E assim vai ...um tropeço aqui, outro ali.
Subemprego,
emprego com tarefas pobres, desemprego. Nenhum destes equipara-se ao perigo da
acomodação pessoal. O país não é um grande reduto de pessoas sábias, livres
intelectuais; mas a cada dia, forçosamente tornou-se, sim, um canto de tarefeiros, seguidores,
acomodados, voluntária ou necessariamente.
Enquanto
a Educação pública bem como a familiar é falha e pobre em despertar e garantir talentos
e segue mal em preparar indivíduos para os empregos do mero fazer, um grupo reduzido
recebe educação mais qualificada ou até ultraqualificada para a realidade,
todavia em ambos os casos, revela-se incapaz de melhorar o comportamento
egoístico. No entanto, não é este o tema, mas sim, o que no "emprego"
em si, o indivíduo em sua “carreira” pode causar para si mesmo.
No
ambiente, muitas vezes conquistado depois de muita entrevista, seleção, exames
de "curriculum-vitae", o indivíduo encontra-se no chamado e sonhado “emprego”.
E nesta condição humana, já no local de trabalho, interno ou externo, deverá
fazer ou continuar fazendo seus meios de sobrevivência.
No
local de produção, material ou intelectual, o indivíduo encontra a fase de
interação, adaptação, domínio e depois a pior de todas, a de acomodação.
Acomodação quase forçada, pois o empregador tem o limite da necessidade de seu
negócio, ou seja, a da empresa, e a grande maioria delas não preenche nem
estimula o aproveitamento da capacidade do ser humano. De fato, o emprego é feito para o desempenho
de uma gama limitada de atos para produzir algo, de modo que a ocupação do
cérebro, formalmente qualificado ou não, raramente ocupa mais de 20% da
capacidade e do potencial. Tal fato gera ociosidade cerebral inevitável, muito
embora o empregado, com diploma ou não, possa encontrar-se fisicamente ocupado em
100% do tempo funcional, imiscuído em tarefas repetitivas, de pouco ou nenhum
desafio intelectual, mesmo nos mais altos empregos de um país, que se tornou
sofrível, eis que mergulhado no vazio existencial de sua classe social, independentemente
da condição econômica. Isto tem reflexos graves na atividade econômica, na
tomada de decisão, na qualidade da produção diária, pois o Governo pode criar
todas as medidas positivas para impulsionar a economia, mas não poderá decidir
pelo cidadão, seja ele empresário ou empregado, já que ambos reproduzem no dia
a dia a cultura que os fez e pela qual vivem.
Certamente,
a ociosidade mental e a decorrente acomodação não são sentidas de imediato, mas
sim, como tempo de emprego, lenta e pausadamente, podendo a frustração surgir e
ser turbinada pela realidade do baixo salário ou escamoteada pela alta
remuneração.
Seja
lá como for, a empresa e sua realidade terá influência marcante no destino da
pessoa e exercerá o poder determinante na possibilidade ou impossibilidade de
substituir a ociosidade por algo mais aproveitável: o desenvolvimento da pessoa
pela inteligência emocional, pois uma empresa ou um conjunto de empresas na
vida de uma pessoa será o pano de fundo do cidadão durante sua jornada pelas fases
da vida e o seu inevitável envelhecimento intelectualmente medíocre ou até
mesmo negativo. Nesta jornada perde o país, continuando a ser país pequeno e
para poucos. Claro que no famoso debate
entre T. Jefferson e Hamilton, quanto ao destino a ser dado aos EUA, Hamilton
defendendo a produção, a indústria e o comércio impôs derrota na dialética com Jefferson,
o qual defendia uma pátria de intelectuais. E assim é que até hoje a
intelectualidade pertence a um grupo minoritário, principalmente em países em
fase ainda de construção com muito a fazer, sob a orientação de poucos que lhes
dão a ideia e o que fazer.
O
Brasil segue o mesmo caminho, sem, em sua História, ter conhecido qualquer
debate neste sentido, já que a intelectualidade aqui é atrasada e reduzida a
limites mínimos, o que representa um atraso humano com inegáveis repercussões.
Numa
seara de milhares de empresas privadas e outras públicas ou de economia mista,
é óbvio que só alguns podem garantir excelência em termos de sucesso em combater a ocorrência, a curto
prazo, da ociosidade e diante desta ofertar soluções através de seu plano de
carreira interna, pelo que a frustração e acomodação do indivíduo é quase uma
regra. Portanto, a grande maioria de
empresas vive no pobre histórico de seus ocupantes, vivendo de segunda a sábado,
por anos a fio, numa rotina hipnotizante. Embora a produção continue a preencher
caminhões ao longo do tempo, até mesmo os resultados começam a mudar em função
da decadência intelectual e já física, do humano empregado e muitos casos do
próprio empregador. A este ponto começam
os infindáveis cursos de motivação, de conteúdo ineficiente para
robotizados seguidores já na vida de
natureza morta.
Mas
tal realidade vai se formando ao longo do emprego e inclui fatos mais
degradantes do que estimulantes. Condicionantes internas e necessidades pessoais acabam gerando realidades que
modelam o empregado ao longo das fases da vida, acabando com sua determinação, criatividade,
competitividade, intelectualidade e até mesmo sua identidade. Os efeitos são
perversos e tendem a reduzir o indivíduo a um mero seguidor do dia a dia,
mergulhado numa maçante rotina de abandono inconsciente. Diante do computador,
da máquina ou da mesa, fenecem as mulheres como flores secas num ambiente seco
e brutalizado por homens já desacorçoados com a realidade que fazem com muita
acomodação.
Evidentemente,
a realidade empresarial, constantemente açodada e submetida às atrocidades governamentais, à
competição do mercado, à limitação da margem de lucro, à flutuação da
realidade, é conduzida pelo racionalismo material, pelo pragmatismo etc. em
busca da sobrevivência, o que limita drasticamente a visão que o empresário e
seus delegados podem dispensar ao empregado, dentro da perspectiva de qualidade
de vida e desenvolvimento humano. No frigir dos ovos, não há espaço para que
seja diferente, num país de tão variadas realidades, quase todas ruins, pobres
e subdesenvolvidas variando do índio ao mais alto posto em qualquer empresa.
De
fato, a mesmice, a repetição de tarefas sem desafio e o ambiente geralmente
ruim feito pelos próprios humanos reunidos no emprego, fazem com que na média a
empresa seja um fator de empobrecimento intelectual. O fato é que a pessoa é
contratada e começa a participar de um ambiente de condicionamentos de várias
faces, o que com o tempo acabam lhe moldando o modo de agir e pensar, eis que
submetido à mini sociedade ali reinante, a qual está permanentemente controlada
pelo estilo de chefia praticada ao longo do tempo e aos efeitos do
racionalismo, pragmatismo e utilitarismo, filosofias próprias do mundo da
produção. A isto junta-se o controle
exercido pelos próprios colegas numa espécie de constante caça as bruxas,
perseguições, mexericos, típico do patrulhamento ideológico do comunismo e da
enganosa ideologia de que ali todos são iguais.
Numa
função, onde deve desempenhar tarefas limitadas, inseridas numa rotina, a
qualificação do indivíduo tem que se amoldar às exigências da prática. Quanto
mais pobre as tarefas de uma função, menos esforço intelectual é exigido. Se
altamente qualificado, entrou sabendo e preparado para fazer 1000, acaba
fazendo 10, porque é disto que a empresa precisa. Se pouco ou nada qualificado, é treinado até poder fazer os mesmos 10, porque este é o limite da
empresa. É o inevitável ajuste às necessidades do trabalho. Qualquer excesso é
podado pelo gerente, responsável por manter as formas e seus ocupantes, com o
menor desperdício possível. Não há espaço para diletantismo, para liberdade ou
qualquer divagação. Inevitavelmente, o humano internado no ambiente de trabalho
submete-se ao pragmatismo, utilitarismo,racionalismo da produção e toma tais
filosofias como regra de comportamento, e inconscientemente acaba levando tudo
para casa onde o relacionamento pessoal é contaminado. O “bitolamento” é assim inevitável
e com ele a cruel limitação da atividade intelectual pelo fazer, realidade que
ocorre em qualquer atividade humana
independentemente da Educação recebida. Mesmo o mais alto profissional autônomo
da medicina ou engenharia acaba bitolado
pela demanda dos clientes que possui. O mesmo e com muito mais intensidade
ocorre numa empresa. Cruel platitude para milhares. Mesmo diante do esgotamento
e da falta de tempo, alguns , em ato de heroísmo, não se rendem e estudam a
noite, na tentativa de mudar.
Cabe
a cada um reagir contra a tendência de acomodação e empobrecimento
intelectual/profissional, porque sendo dependente de emprego, nunca se sabe em
qual fase da vida haverá o momento de enfrentar a seleção no mercado novamente.
Uma reação inicial é tirar benefício do plano de carreira que possa existir na
empresa; é um estímulo e gera crescimento, cria competição interna mesmo que
conviva com os solavancos provocados por mudanças de chefia, de direção, de
tecnologia, de investimentos, de crises do mercado, de disputas internas
recheadas por muito ego, com constante ataques de controle e do já mencionado patrulhamento
comportamental, que funcionam como redutores da sonhada liberdade. No entanto,
um mínimo de empresas possui plano de carreira. Portanto, a regra é cada um
cuidar-se para não ser morto e ficar na ilusão de estar vivo.
Contrariando
o costume de esperar tudo de cima e dos outros, não se deve esperar estímulo da
empresa; o estímulo deve ser da própria pessoa em manter-se alerta. Todavia, as
forças contrárias são poderosas, pois o ser humano se dá bem com a acomodação e
a estabilidade, adaptando-se ao meio em que vive. Vivendo numa empresa, acaba
esquecendo o mundo, a vida, o futuro e as fases da vida; mantido hipnotizado
por eventos internos, torna-se cego; a análise crítica e opinião sobre eventos
externos baixa a níveis de escassez. A
pessoa deixa isto ocorrer mesmo porque depois de sequências de dia, semanas,
meses, anos e décadas de concentração, retorna a sua cada no final de cada dia,
atordoado, com a cabeça cheia devido a tanta monotonia, frustração, falta de
realização pessoal etc., não lhe cabendo mais nada senão tentar descansar. Não
tem cabeça para mais nada. Vive o mundinho da firma numa imitação da vida. Quantos talentos afogados ou nunca
despertados?
O
fato é que nos limites da realidade do país, o salário acaba sendo a
compensação por tudo. Seu efeito mantém o indivíduo anestesiado. Assim, na mesa
de trabalho, o calvário de todos os dias, a liberdade é somente a física a ser exercida nos fins de semana e feriados,
mediante o uso da força da vida e da sobrevivência. O indivíduo é levado a se
abandonar e deixar tudo por contado que vier, já como objeto dos eventos e não
como sujeito. Foi vencido pelo desalento, pelo desânimo e pela falta de
motivação. Que forças levam a isto? Não
é um assunto que mereceria melhor análise por parte de todas as empresas? Não é
de interesse da Nação?
O
que deveria assustar os acomodados e
hipnotizados é a progressiva desqualificação num processo lento e imperceptível
na medida em que a pessoa se entrega e foca somente as tarefas existentes. A
empresa com suas tarefas limitadas é um fator de desqualificação e
empobrecimento. Somente diante da ameaça de desemprego, privatizações
e incorporações e fusões é que
alguns podem acordar, mas talvez já seja muito tarde.
O
local de trabalho é um assunto de responsabilidade de todos os seus ocupantes;
é assunto que deveria ser tratado com cuidado, para que as pessoas ali se
sentissem bem entre seus pares, o que certamente teria repercussão na qualidade
de vida do país como um todo. O emprego deveria ser oportunidade de desenvolvimento
pessoal e coletivo, fonte de enriquecimento da vida. Raramente tem sido. O que
se observa é um desgaste e uma tendência de cair em desuso, pois diante da
inabilidade de lidar com esta faceta da nacionalidade, as empresas querem mais
é livrar-se do humano e colocar mais
máquinas para funcionar. Humanos vivem
em conflito, ficam doentes, contaminam o ambiente, adoram atestado médico e o não-trabalhar. Falharam todas as técnicas, todos os sistemas
do sistema da produção para reduzir o comportamento humano a ser
automático.
Os
jovens da atualidade, estando em contato com a realidade do mundo globalizado,
são mais bem formados e estão sendo condicionados
a sonhar mais alto do que a realidade
existente.Dificilmente aceitam viver sob a tortura da mediocridade e apertada
mentalidade administrativa da praxe gerencial. Se não houver mudança positiva,
a empresa continuará a apagar a criatividade, a esperança de melhorar, o
talento de muitos; continuará a ser o centro do atraso, da mediocridade e do
atraso cultural, da obsolescência pessoal, da pobreza intelectual e
profissional, produzindo naturezas mortas. Certamente isto não atrairá os
jovens. Quantos já desistiram de procurar emprego? Qual o "turn-over"
motivado por isto?
Difícil
imaginar que haja solução para este aspecto tão vital. Solução coletiva jamais.
Cada um é que estar consciente de seu caminho e evitar a acomodação e a
desqualificação. Hoje arrisca-se dizer que
50% das tarefas numa empresa pública ou privada seria facilmente
suprimida em qualquer ação de reengenharia de processo e os ocupantes, profissionais
ou não, seriam reposicionados ou demitidos, sem chance de encontrar função
idêntica no mercado. Se ficaram de 5 a 30 anos fazendo as mesmas tarefas, terão
que sobreviver de outra maneira, achando outra profissão.
Há
uma ilusão de progresso e desenvolvimento pessoal com sérios reflexos na
realização do serviço etc. É o que a pessoa deixou fazer consigo mesma. É o que
fez, mas neste estágio de "evolução" do país, a necessidade nas
últimas décadas tem sido a de sobreviver ( portanto , qualquer outra visão é fricote e frescura,não?) .
No
entanto, tudo faz parte de uma Nação que tropeça em si mesma. É o país que está
entrando numa realidade, a da imprevisibilidade quanto a muitos aspectos, um
deles é a qualidade da população, a qual ocupa desde a função de pipoqueiro até
os mais altos cargos do Governo. Há algo
de decadente no ar das últimas décadas. Neste contexto nem se ouse falar em
qualidade dos locais de trabalho e empresas, cenários mutantes e que
enfrentarão ainda mudanças inseguras, contribuindo para muitas doenças e
violência.
.
Odilon
Reinhardt 3.10.2019.