quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Uma ficcão: Covid-2029 e o avesso da Realidade.

 

 








                      Uma ficção: Covid-2029 e o avesso da Realidade.

  

                                         Onde estão, foram, onde estão?

 

 

Os colegas do escritório,

os “migos” da repartição,

os do consultório?

 

Onde estão os parentes,

os familiares, e os  que pensávamos

serem mais frequentes?

 

Quem telefonou,

quem mandou mensagem,

quem contatou?

 

Quem se importou,

quem se comunicou,

quem restou?

 

Poucos, ninguém alguém?

Ninguém ligou. Alguns ?

Quem lembrou de quem?

 

 

 

                                             Desafio de cada um.

 

 

Ou ficamos pensando,

refletindo, meditando,

observando ou

deixamos a vida ir fugindo,

indo, sumindo,

fluindo.

 

Ma sé mesmo tentador não arriscar

a esperança de ver:

um indício que fale do amanhecer;

uma amostra do que pode ser;

um pequeno exemplo do que acontecerá;

uma mostra de como acorrerá.

 

Algo que revele como a vida fluirá,

que represente como o dia surgirá, 

que indique como o novo tempo chegará,

que exemplifique com a existência prosseguirá,

que demonstra com o futuro ocorrerá,

que diga de como a evolução fluirá.

 

É mesmo  desafiador não esperar que :

a rotina deixe de ser anormal,

o caminho volte a ser especial,

a manhã seja afinal

o que era antes e seja um sinal

de vida normal.

 

Sonhar e imaginar,

refletir e pensar,

desafiar e persistir

esperar e aceitar,

perceber e sentir

melhor viver e conviver. 

 

Por enquanto é o que resta:

paciência e persistência,

preservação  da essência,

manter a cadência,

observar e perceber com frequência,

buscar mais consciência.  

Odilon Reinhardt.

 

                                                 2ª Onda.

 

 

 

Assim denominaram

a “volta” do vírus

que nunca partiu e nunca venceram.

 

Inverno em algum lugar novamente;

o tio Covid fica raivoso,

vem para cima da gente.

 

O humano esboça reação,

melhora protocolos de tratamento,

procura reduzir mortes com tal ação.

 

Médicos e enfermagem,

heróis do ano,

alavancaram a imagem.

 

Mas o tio apresenta-se

incontrolável, impiedoso,

parece pressentir o “ vacine-se”.

 

A ciência humana se esforça,

progride , quer vencer,

combater o vírus com sua força.

 

Por enquanto , muita despesa,

menos receita, mais esperança,

o vírus coloca as cartas na mesa.

 

Sonha a Humanidade,

quer o normal antigo,

a velha realidade. 

 

Sonha o humano,

quer ficar e sentir-se livre,

quer viver sem medo no próximo ano.

 

Vontade , desejo que se unem,

fazendo parte do conjunto ilusório,

com o qual o humano se mantém.

 

A luta é para sobreviver,

derrotar um vírus matador,

que reluta em desaparecer.

 

Tirano mutante,

invisível , impossível, mas limitado

 perante a ciência em levante.

 

Única esperança real

que poderá trazer a solução,

uma vacina contra o vírus mortal.

 

Depois da vitória,

cada sobrevivente terá para o que olhar

e repensará sua própria história? 

 

Por enquanto o humano

só conta com sua máscara e distanciamento,

para se defender do tirano.

 

Cada dia é sorte,

cada hora é destino,

e o minuto o norte.

 

O vírus não conhece nada

de números e ondas,

tem sua trajetória traçada.

 

E nada garante

que 2021 não será 2020,

muito cansativo, estressante.

 

Odilon Reinhardt.   

 

                                         Tio Covid, o político.

 

Ora, ora!

Tio Covid abrasileirou-se,

entrou no jogo da hora!

 

Virou político,

deu uma pausa para as eleições,

fez acordo apocalíptico.

 

No período antes das eleições,

reduziu suas investidas,

controlou suas intenções.

 

Mas um dia depois do resultado,

Tio Covid veio com tudo,

com força na 2ª onda. Inusitado?

 

Ora, ora!

Quem diria!

Tio Covid é político, sua face nem cora.

 

Pelo menos é o que a TV mostrou.

Com tal manipulação,

viu-se o Brasil com a cara que restou .

 

A questão é qual o teor do acordo feito,

quem pagará seu custo,

o que será desfeito?

 

Mostrar  que : o povo aceita tudo,

a TV é mesmo um instrumento de pão e circo,

que o povo paga e fica mudo?

 

Se um elefante dá show no rodeio,

por que um país não pode ser domado

e colocado de palhaço no picadeiro?

 

Números, casos, muita morte,

estatísticas, média de mortes, gráficos,

qual a verdade desse norte?

 

 

                                            Humanos. Pensantes. 

 

 

Animais pensantes,

com suas bondades e maldade,

seus aspectos chocantes e interessantes.

 

Suas construções,

tentativas de eternizar-se, dominar o Planeta,

a Natureza e suas manifestações.

 

Dilemas, enigmas, mistérios,

a ciência como arma,

e até agora muito cemitérios.

 

Crenças, crendices , seitas,

cerimônias, teses, temas e ideologias

para dividir e fazer pessoas insatisfeitas.

 

Rumos, caminhos, destinos,

ditados pelo ego,

humanos e seus tinos.

 

Igualdades, diferenças,

classificações e estatísticas,

jogos de poder, política e ofensas.

 

Ameaçados, punidos, temidos,

ainda não entenderam nada,

estão sendo atacados por seres desconhecidos.

 

O planeta azul está em guerra,

e os humanos continuam cegos,

com seus egos numa estupidez que não se encerra.

 

Orgulho, ciúme, vaidades em pretensões,

como formigas no interior da terra

sem saber da enchente e dos trovões.

 

Os invisíveis se aprimoram

vão vencendo o humano no pessoal e no coletivo,

a depressão e as doenças microscópicas nele habitam.

 

Ainda não entenderam nada,

não se conhecem, seguem animais,

pensam; no que pensam enquanto manada?

 

Apesar do progresso material, vale o instinto, o fisiológico;

o coletivo é tosco e cego;

a lógica encontra o campo do ilógico.

 

A individualidade não reflete a coletividade,

psicanalistas e filósofos focam o individual,

mas são incapazes de explicar a massa e sua realidade.

 

A unidade não faz o todo,

não há sinédoque possível,

a manada procura e afunda-se no lodo.

 

O Planeta azul e sua população,

a Natureza versus a Humanidade no Espaço;

e o humano perdido diante da solidão.

 

Há resistência quanto a atitudes de união:

fraternidade, solidariedade, igualdade,

são vistas como a própria perdição.

 

Dúvidas, incertezas, erros e acertos, difíceis lições,

aprendizagem lentíssima,

talvez progresso intelectual só em futuras dimensões.

 

E assim seguem os humanos ,

unidos e oprimidos por sistemas do fazer e do produzir,

desunidos quanto ao tratar a vida em si e seus planos.

 

Odilon Reinhardt

 

 

 

                                         A odisseia dos tontos-alegres.

 

 

 

Mas não é a desconsideração

uma atitude coerente

com o que vemos na Nação?

 

Individualismo, ansiedade,

fisiologismo, contrariedade,

pragmatismo, uniformidade.

 

Indiferença e cretinice,

ações e reações do egoísmo,

verdades atuais na planície.

 

Analfabetismo e alienação,

orgulho e vaidades,

esperança e ilusão.

 

Humanos indiferentes à pandemia,

em arrogância, creem-se imunes,

desfilam na sorte do dia.

 

Quem vence esta manada,

que está acima do destino,

e mimada pensa ser bem aventurada?

 

Resistentes sem máscara,

nada de afastar-se ou isolar-se,

um ar de idiotice na cara.

 

“Super-heróis “ em protestos na rua,

contra o Governo que dizem autoritário,

pregam a democracia na versão só sua.

 

Indiferentes  ao Próximo;

vale o umbigo, cegos , inconscientes ,

cada um pode ser o próximo.

 

A saga dos cretinos e tontos.

O Homem Aranha vencerá o vírus,

a Mulher Maravilha vencerá outros tantos?

 

Como soberanos da inconsequência,

assim seguem os bobos e alegres em sua euforia,

em sua diária odisseia de dissidência. 

 

Odilon Reinhardt.

 

 

                                                 Novas exigências.

 

 

A Pandemia exige nova rotina,

home-office, afazeres domésticos, novas regras,

a realidade dura fica atrás de cada cortina.

 

A vida tão cosmética

confunde-se com o trabalho ou a sua ausência,

faz da mistura uma novidade doméstica.

 

Talvez seja realidade transitória,

talvez perdure,

seja ou não seja só uma página da História.

 

Na nova vida tão de casa,

muitos participam, outros tantos são excluídos,

o horizonte vai agora só até a janela de casa.

 

O mundo vai ficando mais restrito,

vai se acentuando o fracasso na lista de relacionamentos;

festas, aniversários , tudo fica bem mais contido.

 

O humano desiste da saudade,

abandona mensagens e e-mails, não responde a nada;

o que importa é o umbigo na nova e difícil realidade.

 

E o umbigo arde de medo, está sensível;

exigir ser lembrado passou a ser demais,

é ato até extra-humano e incompreensível.

 

Os humanos se afastam,

vão se habituando com isto,

novas exigências os tomam.

 

E assim vão as pessoas pandêmicas em cada dia,

vão ficando longe, arredias, esquisitas;

revela-se quem é quem nesses dias de Pandemia.

 

Muitas pessoas são levadas a falhar

no teste humano de relacionamentos

e certamente as consequências vão enfrentar.

 

Como será o Depois em seus relacionamentos?

Os amigos terão se tornado simples “migos”?

Serão novos os afastamentos e isolamentos

 

Odilon Reinhardt.  

 

                                      A ficção: O avesso da realidade.

 E nem era um dos dias da época do Covid. Era um dia comum no Hospital e aconteceu assim. Na UTI, leito nº 2020, aconteceu assim.

 

“Honorato Honesto estava em sua rotina. Era o ano de 2030. Ao final do dia, resolveu fazer uma parada, num bar de “happy-hour”, onde encontrou amigos do trabalho e outros tantos do bairro. Bebeu pouco, socialmente, mas passou mal. Coma diabético. Levado ao hospital “Solar da Entrada Certa para o Além”, entrou em coma profundo, tendo permanecido neste refúgio existencial, por 3 anos. Um dia acordou, como se nada tivesse acontecido. Recebeu todas as respostas e uma semana depois saiu do hospital como um cidadão normal. Acompanhado pela família chegou em casa. Passada a euforia do retorno, começou a observar que o mundo havia mudado. Era o mundo ao avesso. Era a nova normalidade, após tantos anos de epidemia com novas versões do Covid. Um mundo liberado totalmente. Perguntando a sua esposa do que se tratava esta nova época; recebeu a resposta de que a família estava sendo perseguida, seus filhos maltratados na escola. A esposa, de cabeça baixa, confidenciou que eles haviam falhado na educação das crianças, pois nada do que haviam ensinado servia agora. Na realidade era uma família apontada como honesta, com filhos instruídos com princípios e valores do Mundo de Antes, portanto, fora do novo contexto, pois agora valia o Mundo do Depois, onde todas as exceções passaram a regra e as antigas regras haviam sido colocadas na ilegalidade, podendo sua prática ser objeto de acusação grave. O novo “establishment” era o avesso de tudo, pois passaram a valer regulamentos aleatórios, retóricos, válidos de acordo com o vento da política do momento, portanto, com eficácia mutável no dia, prevalecendo o que e para onde o analfabetismo levasse. Assim, o Mundo do Depois era baseado em regras que valorizavam o ganha-ganha, a vantagem, o mau-caráter, a má-fé, etc.

Honorato Honesto, desejando confirmar essa realidade resolveu não dormir e passar a noite se atualizando. Ligou a TV e logo escutou o noticiário, onde, com ouvidos arregalados entrou em contato com inusitadas imagens e narrações, com a seguir: O Ministro da Popularidade veio a público dizer que não havia problema algum com o aumento das despesas do Governo, pois toda ela já era custeada por 10% do produto do que antes se considerava crime no país e como o aumento da nova realidade era uma realidade, os que antes eram chamados de criminosos, agora contribuintes, já recebiam incentivos com desconto no IR; ademais, fraudar e furtar já eram desejos e costumes aceitos no seio da população, sendo que os antigos criminosos estavam satisfeitos com o sistema de pontuação da Receita, a qual lhes garantia imunidade e privilégios anuais não só perante o sistema tributário como também perante a Polícia. O ministro asseverou que pela lei atos criminosos era agora de utilidade pública, pois aumentavam a tributação substancialmente. Tanto que já há no Parlamento Estadual um projeto para instituir um anual e permanente concurso de pontuação para, no dia do Natal, premiar o melhor e mais prestigiado benfeitor público, isentando-o do pagamento de qualquer imposto e concedendo-lhe imunidade anual no caso de eventual prática de “crimes” comuns como a prática de bondade, respeito ao Próximo e prática de atos inafiançáveis como os morais e de bons princípios do Mundo do Antes.

E na TV, Honorato Honesto ainda meio tonto, pensando estar bêbado, escutou o âncora de TV complementar que o projeto certamente seria aprovado, consagrando a regra de que “ladrão que rouba ladrão, tem 100 anos de perdão”. Seria um ato de reconhecimento dos “bons” brasileiros que diariamente furtam e fraudam, engrandecendo o país e um devido ato de desmotivação para os honestos, pessoas do Mundo do Antes, que ainda teimavam em praticar o Bem e viver pela Bondade. Cabe à polícia caçar estes facínoras que só davam péssimos exemplos às novas gerações do Mundo do Depois. A missão da polícia é sempre honrosa enquanto caça os desajustados, os honestos, que não aceitam as novas leis do Estado. E acrescentou que na semana passado fora sancionado pelo Presidente do Estado a Lei de Desterro para os honestos pegos pela polícia, que agora são expulsos conjuntamente com sua família, para fora do Estado, não podendo residir em nenhum outro a não ser que assinem termo de desonestidade e não infrinjam a lei novamente; condição que pode lhe dar o privilégio de pertencer como sócio aspirante nas sociedades de golpistas, estelionatários, vigaristas e bandidos em qualquer cidade desde que ali frequentasse os cursos diários de atos benevolentes, sempre ressaltando que o crime é virtude e compensa e provem anualmente, a través de atos concretos, que não são mais honestos.

Honorato Honesto, vulgo HoHo, gerente da firma Aux Vulgoney for Latin America”, no intervalo entre um noticiário e outro, viu anúncios de novas leis que deveriam ser sempre lembradas como a aquela pela qual o Governo virara Desgoverno, que a liberdade animalesca do cidadão era inatingível pela lei, que toda exceção agora era regra, que o que era crime agora era virtude, que a mentira era obrigatória e tida como item interestadual e item de incentivo ao uso do discernimento de cada um. Eram cláusulas pétreas.

Seguindo no mesmo noticiário, o Ministro Estadual da Mentira anunciava que havia baixado uma portaria para que cada escola fosse financiada pelo caixa dois dos pais integrantes das associações de pais e mestres e que nas escolas fossem tomadas providências para que os alunos com eventuais ideias honestas vissem que todas elas morreriam na solidão de suas mentes, já que não seriam jamais aceitas no mundo real. Ressaltou que os professores deve sempre lembrar aos alunos que o corrupto é tido como herói nacional e cada aluno pode no futuro ter a chance de ser escolhido o corrupto do ano, capaz de ser agraciado com o Prêmio Estadual do Arquigolpista, da Ordem Nacional dos Logros. Por isso, é importante que o Ministro da Enganação Intelectual seja competente na orientação às escolas e ensine as novas gerações a adquirir as regras básicas da cidadania que são baseadas no enganar, ludibriar com inteligência. Essa meta estadual tem que estar consolidado antes das próximas eleições, pois, se uma outra quadrilha for alçada ao Poder, não se sabe qual a orientação; não se sabe, se darão ênfase ao furto e corrupção ou se vão trazer alguma metodologia nova no campo. O atual Desgoverno tem por lema incentivar gerações de pilantras, golpistas que saibam se defender na vida. Graças que a época dos bobos bem feitores e bem educados do Mundo do Antes já está sendo eliminada.  Doravante ninguém vai entrar na Faculdade sem provar que furtou pelo menos uma loja ou fez um golpe virtual. A tese de conclusão de curso versará sempre sobre estruturas de lavagem de dinheiro e “propinoduto”. A melhor tese receberá premiação e o agraciado terá dois meses de aprimoramento gratuito na matéria de como montar esquemas de corrupção. O ministro da Mentira encerrou a entrevista desejando a todos uma amanhã de muitas falcatruas e sucesso. Acrescentou ainda que dava todo seus apoio para a proteção dos bebês, crianças até 7 anos e mulheres, pois eram três figuras intocáveis, pois garantem o futuro do Estado. Nenhuma violência contra estas figuras seria tolerada e essa era mais uma das regras pétrea do Estado, não havendo oposição alguma pelas demais quadrilhas. A pena seria de morte sem processo judicial ou recurso, já que todos os Tribunais foram abolidos, prevalecendo a autoridade do delegado de Polícia. Igualmente se diga do ato de roubar, este recebe pena capital imediata e executada no ato do fragrante ou prisão pelo policial ou popular qualquer, pois o ato de roubar vai contra a ideologia de que o ato de enganar e ludibriar tem que envolver inteligência e refinamento. A este ponto Honorato Honesto já estava de madrugada, pegou um jornal de bairro chamado “A Maldade Diária” e começou a ler. Havia um artigo do Ministro da Fraude, dizendo que o Estado havia tido bom sucesso de exportações de ervas alucinógenas e que a Receita estava aumentando a contento. Com a Indústria, Comércio e Fazendas Produtivas do Sul, o Desgoverno estava tendo sucesso. Novas leis e resoluções estavam garantindo que a indústria tivesse bons resultados em fazer cópias de produtos de outros Estados e países; ademais, batizar bebidas, fraudar fórmulas de remédios, falsificar o leite, a gasolina e etc., já eram vontades praticadas no Mundo do Antes. Para garantir bons resultados nenhum produto teria prazo de validade e o rótulo nunca seria preciso e exato quanto aos componentes, sendo lícito constar, por exemplo, que o “presente produto pode ter fungicidas etc. “ HoHo ainda leu na página de esportes que os jogadores teriam que obrigatoriamente tomar anabolizantes e outros medicamentos para aumentar a “performace” e os níveis atléticos do Estado. Aliás, todo o meio é justificado e aceito se o fim é honroso. Isto como lema Estadual.

Na última página do jornal, havia um discurso de posse do Ministro da Desinformação, dizendo que havia aceito o cargo para garantir que toda a mídia só falasse mentiras, institucionalizando o discurso retórico do “se pagar, pegou”; os sofismas eram modelos a serem seguidos, pois sabiam  usar da demagogia, que era encarada como virtude, que dá prêmio de acesso a qualquer cargo público. As redes sociais de qualquer espécie são campo livre para a mentira e vídeos “fake”. Enquanto ele fosse Ministro não caberia à lei ou ao Desgoverno ditar limites ou impedir o exercício da liberdade animalesca do indivíduo. A verdade é aquela que a mídia proclamar diariamente. Na mídia não é tolerada a verdade em nada, o cidadão tem que aprender a pensar conjunturalmente e deduzir se a notícia é ou não verdadeira, inclusive quanto à manipulação de dados. Ademais tudo na mídia é pago pelo interessado e os apresentadores e demais profissionais são meros repassadores de informação, mas com o dever de sempre das opiniões pessimistas e negativas. Vale sempre deixar a audiência  na dúvida, num jogo de bater e assoprar, com informação e desinformação; em discursos deve-se usar vocabulário técnico e próprio de repartições públicas bem como vocabulário com palavras eruditas de uso incomum pela população, sempre procurando o não entendimento; usar neologismos e modinhas linguísticas e sempre em textos na tela a caligrafia errada. Nunca usar o verbo “estar“, preferindo sempre o verbo “tar”, demonstrando sempre estar atualizado quanto aos caminhos do povo.

HoHo voltou para as folhas do meio do jornal e viu que havia uma obrigação de cada cidadão ter um celular com os 2300 aplicativos obrigatórios e que no prazo de 30 dias, o cidadão pego sem tais aplicativos perderia 30 pontos na Receita e deveria pagar multa a negociar com o agente público; leu na sessão de cartas do leitor que um cidadão elogiava o Desgoverno quando reiterava em todos os atos normativos que o cidadão quanto mais hipócrita, egoísta, radical, inflexível, intolerante, fisiológico, pragmático, calculista, frio e individualista, receberia ajuda de custo do Governo, com aposentadoria garantida com o dobro dos valores que desejasse.

Deixando o jornal de lado, HoHo pegou uma revista que estava a sua frente chamada “0 Bom Caos”, com notícias e reportagens sobre a vida estadual. O primeiro artigo era de um jornalista chamado José do Futuro, falava sobre o grande sucesso da lei que havia liberado o uso de drogas sem qualquer restrição. Falava que milhares de atos policiais e judiciais tinham acabado e a economia na área do Ministério da Instabilidade é recorde. Um outro artigo comentava que o Governo do Desgoverno estava acertando em cheio quando liberou geral a atividade política. Na disputa pelo poder passou a ser reconhecida e, portanto, permitida qualquer atitude como se guerra fosse. Ninguém é punido agora por homicídios no campo eleitoral, sendo lícito montar quadrilhas para serem eleitas e tomar conta dos cofres do Governo e ali fazer seus esquemas de corrupção e negócios.  Afinal, foi aceito o projeto pelo qual os partidos políticos seriam totalmente formados por políticos e financiados por caixa dois. Outra fonte de recursos seria a permissão para que os partidos façam pedágios aleatórios em ruas das cidades e estradas para cobrarem taxas de uso e permanência noturna. Podendo montar esquemas de furto de carga e saques a caminhões acidentados etc., como fonte de recursos. E os motivos para ser candidato estariam numa  declaração firmada de próprio punho de ter a intenção de “se fazer”, de enricar, de usar o Poder para dar vazão à megalomania, emulação e esnobismo social, de ficar rico sem trabalhar. Ademais, estas exigências decorriam do princípio declarado em lei de que nenhuma lei pode se opor e criminalizar o livre exercício do ego de cada um e todas suas manifestações, de modo que cada cidadão é livre para viver sua natureza animal. Ideologia que deve ser sempre lembrada e ressaltada, pois toda mentira quando repetida vira verdade.  Depois da adoção dessa realidade sociológica, muito se poupou do dinheiro público em repreensão a crimes na Bagunça Pública. Na mesma revista havia uma sessão de cartas do leitor, em que um pai reclamava que havia sido chamado perante a escola do filho, porque o menino havia falado palavrões como “boa fé”, “Deus te pague”,  “moral”, palavras que integravam a longa lista de termos do Mundo do Antes e que ele,como pai, sentira-se humilhado, pois não sabe de onde o filho tirara tais expressões. E mais, que descobriu depois que o filho tinha lido na casa de um vizinho uma revista do Mundo do Antes. Comunicou à escola, mas o vizinho não foi chamado a responder. Uma injustiça e uma infração à lei que diz que todo vizinho tem que estar alerta para identificar qualquer atitude honesta e sincera, devendo denunciar a mesma ao Desgoverno. Uma barbaridade.

Em outra carta o leitor elogiava o Ministro da Instabilidade porque este conseguiu aprovar por unanimidade a lei que confirmava que não é necessário casar para fazer uma família e que qualquer união era legítima, bastando serem dois humanos, não havendo limite de idade ou qualquer outra restrição. Aborto e divórcio eram uma escolha individual.

Honorato Honesto, meio tonto, pensando estar bêbado, ligou o computador, e em sites diversos entrou em contato com mais artigos. Num site denominado, “Democracia é só a minha”, o autor homenageia os representantes do povo que foram eleitos para fazer a revolução necessária e libertária, dizendo que aquilo nem revolução  era, pois reconhecia a vontade popular antes reprimida e punida; cita frases de um assessor do Ministério da Instabilidade que diziam que o novo Governo do Desgoverno não é protetor de nenhum cidadão; acabou o paternalismo. No Desgoverno, o objetivo  é dar liberdade total e absoluta para o cidadão, para que ele num estado  libertário atue de acordo com seu ego e natureza humana, contribuindo para a Receita que dará fundos aos eleitos. Os Governos do Mundo do Antes por séculos gastaram trilhões querendo controlar a população, podando a sua natureza e coibindo o ego. Ora, já estava na hora de acabar com isso e libertar os humanos das correntes da moral e da ética. Nada disso vai se repetir agora, pois aquele entendimento não deu em nada; gastaram bilhões em Segurança pública, Justiça, Polícia, Ministério Público, órgãos de controle e fiscalização, o que não deu em nada, só abarrotou a Justiça com milhões de processos e colocou na cadeia milhões de pessoas, sempre poupando os mais influentes e ricos. Seria uma irresponsabilidade continuar com tudo aquilo. Como diz “quem se afunda no passado, não vê o presente e perde o futuro. “ É da essência do Governo do Desgoverno liberar tudo, deixar a população viver conforme suas vontades e desejos. Cabe a cada um se defender, ser experto e sobreviver”, é a lei da vida, por que contrariar?  Assim é privilegiada a inteligência de cada Ser. Ora, já foram até implantados prêmios escolares e municipais de concursos educacionais de como ganhar a vida sem trabalhar, tirando vantagem de tudo. Há em andamento projetos executivos de revisão da História para inclusão, nas biografias de políticos famosos, de seus golpes mais famosos, como conseguiram o Poder, como sobreviveram e tiveram sucesso, e também sobre as grandes estruturas criminosas em que participaram. Chega de hipocrisia, temos que admitir a verdade e consagrar os vitoriosos pelo seu curriculum verdadeiro. É assim que neste Desgoverno popular, qualquer cargo ou posição no Desgoverno dá direito livre a negócios particulares e escusos e é mesmo ação entre inimigos. O interesse privado torna-se público quando a pessoa é eleita e isto lhe garante o sucesso e o passaporte dourado, o carteiraço ilimitado.  Ademais, é lícito e de bom tom criar dificuldades e vender facilidades como estilo gerencial. Segurar processos, esconder carimbos, protelar atos para se valorizar e exigir recursos para a devida agilização. Nem se fale em combater lobistas, pois, esses têm o direito pago a ter acesso direto na redação final de decretos, resoluções, leis etc. No exercício de qualquer cargo em repartições públicas, o titular pode dar emprego a toda sua família até o 3ºgrau, sem ser incomodado por tal ato.

HoHo, voltou então ao rádio. Ali escutou a Ministra da Esperteza, criticando o sistema educacional, o qual, ao ver dela, estava muito lento em educar, novas gerações, já que o país, sob o novo gerenciamento, tinha sido divido em Estado do Sul, Estado do Norte, do Leste e do Oeste. Quatro Estados para simplificar a burocracia e dar agilização à ganância e poder de enriquecimento. O Presidente do país usa os Estados como Ministérios seus, mas as crianças ainda não tiveram esta noção, porque os livros escolares estão atrasados na sua publicação porque o redator oficial era honesto e foi preso, tendo queimado todos os originais. Isto ocasionou um dano à revolução do Desgoverno. O seu Ministério, o da Esperteza, para suprir a falta dos livros, elaborou cartilhas e distribuiu às escolas para disseminar o exercício livre da pilantragem. O entrevistador da Emissora, disse:” O novo Governo do Desgoverno, a cargo da turma do morro das Enchentes, financiado pelo tráfico de pedras e madeiras, ganhou as eleições com 80% dos votos, perguntou: como é que a Sr.ª vai medir a esperteza ou pilantragem? A Ministra respondeu que seria fácil, pois bastaria ver o número de pontos de cada cidadão na Receita. Quantos mais pontos, mais pilantra, mais ganhos pessoais. O entrevistador polemizou: “mas os computadores da Receita não podem ser objeto de invasão todo dia e a pontuação não é fraudada? A Ministra replicou, sim, é verdade, mas vale a pontuação de 3 dias atrás, já consolidada, portanto, isenta de atualizações fraudulentas, ademais é lícito, como regra, invadir sistemas de computador. Ora, é da essência do Desgoverno, estimular a pilantragem, a esperteza, pois tal filosofia faz com que cada cidadão fique mais alerta, ligado, para não ser enganado; isto estimula o discernimento pessoal. Todo ato como furto de coisas e dados revela esperteza, sagacidade, agudeza de espírito, disposição para participar da vida social. O entrevistador perguntou se ela teria algum problema por ter criticado outro Ministro, ao que a Ministra disse que é bom o fogo amigo para aperfeiçoar o Desgoverno. Ademais ninguém é amigo de ninguém, já que todos são “migos” e interesseiros situacionais.

Já sonolento e na dúvida, Honorato Honesto, pensou estar sonhando, e para confirmar telefonou para algo real, a empresa. O guardião atendeu e informou que a empresa não existia mais, ele estava ali por acaso para furtar alguns objeto que haviam sido esquecidos por um tal de Honorato Honesto, o único funcionário que havia escapado da prisão, por estar doente. HoHo desligou o telefone e sabendo que não estava sonhando, ligou a TV novamente. Já era 4 horas da manhã e ainda havia noticiário e entrevistas. Era a vez do Ministro da Descura, que falava de sua ação no campo da saúde, a qual não era mais problema público, mas individual, tanto que nos projetos arquitetônicos já era obrigatória a inclusão de quartos de UTI para tratar os vitimados do Covid 29 e suas variações. Caberia ao Desgoverno só o regramento de uso e a venda de medicamentos e aparelhos ao preço que titular da pasta fixasse. Hospitais públicos etc. eram usados só para depósito e pontos de venda, sendo permitida a venda de remédios falsificados, aparelhos e instrumentos já utilizados, vacinas vencidas etc., cabendo ao adquirente reclamar ou não. Nas UTIs, todas privadas, os médicos podem prolongar tratamentos pelo tempo que desejarem a critério dele e do paciente ou família. Qualquer estudante da área de saúde pode atuar como médico cabendo ao paciente analisar sua capacidade. Em casos de epidemias e pandemias como as já em curso, cabe a cada cidadão cuidar-se. Não há vacinação pública. Vale a máxima natural das espécies, só os mais fortes sobrevivem. No mesmo sentido não há mais as cansativas e monótonas campanhas de conscientização contra o tabaco, drogas e bebidas. Cada um deve se determinar e escolher seu caminho. Chega de querer controlar o cidadão, se ele beber e dirigindo causar um acidente, pode vir a matar e/ou morrer, foi sua escolha e seu destino; era para acontecer. Sua alma estava programada para isto. Não cabe ao Estado intervir em desígnios dos cidadãos. Todavia cabe ao Estado com o apoio dos meios de comunicação criar luzes falsas no túnel para dar esperança.

Já estava para nascer o novo dia e Honorato Honesto ligou o rádio novamente para ver se seu programa matinal ainda estava no ar. Triste esperança, o programa agora chamava-se “O Dia da Confusão” e o apresentador convocava os ouvintes a ouvir o hino do Estado do Sul, intitulado “Corruptos acima de tudo” tocado com gaita e cantado por alunos do Colégio Geração do Futuro “. Depois sucederam-se várias mensagens todas sensacionalistas e negativas, para despertar a população. Entre elas “ não se preocupem, nada vai dar certo” . Logo a seguir, uma entrevista com o Ministro da Ganância, o qual falou sobre a liberdade do comércio eletrônico, onde não é admissível a acusação de fraude, pois o cidadão experto é que deve saber comprar. Se comprou e não recebeu, já foi, culpa do comprador. O cidadão preparado pelo sistema educacional deve estar capacitado a enganar e não ser enganado. Nesse sentido, cada centro de venda pode colocar um preço no site ou prateleira e outro no sistema do caixa, valendo o menor, só quando o comprador notar e reclamar. A propaganda tem que ser sempre enganosa e tendenciosa para treinar o discernimento das pessoas, pois o cidadão tem que permanentemente ser colocado em prova, é o sistema da vida. Aliás, há um projeto para ser aprovado que se refere à punição dos enganados, os quais seriam multados mensalmente. Num Estado só há logros se houver logrados. Mas o logrado pode ser um treinador que pode ser isentado de multa, se tiver curso para tal, pois, estaria atuando como estímulo aos estudantes e cidadãos.

O Ministro da Ganância, o mais popular entre todos, ressaltou que bares, hotéis e restaurantes e clubes de futebol e o comércio em geral não precisam mais atuar na lavagem de dinheiro, eis que já há, dentro do sistema econômico, locais específicos para tal atividade e que basta o pagamento de uma taxa extra que iria direto para o Banco dos Ministros. Isto eliminou todo o aparato caro e milionário que o Estado possuía para localizar atos fraudulentos sonegadores. A economia já é de milhões. Aliás, em processos policiais já é lícito às partes mentir e negociar, sumir com folhas do processo, negociar com o escrivão e tiras, pois todo crime era de caráter privado, portanto, totalmente negociável. Isto acabou com a realidade secular de que pessoas de posses nunca iam para a cadeia. Tudo agora sendo privado, as partes poderiam negociar o processo à vontade. No Estado, só havendo interesse privado, cabe aos cidadãos fixar seus conflitos. Deu-se um basta a toda aquela engomação de interesse público, que era cara e supervalorizada. Aliás, depois da anistia geral e irrestrita de todos os apenados do país, nenhum dos antigos criminosos tornou-se honesto, fato que acarretaria sua expulsão do Estado ou prisão temporária nas delegacias, já que os presídios deixaram de existir.    

A nível corporativo, cada empresa era o reflexo do que ocorre com o indivíduo no Estado, pelo que cabia a cada empresa o que coubesse a cada cidadão em direitos e deveres. A empresa poderia agir como um único cidadão, podendo fraudar e furtar. Se suas cargas são roubadas, cabe a ela ir atrás e recuperá-las e assim por diante. Corromper e ser corrompida são atos normais da vida. A empresa era como uma pessoa física, nãopodia mais se esconder atrás da antiga pessoa jurídica.

Um ponto ainda a destacar é que não há mais direitos a patentes, invenções e direitos autorias, sendo que o plágio e a pirataria são livres. Muitas leis estão sendo passadas sem que a população reclame, pois é criar factóides e  bois de piranha para deixar o gado passar. 

Com o nascer do dia, Hoho foi chamado pela esposa para tomar café e à mesa arriscou perguntar a ela sobre o destino que haviam tomado seus amigos e ficou sabendo que todos haviam fugido para a marginalidade. Então, perguntou como sua esposa e filhos haviam sobrevivido; ficou sabendo, que durante sua internação, que recebiam pequena ajuda em dinheiro e comida de entidades secretas de sobrevivência, todas escondidas nas vilas. Perguntou que destino deveriam tomar ele e a esposa, e ficou sabendo que deveriam na próxima noite deixar a moradia e refugiar-se em algum morro, esperando a oportunidade de emigrar, pois se ficassem seriam pegos pela polícia em suas rondas à procura dos raros honestos que ainda estavam escondidos pelo Estado. Com tudo que viu e escutou, HoHo sabia que tinha visto só uma ponta do iceberg e que o retrato da sociedade nova era muito maior e muito mais complexo. Nem queria perder tempo imaginando todos os demais setores da sociedade, onde agora deveriam imperar a má-fé, o mau caráter, a falta de ética, a esperteza e a estimulada pilantragem.

Honorato Honesto reagiu de modo resoluto e decidiu que iriam para o morro, mas não emigrariam, pois, iriam iniciar um grupo de reação até que por meio de revolução tudo voltasse ao Mundo do Antes. Naquela manhã, não muito longe dali, a polícia já preparava a operação da madrugada, para prender Honorato Honesto e sua família, pois algum vizinho já havia denunciado sua volta do coma, já que denúncias davam créditos junto ao Poder. Todavia, Honorato, ao final da conversa com a esposa, arrumaram suas coisas e iniciaram a fuga para algum local desconhecido. Foi talvez o último honesto a desaparecer com sucesso. Certo é que meses após sua fuga, começaram a surgir estações de rádio e jornais do “underground”, tentando minar o “establishment”, no entanto, poucos eram os ouvintes, raros os leitores, mesmo que as mensagens fossem vistas como programa cômico. Honestidade, ética, moral, boa-fé, já estavam no vocabulário arcaico e causavam gargalhadas pela cidade e Estado. Era comum ler notícias policiais sobre pessoas, que após ler tais jornais ou ouvirem os programas de rádio terem sido tachadas de simpatizantes e terem sido presas, por não terem gargalhado suficientemente.

Em países do exterior, havia um pasmo geral, uma indagação comum: como uma terra havia chegado a tal utopia? Que forças ali haviam sido reunidas para construir tal realidade social tão amplamente aceita.

E um dia saiu em letras menores no New York Times, que Honorato Honesto, último líder da resistência honesta, fora preso ao tentar vender, de madrugada, seus jornais em uma casa de repouso para cidadãos da terceira idade. E mais, Honorato rendeu-se, tendo dito à imprensa o que achava,mas  nunca mais foi achado.

E os psiquiatras, filósofos e psicólogos se perguntavam como uma sociedade de pessoas toscas, analfabetas, inflexíveis, conservadoras, intolerantes etc., passou a ser liberada e feliz. Teses surgiram, uma delas defendia que forças sociais iniciadas há várias décadas e até séculos vinham preparando o caminho para que cada indivíduo vivesse pela sua natureza, liberando o ego e vivendo seu individualismo animalesco sem restrições. O descaso com a Educação formal havia sido sistemática e planejada. Nada controlava mais os jovens e novas gerações, de modo que a única alternativa foi soltar o gado no pasto. É que desde 1960, passando por 1968, o movimento hippie etc., forças externas já vinham fazendo a cabeça da juventude, a qual passou a não querer acumular nada, a não estudar, a não se dedicar a nada, a não casar e fazer família, repudiando todos os modelos do mundo formal com claro e silencioso protesto ao sistema, o qual julgavam ser autoritário, elitista e ultrapassado. O Governo e as autoridades viviam para si mesmo e seus negócios num mundo fechado, onde a corrupção e a fraude eram o dia a dia e afastavam os jovens que demonstravam desinteresse crescente pela política e coisas públicas. O Governo já vinha se afastando do povo há décadas.  Já havia escassez de políticos que se interessassem pela causa pública; o interesse eram mesmo usar o Governo para enricar e se fazer; a grande maioria queria um cargo para fazer seus negócios. Na economia tudo era golpe. Parecia que a Pátria não tinha pátria. As decisões do Poder Judiciário deixavam o povo confuso e na classe jurídica a vontade era rasgar o diploma todo dia. No geral, havia uma exaustão do sistema e estava aberto o caminho para a desconsideração, tendo o povo e a juventude começado a viver de costas para o sistema num ambiente de despreocupação, impunidade e alienação total. O Governo do Mundo do Antes já havia perdido o controle e não conseguia reprimir a antiga criminalidade, a qual era comandada de dentro dos presídios. Então, a solução foi mesmo soltar as amarras e deixar esta parte dos humanos aqui viver sua selvageria. Foi econômico e respeitou a natureza humana. Era a liberdade que os libertários tanto desejavam. Enfim, o Estado caótico, anárquico e feliz.

E assim foi que após uma noite de intensivo trabalho no Hospital na UTI, um  enfermeiro disse: “o paciente 34.599, leito UTI 2020, Honorato Honesto, parece estar fazendo caretas. Acho que está sonhando. Vamos chamar o médico, acho que ele está voltando do coma!” E foi o que aconteceu, Honorato Honesto, acordou efetivamente de seu coma e de seu sonho ruim.

Ao acordar disse “acho que vi o futuro”. Ninguém dos médicos e enfermeiros entendeu a frase. HoHo só escutou de um enfermeiro “acho que o cara está piorando. “ O médico respondeu” vamos aguardar 36 horas. Deem a ele mais um sedativo para ver se o sonho acaba! Afinal, quem se interessa pelo futuro e quem daria explicações ao Ministério da Descura?”.

 

Odilon Reinhardt. 3.12.20