Uma ficção: Covid-2029 e o avesso da Realidade.
Onde
estão, foram, onde estão?
Os colegas do escritório,
os “migos” da repartição,
os do consultório?
Onde estão os parentes,
os familiares, e os que pensávamos
serem mais frequentes?
Quem telefonou,
quem mandou mensagem,
quem contatou?
Quem se importou,
quem se comunicou,
quem restou?
Poucos, ninguém alguém?
Ninguém ligou. Alguns ?
Quem lembrou de quem?
Desafio de cada um.
Ou ficamos pensando,
refletindo, meditando,
observando ou
deixamos a vida ir fugindo,
indo, sumindo,
fluindo.
Ma sé mesmo tentador não arriscar
a esperança de ver:
um indício que fale do amanhecer;
uma amostra do que pode ser;
um pequeno exemplo do que acontecerá;
uma mostra de como acorrerá.
Algo que revele como a vida fluirá,
que represente como o dia
surgirá,
que indique como o novo tempo chegará,
que exemplifique com a existência
prosseguirá,
que demonstra com o futuro ocorrerá,
que diga de como a evolução fluirá.
É mesmo desafiador não esperar que :
a rotina deixe de ser anormal,
o caminho volte a ser especial,
a manhã seja afinal
o que era antes e seja um sinal
de vida normal.
Sonhar e imaginar,
refletir e pensar,
desafiar e persistir
esperar e aceitar,
perceber e sentir
melhor viver e conviver.
Por enquanto é o que resta:
paciência e persistência,
preservação da essência,
manter a cadência,
observar e perceber com frequência,
buscar mais consciência.
Odilon Reinhardt.
2ª Onda.
Assim denominaram
a “volta” do vírus
que nunca partiu e nunca venceram.
Inverno em algum lugar novamente;
o tio Covid fica raivoso,
vem para cima da gente.
O humano esboça reação,
melhora protocolos de tratamento,
procura reduzir mortes com tal ação.
Médicos e enfermagem,
heróis do ano,
alavancaram a imagem.
Mas o tio apresenta-se
incontrolável, impiedoso,
parece pressentir o “ vacine-se”.
A ciência humana se esforça,
progride , quer vencer,
combater o vírus com sua força.
Por enquanto , muita despesa,
menos receita, mais esperança,
o vírus coloca as cartas na mesa.
Sonha a Humanidade,
quer o normal antigo,
a velha realidade.
Sonha o humano,
quer ficar e sentir-se livre,
quer viver sem medo no próximo ano.
Vontade , desejo que se unem,
fazendo parte do conjunto ilusório,
com o qual o humano se mantém.
A luta é para sobreviver,
derrotar um vírus matador,
que reluta em desaparecer.
Tirano mutante,
invisível , impossível, mas limitado
perante a ciência em levante.
Única esperança real
que poderá trazer a solução,
uma vacina contra o vírus mortal.
Depois da vitória,
cada sobrevivente terá para o que
olhar
e repensará sua própria história?
Por enquanto o humano
só conta com sua máscara e
distanciamento,
para se defender do tirano.
Cada dia é sorte,
cada hora é destino,
e o minuto o norte.
O vírus não conhece nada
de números e ondas,
tem sua trajetória traçada.
E nada garante
que 2021 não será 2020,
muito cansativo, estressante.
Odilon Reinhardt.
Tio
Covid, o político.
Ora, ora!
Tio Covid
abrasileirou-se,
entrou no jogo da
hora!
Virou político,
deu uma pausa para as
eleições,
fez acordo
apocalíptico.
No período antes das
eleições,
reduziu suas
investidas,
controlou suas
intenções.
Mas um dia depois do
resultado,
Tio Covid veio com
tudo,
com força na 2ª onda.
Inusitado?
Ora, ora!
Quem diria!
Tio Covid é político,
sua face nem cora.
Pelo menos é o que a
TV mostrou.
Com tal manipulação,
viu-se o Brasil com a
cara que restou .
A questão é qual o
teor do acordo feito,
quem pagará seu custo,
o que será desfeito?
Mostrar que : o povo aceita tudo,
a TV é mesmo um
instrumento de pão e circo,
que o povo paga e
fica mudo?
Se um elefante dá
show no rodeio,
por que um país não
pode ser domado
e colocado de palhaço
no picadeiro?
Números, casos, muita
morte,
estatísticas, média
de mortes, gráficos,
qual a verdade desse
norte?
Humanos. Pensantes.
Animais pensantes,
com suas bondades e
maldade,
seus aspectos
chocantes e interessantes.
Suas construções,
tentativas de
eternizar-se, dominar o Planeta,
a Natureza e suas
manifestações.
Dilemas, enigmas,
mistérios,
a ciência como arma,
e até agora muito
cemitérios.
Crenças, crendices ,
seitas,
cerimônias, teses,
temas e ideologias
para dividir e fazer
pessoas insatisfeitas.
Rumos, caminhos,
destinos,
ditados pelo ego,
humanos e seus tinos.
Igualdades,
diferenças,
classificações e
estatísticas,
jogos de poder,
política e ofensas.
Ameaçados, punidos,
temidos,
ainda não entenderam
nada,
estão sendo atacados
por seres desconhecidos.
O planeta azul está
em guerra,
e os humanos
continuam cegos,
com seus egos numa
estupidez que não se encerra.
Orgulho, ciúme,
vaidades em pretensões,
como formigas no
interior da terra
sem saber da enchente
e dos trovões.
Os invisíveis se
aprimoram
vão vencendo o humano
no pessoal e no coletivo,
a depressão e as
doenças microscópicas nele habitam.
Ainda não entenderam
nada,
não se conhecem,
seguem animais,
pensam; no que pensam
enquanto manada?
Apesar do progresso
material, vale o instinto, o fisiológico;
o coletivo é tosco e
cego;
a lógica encontra o
campo do ilógico.
A individualidade não
reflete a coletividade,
psicanalistas e
filósofos focam o individual,
mas são incapazes de
explicar a massa e sua realidade.
A unidade não faz o
todo,
não há sinédoque
possível,
a manada procura e
afunda-se no lodo.
O Planeta azul e sua
população,
a Natureza versus a
Humanidade no Espaço;
e o humano perdido
diante da solidão.
Há resistência quanto
a atitudes de união:
fraternidade,
solidariedade, igualdade,
são vistas como a
própria perdição.
Dúvidas, incertezas,
erros e acertos, difíceis lições,
aprendizagem
lentíssima,
talvez progresso
intelectual só em futuras dimensões.
E assim seguem os
humanos ,
unidos e oprimidos
por sistemas do fazer e do produzir,
desunidos quanto ao
tratar a vida em si e seus planos.
Odilon Reinhardt
A
odisseia dos tontos-alegres.
Mas não é a
desconsideração
uma atitude coerente
com o que vemos na
Nação?
Individualismo,
ansiedade,
fisiologismo,
contrariedade,
pragmatismo,
uniformidade.
Indiferença e
cretinice,
ações e reações do
egoísmo,
verdades atuais na
planície.
Analfabetismo e
alienação,
orgulho e vaidades,
esperança e ilusão.
Humanos indiferentes
à pandemia,
em arrogância,
creem-se imunes,
desfilam na sorte do
dia.
Quem vence esta
manada,
que está acima do
destino,
e mimada pensa ser
bem aventurada?
Resistentes sem
máscara,
nada de afastar-se ou
isolar-se,
um ar de idiotice na
cara.
“Super-heróis “ em
protestos na rua,
contra o Governo que
dizem autoritário,
pregam a democracia
na versão só sua.
Indiferentes ao Próximo;
vale o umbigo, cegos
, inconscientes ,
cada um pode ser o
próximo.
A saga dos cretinos e
tontos.
O Homem Aranha
vencerá o vírus,
a Mulher Maravilha
vencerá outros tantos?
Como soberanos da
inconsequência,
assim seguem os bobos
e alegres em sua euforia,
em sua diária
odisseia de dissidência.
Odilon Reinhardt.
Novas exigências.
A Pandemia exige nova
rotina,
home-office, afazeres
domésticos, novas regras,
a realidade dura fica
atrás de cada cortina.
A vida tão cosmética
confunde-se com o
trabalho ou a sua ausência,
faz da mistura uma
novidade doméstica.
Talvez seja realidade
transitória,
talvez perdure,
seja ou não seja só
uma página da História.
Na nova vida tão de
casa,
muitos participam,
outros tantos são excluídos,
o horizonte vai agora
só até a janela de casa.
O mundo vai ficando
mais restrito,
vai se acentuando o
fracasso na lista de relacionamentos;
festas, aniversários
, tudo fica bem mais contido.
O humano desiste da
saudade,
abandona mensagens e
e-mails, não responde a nada;
o que importa é o
umbigo na nova e difícil realidade.
E o umbigo arde de
medo, está sensível;
exigir ser lembrado
passou a ser demais,
é ato até
extra-humano e incompreensível.
Os humanos se afastam,
vão se habituando com
isto,
novas exigências os
tomam.
E assim vão as
pessoas pandêmicas em cada dia,
vão ficando longe,
arredias, esquisitas;
revela-se quem é quem
nesses dias de Pandemia.
Muitas pessoas são
levadas a falhar
no teste humano de
relacionamentos
e certamente as
consequências vão enfrentar.
Como será o Depois em
seus relacionamentos?
Os amigos terão se
tornado simples “migos”?
Serão novos os
afastamentos e isolamentos
Odilon Reinhardt.
“Honorato Honesto
estava em sua rotina. Era o ano de 2030. Ao final do dia, resolveu fazer uma
parada, num bar de “happy-hour”, onde encontrou amigos do trabalho e outros
tantos do bairro. Bebeu pouco, socialmente, mas passou mal. Coma diabético.
Levado ao hospital “Solar da Entrada Certa para o Além”, entrou em coma
profundo, tendo permanecido neste refúgio existencial, por 3 anos. Um dia
acordou, como se nada tivesse acontecido. Recebeu todas as respostas e uma
semana depois saiu do hospital como um cidadão normal. Acompanhado pela família
chegou em casa. Passada a euforia do retorno, começou a observar que o mundo
havia mudado. Era o mundo ao avesso. Era a nova normalidade, após tantos anos
de epidemia com novas versões do Covid. Um mundo liberado totalmente.
Perguntando a sua esposa do que se tratava esta nova época; recebeu a resposta
de que a família estava sendo perseguida, seus filhos maltratados na escola. A
esposa, de cabeça baixa, confidenciou que eles haviam falhado na educação das
crianças, pois nada do que haviam ensinado servia agora. Na realidade era uma
família apontada como honesta, com filhos instruídos com princípios e valores
do Mundo de Antes, portanto, fora do novo contexto, pois agora valia o Mundo do
Depois, onde todas as exceções passaram a regra e as antigas regras haviam sido
colocadas na ilegalidade, podendo sua prática ser objeto de acusação grave. O
novo “establishment” era o avesso de tudo, pois passaram a valer regulamentos
aleatórios, retóricos, válidos de acordo com o vento da política do momento,
portanto, com eficácia mutável no dia, prevalecendo o que e para onde o
analfabetismo levasse. Assim, o Mundo do Depois era baseado em regras que
valorizavam o ganha-ganha, a vantagem, o mau-caráter, a má-fé, etc.
Honorato Honesto,
desejando confirmar essa realidade resolveu não dormir e passar a noite se
atualizando. Ligou a TV e logo escutou o noticiário, onde, com ouvidos
arregalados entrou em contato com inusitadas imagens e narrações, com a seguir:
O Ministro da Popularidade veio a
público dizer que não havia problema algum com o aumento das despesas do
Governo, pois toda ela já era custeada por 10% do produto do que antes se
considerava crime no país e como o aumento da nova realidade era uma realidade,
os que antes eram chamados de criminosos, agora contribuintes, já recebiam
incentivos com desconto no IR; ademais, fraudar e furtar já eram desejos e
costumes aceitos no seio da população, sendo que os antigos criminosos estavam
satisfeitos com o sistema de pontuação da Receita, a qual lhes garantia
imunidade e privilégios anuais não só perante o sistema tributário como também
perante a Polícia. O ministro asseverou que pela lei atos criminosos era agora
de utilidade pública, pois aumentavam a tributação substancialmente. Tanto que
já há no Parlamento Estadual um projeto para instituir um anual e permanente
concurso de pontuação para, no dia do Natal, premiar o melhor e mais
prestigiado benfeitor público, isentando-o do pagamento de qualquer imposto e
concedendo-lhe imunidade anual no caso de eventual prática de “crimes” comuns
como a prática de bondade, respeito ao Próximo e prática de atos inafiançáveis
como os morais e de bons princípios do Mundo do Antes.
E na TV, Honorato
Honesto ainda meio tonto, pensando estar bêbado, escutou o âncora de TV
complementar que o projeto certamente seria aprovado, consagrando a regra de
que “ladrão que rouba ladrão, tem 100 anos de perdão”. Seria um ato de
reconhecimento dos “bons” brasileiros que diariamente furtam e fraudam,
engrandecendo o país e um devido ato de desmotivação para os honestos, pessoas
do Mundo do Antes, que ainda teimavam em praticar o Bem e viver pela Bondade.
Cabe à polícia caçar estes facínoras que só davam péssimos exemplos às novas
gerações do Mundo do Depois. A missão da polícia é sempre honrosa enquanto caça
os desajustados, os honestos, que não aceitam as novas leis do Estado. E
acrescentou que na semana passado fora sancionado pelo Presidente do Estado a
Lei de Desterro para os honestos pegos pela polícia, que agora são expulsos
conjuntamente com sua família, para fora do Estado, não podendo residir em
nenhum outro a não ser que assinem termo de desonestidade e não infrinjam a lei
novamente; condição que pode lhe dar o privilégio de pertencer como sócio
aspirante nas sociedades de golpistas, estelionatários, vigaristas e bandidos
em qualquer cidade desde que ali frequentasse os cursos diários de atos
benevolentes, sempre ressaltando que o crime é virtude e compensa e provem
anualmente, a través de atos concretos, que não são mais honestos.
Honorato Honesto,
vulgo HoHo, gerente da firma Aux Vulgoney for Latin America”, no intervalo
entre um noticiário e outro, viu anúncios de novas leis que deveriam ser sempre
lembradas como a aquela pela qual o Governo virara Desgoverno, que a liberdade
animalesca do cidadão era inatingível pela lei, que toda exceção agora era
regra, que o que era crime agora era virtude, que a mentira era obrigatória e
tida como item interestadual e item de incentivo ao uso do discernimento de
cada um. Eram cláusulas pétreas.
Seguindo no mesmo
noticiário, o Ministro Estadual da
Mentira anunciava que havia baixado uma portaria para que cada escola fosse
financiada pelo caixa dois dos pais integrantes das associações de pais e
mestres e que nas escolas fossem tomadas providências para que os alunos com
eventuais ideias honestas vissem que todas elas morreriam na solidão de suas
mentes, já que não seriam jamais aceitas no mundo real. Ressaltou que os
professores deve sempre lembrar aos alunos que o corrupto é tido como herói
nacional e cada aluno pode no futuro ter a chance de ser escolhido o corrupto
do ano, capaz de ser agraciado com o Prêmio Estadual do Arquigolpista, da Ordem
Nacional dos Logros. Por isso, é importante que o Ministro da Enganação Intelectual seja competente na orientação às escolas
e ensine as novas gerações a adquirir as regras básicas da cidadania que são
baseadas no enganar, ludibriar com inteligência. Essa meta estadual tem que
estar consolidado antes das próximas eleições, pois, se uma outra quadrilha for
alçada ao Poder, não se sabe qual a orientação; não se sabe, se darão ênfase ao
furto e corrupção ou se vão trazer alguma metodologia nova no campo. O atual
Desgoverno tem por lema incentivar gerações de pilantras, golpistas que saibam
se defender na vida. Graças que a época dos bobos bem feitores e bem educados
do Mundo do Antes já está sendo eliminada. Doravante ninguém vai entrar na Faculdade sem
provar que furtou pelo menos uma loja ou fez um golpe virtual. A tese de
conclusão de curso versará sempre sobre estruturas de lavagem de dinheiro e “propinoduto”.
A melhor tese receberá premiação e o agraciado terá dois meses de aprimoramento
gratuito na matéria de como montar esquemas de corrupção. O ministro da Mentira
encerrou a entrevista desejando a todos uma amanhã de muitas falcatruas e
sucesso. Acrescentou ainda que dava todo seus apoio para a proteção dos bebês,
crianças até 7 anos e mulheres, pois eram três figuras intocáveis, pois
garantem o futuro do Estado. Nenhuma violência contra estas figuras seria
tolerada e essa era mais uma das regras pétrea do Estado, não havendo oposição
alguma pelas demais quadrilhas. A pena seria de morte sem processo judicial ou
recurso, já que todos os Tribunais foram abolidos, prevalecendo a autoridade do
delegado de Polícia. Igualmente se diga do ato de roubar, este recebe pena capital
imediata e executada no ato do fragrante ou prisão pelo policial ou popular
qualquer, pois o ato de roubar vai contra a ideologia de que o ato de enganar e
ludibriar tem que envolver inteligência e refinamento. A este ponto Honorato
Honesto já estava de madrugada, pegou um jornal de bairro chamado “A Maldade
Diária” e começou a ler. Havia um artigo do Ministro da Fraude, dizendo
que o Estado havia tido bom sucesso de exportações de ervas alucinógenas e que
a Receita estava aumentando a contento. Com a Indústria, Comércio e Fazendas
Produtivas do Sul, o Desgoverno estava tendo sucesso. Novas leis e resoluções
estavam garantindo que a indústria tivesse bons resultados em fazer cópias de
produtos de outros Estados e países; ademais, batizar bebidas, fraudar fórmulas
de remédios, falsificar o leite, a gasolina e etc., já eram vontades praticadas
no Mundo do Antes. Para garantir bons resultados nenhum produto teria prazo de
validade e o rótulo nunca seria preciso e exato quanto aos componentes, sendo
lícito constar, por exemplo, que o “presente produto pode ter fungicidas etc. “
HoHo ainda leu na página de esportes que os jogadores teriam que
obrigatoriamente tomar anabolizantes e outros medicamentos para aumentar a
“performace” e os níveis atléticos do Estado. Aliás, todo o meio é justificado
e aceito se o fim é honroso. Isto como lema Estadual.
Na última página do
jornal, havia um discurso de posse do Ministro
da Desinformação, dizendo que havia aceito o cargo para garantir que toda a
mídia só falasse mentiras, institucionalizando o discurso retórico do “se
pagar, pegou”; os sofismas eram modelos a serem seguidos, pois sabiam usar da demagogia, que era encarada como
virtude, que dá prêmio de acesso a qualquer cargo público. As redes sociais de
qualquer espécie são campo livre para a mentira e vídeos “fake”. Enquanto ele
fosse Ministro não caberia à lei ou ao Desgoverno ditar limites ou impedir o
exercício da liberdade animalesca do indivíduo. A verdade é aquela que a mídia
proclamar diariamente. Na mídia não é tolerada a verdade em nada, o cidadão tem
que aprender a pensar conjunturalmente e deduzir se a notícia é ou não
verdadeira, inclusive quanto à manipulação de dados. Ademais tudo na mídia é
pago pelo interessado e os apresentadores e demais profissionais são meros
repassadores de informação, mas com o dever de sempre das opiniões pessimistas
e negativas. Vale sempre deixar a audiência
na dúvida, num jogo de bater e assoprar, com informação e desinformação;
em discursos deve-se usar vocabulário técnico e próprio de repartições públicas
bem como vocabulário com palavras eruditas de uso incomum pela população,
sempre procurando o não entendimento; usar neologismos e modinhas linguísticas
e sempre em textos na tela a caligrafia errada. Nunca usar o verbo “estar“,
preferindo sempre o verbo “tar”, demonstrando sempre estar atualizado quanto
aos caminhos do povo.
HoHo voltou para as
folhas do meio do jornal e viu que havia uma obrigação de cada cidadão ter um
celular com os 2300 aplicativos obrigatórios e que no prazo de 30 dias, o
cidadão pego sem tais aplicativos perderia 30 pontos na Receita e deveria pagar
multa a negociar com o agente público; leu na sessão de cartas do leitor que um
cidadão elogiava o Desgoverno quando reiterava em todos os atos normativos que
o cidadão quanto mais hipócrita, egoísta, radical, inflexível, intolerante,
fisiológico, pragmático, calculista, frio e individualista, receberia ajuda de
custo do Governo, com aposentadoria garantida com o dobro dos valores que
desejasse.
Deixando o jornal de
lado, HoHo pegou uma revista que estava a sua frente chamada “0 Bom Caos”, com
notícias e reportagens sobre a vida estadual. O primeiro artigo era de um
jornalista chamado José do Futuro, falava sobre o grande sucesso da lei que
havia liberado o uso de drogas sem qualquer restrição. Falava que milhares de
atos policiais e judiciais tinham acabado e a economia na área do Ministério da Instabilidade é recorde.
Um outro artigo comentava que o Governo do Desgoverno estava acertando em cheio
quando liberou geral a atividade política. Na disputa pelo poder passou a ser
reconhecida e, portanto, permitida qualquer atitude como se guerra fosse.
Ninguém é punido agora por homicídios no campo eleitoral, sendo lícito montar
quadrilhas para serem eleitas e tomar conta dos cofres do Governo e ali fazer
seus esquemas de corrupção e negócios.
Afinal, foi aceito o projeto pelo qual os partidos políticos seriam
totalmente formados por políticos e financiados por caixa dois. Outra fonte de
recursos seria a permissão para que os partidos façam pedágios aleatórios em
ruas das cidades e estradas para cobrarem taxas de uso e permanência noturna.
Podendo montar esquemas de furto de carga e saques a caminhões acidentados etc.,
como fonte de recursos. E os motivos para ser candidato estariam numa declaração firmada de próprio punho de ter a
intenção de “se fazer”, de enricar, de usar o Poder para dar vazão à
megalomania, emulação e esnobismo social, de ficar rico sem trabalhar. Ademais,
estas exigências decorriam do princípio declarado em lei de que nenhuma lei
pode se opor e criminalizar o livre exercício do ego de cada um e todas suas
manifestações, de modo que cada cidadão é livre para viver sua natureza animal.
Ideologia que deve ser sempre lembrada e ressaltada, pois toda mentira quando
repetida vira verdade. Depois da adoção
dessa realidade sociológica, muito se poupou do dinheiro público em repreensão
a crimes na Bagunça Pública. Na mesma revista havia uma sessão de cartas do
leitor, em que um pai reclamava que havia sido chamado perante a escola do
filho, porque o menino havia falado palavrões como “boa fé”, “Deus te
pague”, “moral”, palavras que integravam
a longa lista de termos do Mundo do Antes e que ele,como pai, sentira-se humilhado,
pois não sabe de onde o filho tirara tais expressões. E mais, que descobriu
depois que o filho tinha lido na casa de um vizinho uma revista do Mundo do
Antes. Comunicou à escola, mas o vizinho não foi chamado a responder. Uma
injustiça e uma infração à lei que diz que todo vizinho tem que estar alerta
para identificar qualquer atitude honesta e sincera, devendo denunciar a mesma
ao Desgoverno. Uma barbaridade.
Em outra carta o
leitor elogiava o Ministro da Instabilidade porque este conseguiu
aprovar por unanimidade a lei que confirmava que não é necessário casar para
fazer uma família e que qualquer união era legítima, bastando serem dois
humanos, não havendo limite de idade ou qualquer outra restrição. Aborto e
divórcio eram uma escolha individual.
Honorato Honesto,
meio tonto, pensando estar bêbado, ligou o computador, e em sites diversos
entrou em contato com mais artigos. Num site denominado, “Democracia é só a
minha”, o autor homenageia os representantes do povo que foram eleitos para
fazer a revolução necessária e libertária, dizendo que aquilo nem revolução era, pois reconhecia a vontade popular antes
reprimida e punida; cita frases de um assessor do Ministério da Instabilidade
que diziam que o novo Governo do Desgoverno não é protetor de nenhum cidadão;
acabou o paternalismo. No Desgoverno, o objetivo é dar liberdade total e absoluta para o
cidadão, para que ele num estado
libertário atue de acordo com seu ego e natureza humana, contribuindo
para a Receita que dará fundos aos eleitos. Os Governos do Mundo do Antes por
séculos gastaram trilhões querendo controlar a população, podando a sua
natureza e coibindo o ego. Ora, já estava na hora de acabar com isso e libertar
os humanos das correntes da moral e da ética. Nada disso vai se repetir agora,
pois aquele entendimento não deu em nada; gastaram bilhões em Segurança
pública, Justiça, Polícia, Ministério Público, órgãos de controle e
fiscalização, o que não deu em nada, só abarrotou a Justiça com milhões de
processos e colocou na cadeia milhões de pessoas, sempre poupando os mais influentes
e ricos. Seria uma irresponsabilidade continuar com tudo aquilo. Como diz “quem
se afunda no passado, não vê o presente e perde o futuro. “ É da essência do
Governo do Desgoverno liberar tudo, deixar a população viver conforme suas
vontades e desejos. Cabe a cada um se defender, ser experto e sobreviver”, é a
lei da vida, por que contrariar? Assim é
privilegiada a inteligência de cada Ser. Ora, já foram até implantados prêmios
escolares e municipais de concursos educacionais de como ganhar a vida sem
trabalhar, tirando vantagem de tudo. Há em andamento projetos executivos de
revisão da História para inclusão, nas biografias de políticos famosos, de seus
golpes mais famosos, como conseguiram o Poder, como sobreviveram e tiveram
sucesso, e também sobre as grandes estruturas criminosas em que participaram.
Chega de hipocrisia, temos que admitir a verdade e consagrar os vitoriosos pelo
seu curriculum verdadeiro. É assim que neste Desgoverno popular, qualquer cargo
ou posição no Desgoverno dá direito livre a negócios particulares e escusos e é
mesmo ação entre inimigos. O interesse privado torna-se público quando a pessoa
é eleita e isto lhe garante o sucesso e o passaporte dourado, o carteiraço
ilimitado. Ademais, é lícito e de bom
tom criar dificuldades e vender facilidades como estilo gerencial. Segurar
processos, esconder carimbos, protelar atos para se valorizar e exigir recursos
para a devida agilização. Nem se fale em combater lobistas, pois, esses têm o
direito pago a ter acesso direto na redação final de decretos, resoluções, leis
etc. No exercício de qualquer cargo em repartições públicas, o titular pode dar
emprego a toda sua família até o 3ºgrau, sem ser incomodado por tal ato.
HoHo, voltou então ao
rádio. Ali escutou a Ministra da Esperteza, criticando o sistema
educacional, o qual, ao ver dela, estava muito lento em educar, novas gerações,
já que o país, sob o novo gerenciamento, tinha sido divido em Estado do Sul,
Estado do Norte, do Leste e do Oeste. Quatro Estados para simplificar a burocracia
e dar agilização à ganância e poder de enriquecimento. O Presidente do país usa
os Estados como Ministérios seus, mas as crianças ainda não tiveram esta noção,
porque os livros escolares estão atrasados na sua publicação porque o redator
oficial era honesto e foi preso, tendo queimado todos os originais. Isto
ocasionou um dano à revolução do Desgoverno. O seu Ministério, o da Esperteza,
para suprir a falta dos livros, elaborou cartilhas e distribuiu às escolas para
disseminar o exercício livre da pilantragem. O entrevistador da Emissora,
disse:” O novo Governo do Desgoverno, a cargo da turma do morro das Enchentes,
financiado pelo tráfico de pedras e madeiras, ganhou as eleições com 80% dos
votos, perguntou: como é que a Sr.ª vai medir a esperteza ou pilantragem? A
Ministra respondeu que seria fácil, pois bastaria ver o número de pontos de
cada cidadão na Receita. Quantos mais pontos, mais pilantra, mais ganhos
pessoais. O entrevistador polemizou: “mas os computadores da Receita não podem
ser objeto de invasão todo dia e a pontuação não é fraudada? A Ministra
replicou, sim, é verdade, mas vale a pontuação de 3 dias atrás, já consolidada,
portanto, isenta de atualizações fraudulentas, ademais é lícito, como regra,
invadir sistemas de computador. Ora, é da essência do Desgoverno, estimular a
pilantragem, a esperteza, pois tal filosofia faz com que cada cidadão fique
mais alerta, ligado, para não ser enganado; isto estimula o discernimento
pessoal. Todo ato como furto de coisas e dados revela esperteza, sagacidade,
agudeza de espírito, disposição para participar da vida social. O entrevistador
perguntou se ela teria algum problema por ter criticado outro Ministro, ao que
a Ministra disse que é bom o fogo amigo para aperfeiçoar o Desgoverno. Ademais
ninguém é amigo de ninguém, já que todos são “migos” e interesseiros
situacionais.
Já sonolento e na
dúvida, Honorato Honesto, pensou estar sonhando, e para confirmar telefonou
para algo real, a empresa. O guardião atendeu e informou que a empresa não
existia mais, ele estava ali por acaso para furtar alguns objeto que haviam
sido esquecidos por um tal de Honorato Honesto, o único funcionário que havia
escapado da prisão, por estar doente. HoHo desligou o telefone e sabendo que
não estava sonhando, ligou a TV novamente. Já era 4 horas da manhã e ainda
havia noticiário e entrevistas. Era a vez do Ministro da Descura, que
falava de sua ação no campo da saúde, a qual não era mais problema público, mas
individual, tanto que nos projetos arquitetônicos já era obrigatória a inclusão
de quartos de UTI para tratar os vitimados do Covid 29 e suas variações.
Caberia ao Desgoverno só o regramento de uso e a venda de medicamentos e
aparelhos ao preço que titular da pasta fixasse. Hospitais públicos etc. eram
usados só para depósito e pontos de venda, sendo permitida a venda de remédios
falsificados, aparelhos e instrumentos já utilizados, vacinas vencidas etc.,
cabendo ao adquirente reclamar ou não. Nas UTIs, todas privadas, os médicos
podem prolongar tratamentos pelo tempo que desejarem a critério dele e do
paciente ou família. Qualquer estudante da área de saúde pode atuar como médico
cabendo ao paciente analisar sua capacidade. Em casos de epidemias e pandemias
como as já em curso, cabe a cada cidadão cuidar-se. Não há vacinação pública.
Vale a máxima natural das espécies, só os mais fortes sobrevivem. No mesmo
sentido não há mais as cansativas e monótonas campanhas de conscientização
contra o tabaco, drogas e bebidas. Cada um deve se determinar e escolher seu
caminho. Chega de querer controlar o cidadão, se ele beber e dirigindo causar
um acidente, pode vir a matar e/ou morrer, foi sua escolha e seu destino; era
para acontecer. Sua alma estava programada para isto. Não cabe ao Estado
intervir em desígnios dos cidadãos. Todavia cabe ao Estado com o apoio dos
meios de comunicação criar luzes falsas no túnel para dar esperança.
Já estava para nascer
o novo dia e Honorato Honesto ligou o rádio novamente para ver se seu programa
matinal ainda estava no ar. Triste esperança, o programa agora chamava-se “O
Dia da Confusão” e o apresentador convocava os ouvintes a ouvir o hino do
Estado do Sul, intitulado “Corruptos acima de tudo” tocado com gaita e cantado
por alunos do Colégio Geração do Futuro “. Depois sucederam-se várias mensagens
todas sensacionalistas e negativas, para despertar a população. Entre elas “
não se preocupem, nada vai dar certo” . Logo a seguir, uma entrevista com o Ministro
da Ganância, o qual falou sobre a liberdade do comércio eletrônico, onde
não é admissível a acusação de fraude, pois o cidadão experto é que deve saber
comprar. Se comprou e não recebeu, já foi, culpa do comprador. O cidadão
preparado pelo sistema educacional deve estar capacitado a enganar e não ser
enganado. Nesse sentido, cada centro de venda pode colocar um preço no site ou
prateleira e outro no sistema do caixa, valendo o menor, só quando o comprador
notar e reclamar. A propaganda tem que ser sempre enganosa e tendenciosa para
treinar o discernimento das pessoas, pois o cidadão tem que permanentemente ser
colocado em prova, é o sistema da vida. Aliás, há um projeto para ser aprovado
que se refere à punição dos enganados, os quais seriam multados mensalmente.
Num Estado só há logros se houver logrados. Mas o logrado pode ser um treinador
que pode ser isentado de multa, se tiver curso para tal, pois, estaria atuando
como estímulo aos estudantes e cidadãos.
O Ministro da
Ganância, o mais popular entre todos, ressaltou que bares, hotéis e
restaurantes e clubes de futebol e o comércio em geral não precisam mais atuar
na lavagem de dinheiro, eis que já há, dentro do sistema econômico, locais
específicos para tal atividade e que basta o pagamento de uma taxa extra que
iria direto para o Banco dos Ministros. Isto eliminou todo o aparato caro e
milionário que o Estado possuía para localizar atos fraudulentos sonegadores. A
economia já é de milhões. Aliás, em processos policiais já é lícito às partes
mentir e negociar, sumir com folhas do processo, negociar com o escrivão e
tiras, pois todo crime era de caráter privado, portanto, totalmente negociável.
Isto acabou com a realidade secular de que pessoas de posses nunca iam para a
cadeia. Tudo agora sendo privado, as partes poderiam negociar o processo à
vontade. No Estado, só havendo interesse privado, cabe aos cidadãos fixar seus
conflitos. Deu-se um basta a toda aquela engomação de interesse público, que
era cara e supervalorizada. Aliás, depois da anistia geral e irrestrita de
todos os apenados do país, nenhum dos antigos criminosos tornou-se honesto,
fato que acarretaria sua expulsão do Estado ou prisão temporária nas
delegacias, já que os presídios deixaram de existir.
A nível corporativo,
cada empresa era o reflexo do que ocorre com o indivíduo no Estado, pelo que
cabia a cada empresa o que coubesse a cada cidadão em direitos e deveres. A
empresa poderia agir como um único cidadão, podendo fraudar e furtar. Se suas
cargas são roubadas, cabe a ela ir atrás e recuperá-las e assim por diante.
Corromper e ser corrompida são atos normais da vida. A empresa era como uma
pessoa física, nãopodia mais se esconder atrás da antiga pessoa jurídica.
Um ponto ainda a
destacar é que não há mais direitos a patentes, invenções e direitos autorias,
sendo que o plágio e a pirataria são livres. Muitas leis estão sendo passadas
sem que a população reclame, pois é criar factóides e bois de piranha para deixar o gado passar.
Com o nascer do dia,
Hoho foi chamado pela esposa para tomar café e à mesa arriscou perguntar a ela
sobre o destino que haviam tomado seus amigos e ficou sabendo que todos haviam
fugido para a marginalidade. Então, perguntou como sua esposa e filhos haviam
sobrevivido; ficou sabendo, que durante sua internação, que recebiam pequena
ajuda em dinheiro e comida de entidades secretas de sobrevivência, todas
escondidas nas vilas. Perguntou que destino deveriam tomar ele e a esposa, e
ficou sabendo que deveriam na próxima noite deixar a moradia e refugiar-se em
algum morro, esperando a oportunidade de emigrar, pois se ficassem seriam pegos
pela polícia em suas rondas à procura dos raros honestos que ainda estavam
escondidos pelo Estado. Com tudo que viu e escutou, HoHo sabia que tinha visto
só uma ponta do iceberg e que o retrato da sociedade nova era muito maior e
muito mais complexo. Nem queria perder tempo imaginando todos os demais setores
da sociedade, onde agora deveriam imperar a má-fé, o mau caráter, a falta de
ética, a esperteza e a estimulada pilantragem.
Honorato Honesto
reagiu de modo resoluto e decidiu que iriam para o morro, mas não emigrariam,
pois, iriam iniciar um grupo de reação até que por meio de revolução tudo
voltasse ao Mundo do Antes. Naquela manhã, não muito longe dali, a polícia já
preparava a operação da madrugada, para prender Honorato Honesto e sua família,
pois algum vizinho já havia denunciado sua volta do coma, já que denúncias
davam créditos junto ao Poder. Todavia, Honorato, ao final da conversa com a
esposa, arrumaram suas coisas e iniciaram a fuga para algum local desconhecido.
Foi talvez o último honesto a desaparecer com sucesso. Certo é que meses após
sua fuga, começaram a surgir estações de rádio e jornais do “underground”,
tentando minar o “establishment”, no entanto, poucos eram os ouvintes, raros os
leitores, mesmo que as mensagens fossem vistas como programa cômico.
Honestidade, ética, moral, boa-fé, já estavam no vocabulário arcaico e causavam
gargalhadas pela cidade e Estado. Era comum ler notícias policiais sobre
pessoas, que após ler tais jornais ou ouvirem os programas de rádio terem sido
tachadas de simpatizantes e terem sido presas, por não terem gargalhado
suficientemente.
Em países do
exterior, havia um pasmo geral, uma indagação comum: como uma terra havia
chegado a tal utopia? Que forças ali haviam sido reunidas para construir tal
realidade social tão amplamente aceita.
E um dia saiu em
letras menores no New York Times, que Honorato Honesto, último líder da
resistência honesta, fora preso ao tentar vender, de madrugada, seus jornais em
uma casa de repouso para cidadãos da terceira idade. E mais, Honorato
rendeu-se, tendo dito à imprensa o que achava,mas nunca mais foi achado.
E os psiquiatras,
filósofos e psicólogos se perguntavam como uma sociedade de pessoas toscas,
analfabetas, inflexíveis, conservadoras, intolerantes etc., passou a ser
liberada e feliz. Teses surgiram, uma delas defendia que forças sociais
iniciadas há várias décadas e até séculos vinham preparando o caminho para que
cada indivíduo vivesse pela sua natureza, liberando o ego e vivendo seu
individualismo animalesco sem restrições. O descaso com a Educação formal havia
sido sistemática e planejada. Nada controlava mais os jovens e novas gerações,
de modo que a única alternativa foi soltar o gado no pasto. É que desde 1960,
passando por 1968, o movimento hippie etc., forças externas já vinham fazendo a
cabeça da juventude, a qual passou a não querer acumular nada, a não estudar, a
não se dedicar a nada, a não casar e fazer família, repudiando todos os modelos
do mundo formal com claro e silencioso protesto ao sistema, o qual julgavam ser
autoritário, elitista e ultrapassado. O Governo e as autoridades viviam para si
mesmo e seus negócios num mundo fechado, onde a corrupção e a fraude eram o dia
a dia e afastavam os jovens que demonstravam desinteresse crescente pela
política e coisas públicas. O Governo já vinha se afastando do povo há
décadas. Já havia escassez de políticos
que se interessassem pela causa pública; o interesse eram mesmo usar o Governo
para enricar e se fazer; a grande maioria queria um cargo para fazer seus
negócios. Na economia tudo era golpe. Parecia que a Pátria não tinha pátria. As
decisões do Poder Judiciário deixavam o povo confuso e na classe jurídica a
vontade era rasgar o diploma todo dia. No geral, havia uma exaustão do sistema
e estava aberto o caminho para a desconsideração, tendo o povo e a juventude
começado a viver de costas para o sistema num ambiente de despreocupação,
impunidade e alienação total. O Governo do Mundo do Antes já havia perdido o
controle e não conseguia reprimir a antiga criminalidade, a qual era comandada
de dentro dos presídios. Então, a solução foi mesmo soltar as amarras e deixar
esta parte dos humanos aqui viver sua selvageria. Foi econômico e respeitou a
natureza humana. Era a liberdade que os libertários tanto desejavam. Enfim, o
Estado caótico, anárquico e feliz.
E assim foi que após
uma noite de intensivo trabalho no Hospital na UTI, um enfermeiro disse: “o paciente 34.599, leito
UTI 2020, Honorato Honesto, parece estar fazendo caretas. Acho que está
sonhando. Vamos chamar o médico, acho que ele está voltando do coma!” E foi o
que aconteceu, Honorato Honesto, acordou efetivamente de seu coma e de seu
sonho ruim.
Ao acordar disse
“acho que vi o futuro”. Ninguém dos médicos e enfermeiros entendeu a frase.
HoHo só escutou de um enfermeiro “acho que o cara está piorando. “ O médico
respondeu” vamos aguardar 36 horas. Deem a ele mais um sedativo para ver se o
sonho acaba! Afinal, quem se interessa pelo futuro e quem daria explicações ao
Ministério da Descura?”.
Odilon Reinhardt.
3.12.20