Medo
de se expressar.
Não,
esta palavra não,
é
politicamente incorreta.
Não,
esta frase não,
pode
ter alguém contra.
Não
, este livro não,
pode
ter uma palavra, frase de polêmica.
Não,
esta cor não,
mostra
engajamento.
Não
esta camisa não,
pode
levar ao espancamento.
Não,
esta ideia não,
é
de direita, é de esquerda.
Não,
este sinal de mão não,
será
de alguma ideologia.
Não,
este artigo não,
é
muita exposição.
Assim
os poucos pensantes
ficam
ainda mais poucos .
O
medo de ser classificado,
perseguido,
rejeitado, deletado.
Eis
a realidade miúda e graúda,
o
silêncio dos pensantes.
A
mordaça , a censura
a
morte da livre intelectualidade.
Enfim,
o medo de se expressar. O silêncio barulhento no intelecto dos reprimidos, na
realidade feita de pouca leitura e escrita, onde o linguajar desce aos níveis
mais baixos da expressão, tudo para ficar mais democrático e referenciar a
realidade posta. Logo, escutaremos bandos nas ruas perseguindo pessoas e
gritando: “Pega, pega ele pensa e
escreve!” E teremos saudade do “Pega ladrão!.
E
então, alguns persistentes irão, na
calada da noite, nos lugares fechados , escrever sobre o que levou a tal
realidade: o medo de se expressar. Tais grupos subversivos ao mostrar sua intelectualidade
ainda viva, terão, certamente, não impressoras nem picotadoras de papel, mas
incineradoras para consumir seus escritos à mão de imediato.
Certamente,
irão pensar e escrever sobre as deficiências no sistema educacional, sobre o
quanto o sistema educacional falhou em alcançar a maioria dos jovens, de quanto
a situação econômica desestimulou ou
impossibilitou os estudos completos, gerando toda uma realidade em que há falta
de vocabulário, uso de formas de expressão cada vez mais populares como forma
de adequação ao semianalfabetismo
dominante, rebaixamento dos níveis de pensamento e comunicação;
superficialidade nas análises dos assuntos pessoais e coletivos, ausência
de crítica ; conversas mantidas sobre
temas banais ; ausência de linguagem figurada e figuras de linguagem ;
extermínio do uso de conjunções como ligação das ideias; pobreza da linguagem e
construção de frases; predomínio do fisiológico .
Mas
certamente, a tônica dos escritos feitos na calada da noite, abordariam uma
realidade em que o intelectual se sentia sozinho e resentia a falta a
interlocutor, gerando um crescente ambiente de desinteresse em observar, ler e
escrever , já tidas como atividades inúteis perante o avanço da literalidade.
Surgia
o jornalista como escriba de si mesmo, todavia, totalmente alinhado a alguma
tendência ideológica, a mesma do editor responsável a fim de preservar o
emprego ou evitar censura, rejeição e cancelamento. Enfim, o status conquistado
da oralidade dominada por assuntos eleitos por alguns e desconsiderados por
muitos que já desconheciam a possibilidade de debate e participação, pois não
só o medo de se expressar era comum como também a impossibilidade e preguiça em
fazê-lo eram já verdades estabelecidas.
Logo
surgiria o desinteresse em se expressar, participar e criar situações em que
houvesse polêmica e possibilidade de rejeição e cancelamento. Seria perigo de
vida expor-se ao patrulhamento intelectual das anônimas redes sociais que com
caça às bruxas, promovida entre os próprios cidadãos comuns, levaria à
mediocridade do alinhamento com o pensar
do grupo dominante em cada setor de interesse.
Não seria a desobediência civil, mas o abandono intelectual voluntário e
espontâneo como meio de preservação.
No
cenário feito de obscurantismo crescente, já não se perguntaria ao Próximo, o
que pensa, o que e como sente e como a tudo engole. Tampouco haveria interesse
em saber quem são os líderes pensantes para o país e seu planejamento, sempre
usando a TV como meio de implementação sem qualquer filtro. Do interesse
econômico de ocasião e da ferinha receptiva de qualquer bugiganga da moda, tudo
virou aposta com elevada probabilidade e nada disso dar certo.
Com
o fim da escrita e de outros tipos de livre expressão, a liberdade já não é nem
mais um objetivo, mas o cidadão comum já estava bem habituado a seguir o
roteiro fornecido sem questionar.
Na
sequência, o domínio da intelectualidade dominada pela Inteligência Artificial,
que em textos e demais composições, poderá formatar um nova realidade de expressão
e a ela as gerações irão se acostumar, a
redações até que bem feitas, mas terão o elemento humano fornecidos pelos
sentimentos ou será tudo parte de um mundo frio, calculista, uniforme, utilitarista, racional e individualista
seguindo formulários e praxes ? Onde
caberá a arte de escrever e expressar opiniões livremente? Quem ousará compor
um livro fora do padrão que possa existir?
O que será permitido pensar ? Chegaremos ao medo de pensar?
Odilon
Reinhardt -3.12.2024