quarta-feira, 3 de julho de 2024

Abstração.

 





                                                  Abstração.

 

 

   Palavra.

 

Sai cada palavra do dicionário,

para cumprir sua missão,

num trabalho expedicionário.

 

A palavra certa,

acerto de quem a escolheu,

agora vai pela sua aventura incerta.

 

Ser entendida

no geral e no particular

numa individual complexidade.

 

Vai pelas linhas da vida,

pela gramática , pela sintaxe,

dá vida à Literatura nessa lida.

 

Entra na prosopopeia ,

esconde-se na elipse e zeugma,

voa pela névoa da sinestesia.

 

Diz a verdade,

arrepia em mentira,

faz de alguém a realidade.

 

Abre o horizonte,

entrega mais do que o desejado,

faz do conteúdo sua fonte.

 

Carrega significação de objeto cultural,

ressalta o sentido,

cria ação e reação sem igual.

 

Tendo importância maior do que os números,

explica e envolve a todos ,

é invólucro para sentidos inúmeros.

 

Sem palavra , não há vocabulário,

e o entendimento fica difícil,

a abstração fica rara no mundo diário.

Sem palavra o discernimento , a avaliação

fica rala e literal, 

empobrece a população.

 

A qualidade das decisões fica prejudicada ,

o país e seus locais se arrastam na ignorância

e o cidadão de um pais oral tem a mentira por endeusada.

 

A palavra passa a ser objeto de manipulação,

sai do dicionário  com a missão de enganar

e literalmente é aplaudida como oração.

 

Com o rebaixamento da capacidade pensante,

uma linguagem figurada, metafórica, com inversões sintáticas,

mais profunda em verdades, fica ininteligível  e distante.

 

Sem palavras de qualidade ,

os momentos de tempo livre são preenchidos

por alternativas que só geram violência para a sociedade.

 

Abstração?

O que é isto , perguntam alguns.

Deve ser coisa do demo, de gente sem noção. 

 Odilon Reinhardt.

  

Já está muito batido e visível que com o avanço do pragmatismo , utilitarismo, racionalismo e do individualismo tudo vai ficando massificado, rápido, o insensível, robotizado e estreito. Tal pano de fundo para a vida nacional só pode dar o cenário onde se encontram com mais frequência um cidadão menos dado à intelectualidade e honesta espiritualidade, mas uma pessoa atormentada pelas dificuldades materiais, insensível, inflexível, rude de tudo, sem qualquer tempo para abstração e que pouco valoriza os estudos, leitura e escrita, atividades que para ele a nada levam no mundo do fazer, onde está enterrado até o nariz. Enfim, um cidadão seguidor, não um pensador, não um idealizador, nem um cidadão capaz de achar  melhores soluções para sua vida com criatividade.

A abstração é vista, então, como desvio, desconcentração de pessoas desligadas e sem compromisso. Os “ fora da caixinha” como se diz em meios mais pragmáticos onde qualquer ideia diferente ou avançada é contida com a frase mortal “ você está filosofando”. 

Tudo está levando a um cenário onde o cidadão comum  será um campo vasto e fácil para a manipulação pelos meios virtuais de inteligência. Evidentemente, tal montagem não é aleatória e está sendo inculcada no senso coletivo através de mensagens subliminares de baixa qualidade de mensagem positiva e próspera.

E na Educação em casa ou na escola, observa-se uma orientação cada vez menos enciclopédica e mais objetivada à  produção bem enquadrada nos níveis mais baixos onde já há operações para as quais não é preciso nem pensar.

Talvez um treinamento para que as pessoas seguidoras possam ir se acostumando ao real, ao concreto frio e insensível  mundo sem abstração mental e assim já prossigam perdendo a flexibilização de perceber , sentir  e perceber, o que reduz o poder de crítica , a diversidade cultural com sérios reflexos no  discernimento e na literatura , música e etc., mas facilitando a desistência em participar em qualquer parte da democracia mais inteligente.

Com a consequente dificuldade em aceitar a diversidade no pensar, agir e sentir, até o humor fica limitado. Nem se fale em entender a linguagem figurada, as metáforas, as figuras de linguagem e preencher as elipses e zeugmas de textos e discursos. E o que dizer da assustadora falta de vocabulário, falha esta que é preenchida por palavras de baixo-calão, retratando o nível popular da intelectualidade. 

No sistema de rotina que foi imposto às pessoas, tudo passou a ser feito no sistema produtivo rapidamente. O tempo pessoal diminuiu, o indivíduo é levado no torniquete, na bigorna das horas, num processo de lavagem cerebral  e hipnotismo emburrecedor.  Curioso que tudo foi feito para simplificar a vida pessoal, onde as pessoas deveriam ter mais tempo para si , mas o que fazem as pessoas com ais tempo, qual a qualidade de preenchimento desse tempo? Fala-se na Europa em semana de só quatro dias de trabalho.

Se a pessoa não estiver habituada a gerar espaços de abstração e não souber se preencher com algo diletante e de qualidade, a TV, a droga , a bebida , os males da cidade vão tomar conta do seu tempo , certamente medíocre , com a tendência de rebaixamento pessoal. É preocupante, mas e daí ?

Daí que a  realidade começa a ser feita de erros de avaliação, de discernimento às avessas , de decisões estapafúrdias .

A falta de abstração prejudica até mesmo a fé, a religião, a qual torna-se mera adoração, deixando de exercer papel no crescimento espiritual. A população enterra-se no fisiologismo, nas lutas pelo  material , etc. , e o ego domina, originando a violência.

A qualidade dos momentos de abstração do indivíduo comum, dos livres pensadores e intelectuais é que fazem a qualidade do pensamento de um local e de um país.  Segue ....

 

Odilon Reinhardt- 3.7.2024