Abstração.
Palavra.
Sai cada
palavra do dicionário,
para
cumprir sua missão,
num
trabalho expedicionário.
A palavra
certa,
acerto de
quem a escolheu,
agora vai
pela sua aventura incerta.
Ser
entendida
no geral
e no particular
numa
individual complexidade.
Vai pelas
linhas da vida,
pela
gramática , pela sintaxe,
dá vida à
Literatura nessa lida.
Entra na
prosopopeia ,
esconde-se
na elipse e zeugma,
voa pela
névoa da sinestesia.
Diz a
verdade,
arrepia
em mentira,
faz de
alguém a realidade.
Abre o
horizonte,
entrega
mais do que o desejado,
faz do
conteúdo sua fonte.
Carrega
significação de objeto cultural,
ressalta
o sentido,
cria ação
e reação sem igual.
Tendo
importância maior do que os números,
explica e
envolve a todos ,
é
invólucro para sentidos inúmeros.
Sem
palavra , não há vocabulário,
e o
entendimento fica difícil,
a
abstração fica rara no mundo diário.
Sem
palavra o discernimento , a avaliação
fica rala
e literal,
empobrece
a população.
A
qualidade das decisões fica prejudicada ,
o país e
seus locais se arrastam na ignorância
e o
cidadão de um pais oral tem a mentira por endeusada.
A palavra
passa a ser objeto de manipulação,
sai do
dicionário com a missão de enganar
e
literalmente é aplaudida como oração.
Com o
rebaixamento da capacidade pensante,
uma
linguagem figurada, metafórica, com inversões sintáticas,
mais
profunda em verdades, fica ininteligível
e distante.
Sem
palavras de qualidade ,
os
momentos de tempo livre são preenchidos
por
alternativas que só geram violência para a sociedade.
Abstração?
O que é
isto , perguntam alguns.
Deve ser
coisa do demo, de gente sem noção.
Já está
muito batido e visível que com o avanço do pragmatismo , utilitarismo,
racionalismo e do individualismo tudo vai ficando massificado, rápido, o
insensível, robotizado e estreito. Tal pano de fundo para a vida nacional só
pode dar o cenário onde se encontram com mais frequência um cidadão menos dado
à intelectualidade e honesta espiritualidade, mas uma pessoa atormentada pelas
dificuldades materiais, insensível, inflexível, rude de tudo, sem qualquer
tempo para abstração e que pouco valoriza os estudos, leitura e escrita,
atividades que para ele a nada levam no mundo do fazer, onde está enterrado
até o nariz. Enfim, um cidadão seguidor, não um pensador, não um idealizador,
nem um cidadão capaz de achar melhores
soluções para sua vida com criatividade.
A
abstração é vista, então, como desvio, desconcentração de pessoas desligadas e
sem compromisso. Os “ fora da caixinha” como se diz em meios mais pragmáticos
onde qualquer ideia diferente ou avançada é contida com a frase mortal “ você
está filosofando”.
Tudo está
levando a um cenário onde o cidadão comum
será um campo vasto e fácil para a manipulação pelos meios virtuais de
inteligência. Evidentemente, tal montagem não é aleatória e está sendo
inculcada no senso coletivo através de mensagens subliminares de baixa
qualidade de mensagem positiva e próspera.
E na
Educação em casa ou na escola, observa-se uma orientação cada vez menos
enciclopédica e mais objetivada à
produção bem enquadrada nos níveis mais baixos onde já há operações para as quais não é preciso nem pensar.
Talvez um
treinamento para que as pessoas seguidoras possam ir se acostumando ao real, ao
concreto frio e insensível mundo sem
abstração mental e assim já prossigam perdendo a flexibilização de perceber ,
sentir e perceber, o que reduz o poder
de crítica , a diversidade cultural com sérios reflexos no discernimento e na literatura , música e
etc., mas facilitando a desistência em participar em qualquer parte da
democracia mais inteligente.
Com a
consequente dificuldade em aceitar a diversidade no pensar, agir e sentir, até
o humor fica limitado. Nem se fale em entender a linguagem figurada, as metáforas,
as figuras de linguagem e preencher as elipses e zeugmas de textos e discursos.
E o que dizer da assustadora falta de vocabulário, falha esta que é preenchida
por palavras de baixo-calão, retratando o nível popular da
intelectualidade.
No
sistema de rotina que foi imposto às pessoas, tudo passou a ser feito no
sistema produtivo rapidamente. O tempo pessoal diminuiu, o indivíduo é levado
no torniquete, na bigorna das horas, num processo de lavagem cerebral e hipnotismo emburrecedor. Curioso que tudo foi feito para simplificar a
vida pessoal, onde as pessoas deveriam ter mais tempo para si , mas o que fazem
as pessoas com ais tempo, qual a qualidade de preenchimento desse tempo?
Fala-se na Europa em semana de só quatro dias de trabalho.
Se a
pessoa não estiver habituada a gerar espaços de abstração e não souber se
preencher com algo diletante e de qualidade, a TV, a droga , a bebida , os
males da cidade vão tomar conta do seu tempo , certamente medíocre , com a
tendência de rebaixamento pessoal. É preocupante, mas e daí ?
Daí que
a realidade começa a ser feita de erros
de avaliação, de discernimento às avessas , de decisões estapafúrdias .
A falta
de abstração prejudica até mesmo a fé, a religião, a qual torna-se mera
adoração, deixando de exercer papel no crescimento espiritual. A população
enterra-se no fisiologismo, nas lutas pelo
material , etc. , e o ego domina, originando a violência.
A
qualidade dos momentos de abstração do indivíduo comum, dos livres pensadores e
intelectuais é que fazem a qualidade do pensamento de um local e de um país. Segue ....
Odilon
Reinhardt- 3.7.2024