sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

A Ameaça literal.

 






                                              A ameaça literal.

 

 

 O indivíduo literal.

 

 

Literalmente,

só palavra, a frase em si,

secamente.

 

Nenhum sentido figurado,

conotação ou denotação,

só o que foi dito.

 

Verdadeiro cacto no deserto,

desidratado,

uma exatidão do pobre literal incerto.

 

Na aridez de tal realidade,

nenhuma divagação, 

nada para a sensibilidade.

 

O indivíduo literal

vive pelo que vê,

tudo vira objeto seco e racional.

 

Relação de sargento para soldado,

nenhuma distração,

só o exato existir do termo usado.

 

A dimensão burra e básica,

rude e de encaixe fisiológico,

colada aos estreitos limites da vida fática.

 

Robotizado, condicionado,

move-se pela comunidade

como ser manietado.

 

Segue a praxe,

o uso , o costume;

pune quem relaxe.

 

Sua literalidade

domina seu pensar 

que mergulha na violenta inflexibilidade.

 

Intolerância às diferenças,

tem medo e torna-se conservador,

seu ego não trata o diverso com indiferenças.

 

Sua rara opinião

é de sentenças curtas e radicais

de sínteses cheias de escuridão.

 

Quer tudo igual,

todos iguais, cartesiano,

no seu mundo de mente operacional.

 Odilon Reinhardt. 


      

Diante das tendências atuais, cresce a automatização e a robotização, agora não só das máquinas e meios de operação, mas da mente e do pensamento robotizado, literal, sem qualquer sentido figurado. Por vários meios informatizados, utilizando textos premoldados, frases de praxe e palavras-chavão, a literalidade será o comum, não permitindo interpretações  adaptáveis às situações humanas.  Só haverá a estreita relação entre o asno e a suas alforjas. Nada mais e nada menos. O humano seguirá placas de direção como carros no trânsito. Nada a pensar.

Este o perfil de cidadão que se avizinha; pragmático, exato, robotizado, facilmente conduzido. Pronto para seguir, para copiar, nada a criar. Operacional, sempre mirando fugas e distrações, como modo de preencher sua vida intelectualmente vazia. A lição é seguir o manual, nada de oposição, nada de crítica positiva ou negativa. O bom negócio é se justificar como sendo  só uma engrenagem no contexto.

Enfim, o homem literal é o produto de toda a má condução do sistema educacional familiar e  escolar, que esteve à mercê de políticos e interesses comerciais, que se renderam sem barreiras às campanhas de marketing comercial, todo baseado na campanha de uniformização e robotização do pensamento, não só aqui , mas mundial.

A época é de emburrecimento, idiotice mesmo. Consequências de planos e estratégias para unificar e facilmente conduzir.

Os reflexos já aparecem na Economia com uma mão de obra sofrível. Empresas sem poder preencher cargos, empreendimentos sem futuro, modelos gerenciais atrasados, nível de decisão arcaico, falhas humanas sem precedentes. E tudo começa a ser um grande golpe existencial com reflexos individuais e coletivos.

É o resultado do imediatismo com que a educação foi tratada nos últimos 50 anos. Agora as consequências literalmente ruins. No entanto, o indivíduo literal pensa, embora guiado pelo ego,  inconscientemente de certo modo sente-se um idiota quando em alguma situação o espelho revela sua imagem; vive sufocado pelo medo de tal imagem, pelo vazio intelectual que o assombra em certos momentos. No fundo de seu interior, quer acabar com tudo, tal a revolta que sente devido ao vazio existencial e intelectual. Um novo pecado original.

Mesmo com o caráter animalesco que o invade grosseiramente,  não suporta a falta de Luz na sua condição humana e quer na profundidade de suas razões malucas deseja se vingar maltratando o próprio corpo ou o de outrem se  puder, daí o abandono, o relaxo, a negligência e desrespeito provocador que origina a violência, oportunidade diária para trazer novidades, embora violentas, para movimentar sua imbecilidade cotidiana. É vítima ou inocente? Polêmica investigação que pode atacar e fazer tremer a raiz dessa materialidade. Na falta de Luz, até o ego se assusta com ações e reações do indivíduo literal.

Essa é a vida de um indivíduo sem boa intelectualidade, sempre pronto para reagir, atacar para defender seu ego. Sem piada, sem sorriso honesto, também, sem livro nem caneta. Não lê, pouco escreve, não tem vocabulário para se expressar. Seus pensamentos dirigidos ao antes, durante e depois da cada ação rotineira. Um ser superficial em sua plenitude.

Mas se desejar escrever algo, não se preocupa, pois deve haver algo na internet para copiar.

Por ora, temos que viver respeitando a crescente ignorância em qualquer lugar, pois o desrespeito pode vir a ser caso de vida ou morte.

O cidadão literal, um instrumento para a uniformização através da falta de consciência; autômato sem espírito de crítica, o que favorece a sua manipulação. De quem será ele o soldadinho de chumbo?

Para que mais outras ideologias o cidadão literal será marionete de risadas ou simplesmente útil? Que margem de liberdade individual sobrará além de poder levantar o copo de cerveja que lhe for imposta? Quantos milhares desses literais serão suficientes para enterrar a boa intelectualidade ainda sobrevivente? Quantos serão necessários para ameaçar a democracia?

Não surpreenderá que um dia, na reunião de tais máquinas todas rebelem-se nem que seja contra o dono do bar da esquina, local, à devida época,  considerado a catedral da vida e de toda a intelectualidade. O nível está baixando.

Alguém que cata as respostas para a pergunta a que tudo isso levará? Há indícios e sinais nascendo em todos os lugares. Alguém se importa? 

 Odilon Reinhardt . 3.1.2025