tirar benefício do plano de carreira que possa existir na empresa; é um estímulo e gera crescimento, cria competição interna mesmo que conviva com os solavancos provocados por mudanças de chefia, de direção, de tecnologia, de investimentos, de crises do mercado, de disputas internas recheadas por muito ego, com constante ataques de controle e do já mencionado patrulhamento comportamental, que funcionam como redutores da sonhada liberdade. No entanto, um mínimo de empresas possui plano de carreira. Portanto, a regra é cada um cuidar-se para não ser morto e ficar na ilusão de estar vivo.       
Contrariando o costume de esperar tudo de cima e dos outros, não se deve esperar estímulo da empresa; o estímulo deve ser da própria pessoa em manter-se alerta. Todavia, as forças contrárias são poderosas, pois o ser humano se dá bem com a acomodação e a estabilidade, adaptando-se ao meio em que vive. Vivendo numa empresa, acaba esquecendo o mundo, a vida, o futuro e as fases da vida; mantido hipnotizado por eventos internos, torna-se cego; a análise crítica e opinião sobre eventos externos baixa a níveis de escassez.  A pessoa deixa isto ocorrer mesmo porque depois de sequências de dia, semanas, meses, anos e décadas de concentração, retorna a sua cada no final de cada dia, atordoado, com a cabeça cheia devido a tanta monotonia, frustração, falta de realização pessoal etc., não lhe cabendo mais nada senão tentar descansar. Não tem cabeça para mais nada. Vive o mundinho da firma numa imitação da vida.  Quantos talentos afogados ou nunca despertados?
O fato é que nos limites da realidade do país, o salário acaba sendo a compensação por tudo. Seu efeito mantém o indivíduo anestesiado. Assim, na mesa de trabalho, o calvário de todos os dias, a liberdade é somente a física  a ser exercida nos fins de semana e feriados, mediante o uso da força da vida e da sobrevivência. O indivíduo é levado a se abandonar e deixar tudo por contado que vier, já como objeto dos eventos e não como sujeito. Foi vencido pelo desalento, pelo desânimo e pela falta de motivação.  Que forças levam a isto? Não é um assunto que mereceria melhor análise por parte de todas as empresas? Não é de interesse da Nação?  
O que deveria  assustar os acomodados e hipnotizados é a progressiva desqualificação num processo lento e imperceptível na medida em que a pessoa se entrega e foca somente as tarefas existentes. A empresa com suas tarefas limitadas é um fator de desqualificação e empobrecimento. Somente diante da ameaça de desemprego,  privatizações  e  incorporações e fusões é que alguns podem acordar, mas talvez já seja muito tarde.
O local de trabalho é um assunto de responsabilidade de todos os seus ocupantes; é assunto que deveria ser tratado com cuidado, para que as pessoas ali se sentissem bem entre seus pares, o que certamente teria repercussão na qualidade de vida do país como um todo. O emprego deveria ser oportunidade de desenvolvimento pessoal e coletivo, fonte de enriquecimento da vida. Raramente tem sido. O que se observa é um desgaste e uma tendência de cair em desuso, pois diante da inabilidade de lidar com esta faceta da nacionalidade, as empresas querem mais é  livrar-se do humano e colocar mais máquinas para funcionar.  Humanos vivem em conflito, ficam doentes, contaminam o ambiente, adoram atestado médico  e o não-trabalhar.  Falharam todas as técnicas, todos os sistemas do sistema da produção para reduzir o comportamento humano a ser automático.  
Os jovens da atualidade, estando em contato com a realidade do mundo globalizado, são  mais bem formados e estão sendo condicionados a sonhar mais alto  do que a realidade existente.Dificilmente aceitam viver sob a tortura da mediocridade e apertada mentalidade administrativa da praxe gerencial. Se não houver mudança positiva, a empresa continuará a apagar a criatividade, a esperança de melhorar, o talento de muitos; continuará a ser o centro do atraso, da mediocridade e do atraso cultural, da obsolescência pessoal, da pobreza intelectual e profissional, produzindo naturezas mortas. Certamente isto não atrairá os jovens. Quantos já desistiram de procurar emprego? Qual o "turn-over" motivado por isto?
Difícil imaginar que haja solução para este aspecto tão vital. Solução coletiva jamais. Cada um é que estar consciente de seu caminho e evitar a acomodação e a desqualificação. Hoje arrisca-se dizer que  50% das tarefas numa empresa pública ou privada seria facilmente suprimida em qualquer ação de reengenharia de processo e os ocupantes, profissionais ou não, seriam reposicionados ou demitidos, sem chance de encontrar função idêntica no mercado. Se ficaram de 5 a 30 anos fazendo as mesmas tarefas, terão que sobreviver de outra maneira, achando outra profissão.
Há uma ilusão de progresso e desenvolvimento pessoal com sérios reflexos na realização do serviço etc. É o que a pessoa deixou fazer consigo mesma. É o que fez, mas neste estágio de "evolução" do país, a necessidade nas últimas décadas tem sido a de sobreviver ( portanto , qualquer outra visão é  fricote e frescura,não?) .
No entanto, tudo faz parte de uma Nação que tropeça em si mesma. É o país que está entrando numa realidade, a da imprevisibilidade quanto a muitos aspectos, um deles é a qualidade da população, a qual ocupa desde a função de pipoqueiro até os mais altos cargos do Governo.  Há algo de decadente no ar das últimas décadas. Neste contexto nem se ouse falar em qualidade dos locais de trabalho e empresas, cenários mutantes e que enfrentarão ainda mudanças inseguras, contribuindo para muitas doenças e violência.
.
Odilon Reinhardt 3.10.2019.