Inegável a responsabilidade
de quem tem meios diretos de acesso à população, fornecendo informações que
levam a formar opiniões e tomar decisão nos mais variados setores da vida. Nada
mais sagrado do que a precisão, a verdade e o compromisso em não enganar e
manipular, preservando assim o crédito de um dos mais importantes poderes de
atuação junto às pessoas. Sem
informação, sem imprensa, não saberíamos nada que acontece no dia a dia
da Nação.
Muitos foram os períodos da
História e sem a imprensa não teria sido possível que a população de todas as
classes sociais pudesse participar do momento da Nação. Por séculos foi a
imprensa escrita a única fonte de informações disponível. Momentos de grandes
mudanças e avanços começaram com artigos e editoriais de pasquins e jornais de
pequena circulação. Houve época em que o jornal escrito teve sua época de ouro
e nada e ninguém existia par ao mundo formal, se não saísse no jornal. Houve os
grandes momentos das colunas políticas e sociais. Jornalistas ficavam ricos,
montavam impérios de influência e poder.
A liberdade de imprensa
sempre implicou a de milhares de empresas que se ocupavam com a informação nos
mais variados setores da vida. É assim até hoje. Todas precisam sobrevier como
empresas, numa época de mudança tecnológica e com os efeitos agora mais
determinantes da falta de Educação formal num país em constante evolução,
inclusive rumos à democracia.
Milhares de profissionais se
dedicam diariamente a escrever milhares de linhas, mas que simplesmente não são
lidas, pois qualquer leitura aqui virou
um hobby de uma invisível e diminuta minoria,
pelo que a imprensa escrita, em papel ou digital, está há décadas no vagaroso
séquito para seu progressivo desaparecimento, inclusive da imprensa mais
popular, acompanhando a sorte de revistas semanais, pasquins de bairro e
jornais de esquina, já distribuídos gratuitamente. Não se pode desconsiderar o fato de que o
país é agrícola, sendo que no campo e suas cidades muitos conhecimentos e
informações não são atrativos como na cidade grande, onde parte significativa da
população é também originária do interior. Em qualquer lugar do mundo, zonas
agrárias não privilegiam a cultura, livros, revistas e o saber, e isto ocorre por
inúmeras razões, entra elas a falta de tempo e o pragmatismo da produção. Na
cidade, há um mundo mais exigente em conhecimentos sociais e técnicos, mas hoje
a população tem uma rotina estressada e pouco tempo para si; o período de
descanso é preenchido com a casa, os filhos etc. As informações, que chegam
pela TV, rádio ou mesmo pelos jornais sobreviventes, ocupam tempo e acabam
aporrinhando ainda mais o saturado cidadão.
Assim, obrigada a se adaptar
aos meios tecnológicos para garantir ou mesmo forçar o acesso à população, a
imprensa escrita, mesmo em sites do mundo virtual, vem lutando sempre contra os
efeitos do analfabetismo e as consequências da ansiedade gerada na população; o
jornalismo socorre-se da TV, seja na modalidade de celular seja de
emissoras tradicionais . E mais, considerando
que num país onde tantos milhares tem que dirigir, trabalhar e cuidar de casa
ou estar na rua, não podendo olhar o celular ou a TV, é o
rádio o meio sobrevivente mais tradicional de acesso direto ao povo
consumidor. A mídia ajoelha-se piedosamente às garras da oralidade, meio mais
coerente com o fisiologismo reinante num pais de analfabetos e forçados
tarefeiros.
Na verdade, nas condições
atuais das tendências sociais do comportamento das pessoas, a luta diária dos
meios de comunicação é contra o passado,
pois a população quer saber do presente, do aqui agora. Qualquer notícia de
mais de 30 minutos é passado e não chama mais atenção, principalmente, se a
concorrência já está mais adiante e traz notícias mais quentes. Mudar de
estação, canal ou site, jogando no lixo, em segundos, todo o investimento
financeiro feito e o esforço de uma equipe jornalística, é ato banal e
corriqueiro e condiciona, todos os dias, a desesperada luta pela audiência e
pela manutenção da empresa jornalística e seus empregos. Desnecessário dizer
que muitas vezes o esforço da equipe coloca em risco a própria vida do
jornalista, mas o usuário pouco está sensível a isto.
E o passado fica ainda mais
rápido, quando consideramos que o celular com câmera fotográfica tornou cada
cidadão um jornalista de plantão. A empresa jornalística tem que fixar o olho
no mundo digital , nas redes sociais , porque ali a qualquer instante surge uma
dica de matéria a ser desenvolvida, mas o furo, a “breaking news”, já foi, já
está no ar, por vezes, em milhões de “curtidas” e “ compartilhadas”, e tudo
ocorreu porque alguém tinha um celular na mão e captou o momento.
Frequentemente só cabe à parte jornalística esclarecer detalhes sobre a matéria
passada. Como uma imagem vale por mil palavras, o esforço de detalhamento e
explicação fica inútil perante a falta de leitura, cabendo à televisão preparar
uma matéria sintética sobre o assunto. As equipes de televisão de algumas
emissoras tornaram-se caçadoras de fatos
do dia a dia que possam se antecipar aos usuários. Equipes inteiras ficam nas
redes sociais para captar o que está ocorrendo no mundo dos celulares.
Outro aspecto ligado ao
celular como ponto jornalístico amador, alimentador de redes sociais, é que os
fatos ocorridos vão para as redes no
estado selvagem da realidade, sem qualquer filtro ou uso do antigo poder de
controle que a imprensa possuía ao divulgar matérias. Hoje, não é mais possível
esconder os fatos para proteger este ou aquele partido, político ou
instituição. Mesmo, assim o poder em reunir informações da imprensa é enorme e
quase ninguém sabe o que vai numa redação e na filtragem do dia a dia.
E ainda outra
particularidade é que através do celular o cidadão pode chamar para a passeata,
provocar reuniões e até a rebelião. Muitas vezes, a imprensa é tomada de
surpresa, como ocorreu em 2013 com as passeatas que iniciaram em São Paulo
devido ao aumento da tarifa de ônibus e se espalharam pelo Brasil, sem que a
imprensa soubesse do que se tratava, até que surgiram as primeiras tentativas
de rotular o que estava acontecendo. Isto denota também que a imprensa não
controla totalmente mais o andamento da sociedade e suas tendências, ficando
mesmo relegada a registrar o passado. E como visto, a população pouco se importa com o que já
passou, com a água que já passou pela ponte, com o leite derramado.
Desaparecendo a imprensa
escrita em papel, diminui o registro dos eventos sociais, diminuindo as fontes
de pesquisa do futuro, pelo que o passado ficará no que for registrado no mundo
digital, submetido a problemas de arquivamento e a possível desmagnetização.
E há uma enorme
diversificação de assuntos a serem cobertos todo dia. Vários setores da vida
são tratados pelos jornalistas especializados, procurando os olhos do leitor.
Isto é, ou em algumas cidades era, bem visível no jornal de papel. Turismo,
economia, finanças, saúde, crime, esportes etc., cobrem a vida e a realidade de
muitas localidades. Como manter fora do papel a cobertura de alguns setores,
que por natureza exigem mais detalhamento. Por isso, nos meios digitais, alguns
setores simplesmente são deletados, ou ainda mantidos para alguns leitores. No
geral, não há leitura alguma de tais conteúdos, mesmo por parte de curiosos
leitores como acontecia superficialmente no jornal escrito. Hoje, qualquer
assunto com mais de 20 linhas é abandonado. A notícia ou o assunto tem que ser bem
resumido no título. Mesmo que a imprensa tenha mudado para os meios
tecnológicos mais atuais para garantir acesso à apressada população, a
característica moderna mais atuante junto às pessoas é a ansiedade, implicando
falta de tempo, paciência e tolerância, e que exige rapidez, precisão, verdade,
isenção, poder de síntese. Ler jornal escrito em papel ou nos sites do mundo
virtual, para muitos implica ler títulos ligeiramente escolhidos.
No império da oralidade, o
consumidor de informações é mais exigente, mais rápido na escolha, pois, a
ansiedade resulta de fatores diversos que afetam a população há muito tempo. A
falta de esclarecimento e de meios de discernimento criam um cidadão mais
bruto, mais intolerante, impaciente, inflexível, propenso a reagir com
violência física e/ou moral, enfim mais grosseiro e fisiológico. Falta de
leitura como fonte de informação é a ponta do iceberg no dia a dia do passar da
vida de uma população pragmática, de poucas palavras, habituada a pouco debate,
conservadora e pouco democrática.
Nesta dinâmica, quanto custa
a manutenção de uma corrida diária para acessar, cativar tal população? Quais
os custos diretos e indiretos de uma empresa para sobreviver? A liberdade de
imprensa implica a de sobrevier no mercado com sucesso diário, para garantir
audiência, tiragem e ser considerada pelo marketing e anunciantes.
Certamente, entre os setores
cobertos pela imprensa, é a cobertura política a que mais atua e tem efeito
imediato junto à população. Uma notícia contra uma autoridade, partido ou
político pode marcar sua desgraça com uma sentença ditada numa invisível e bem
aberta praça pública, sem direito a qualquer processo. É este setor que faz com que a imprensa
assuma o papel de 1º Poder entre os Poderes da República, pois pode, com
palavras, “derrubar” pessoas de qualquer desses Poderes, a qualquer momento,
dependendo de sua velocidade em chegar à população e até mesmo no silêncio
perturbador de uma imagem, detonar a dignidade, o nome, o prestígio de qualquer
pessoa, partido ou instituição. E as notícias políticas são as que mais ocupam
espaço e chamam a atenção. Disputam espaço com notícias sobre o trânsito e o
crime, mas acabam sempre sobressaindo, porque sempre carregam consigo a
barbárie do mundo do Poder.
Na luta carnívora pela
sobrevivência é que algumas empresas ou jornalistas cederam seus pescoços aos
dentes vorazes do sensacionalismo e logo renunciaram ao campo mais exigente da
coerência da ética, da moral e do bom senso. Num primeiro momento, até tiveram
sucesso, mas mesmo perante uma população de precária formação escolar, familiar
e técnica, certos aspectos da moralidade, justiça, ordem, verdade e equidade
prevalecem e fazem rejeitar quem não os apresentar diariamente.
Abusar do Poder de Informar
seja como 4º seja como 1º Poder, pode ser uma má estratégia para preservar a
empresa. Um clique, um toque de controle, uma girada na sintonia e a empresa
está fora da casa, do carro, do celular do usuário. A população de todas as
classes sociais mudou, não é tão paciente como era em décadas do passado, pois
tem o poder de desligar, de não ligar, de se ausentar. Quantos já não são os
usuários; que não ligam mais a televisão nesta ou naquela emissora? Usuários
cativos, integrantes do ínfimo grupo de cidadãos que costumava ler as notícias
logo ao começo da manhã.
É o aspecto político que
afasta esta parte da população da imprensa escrita e falada, pois muitas
empresas, no desespero de garantir recursos para sua sobrevivência, entregaram parte
do pescoço ao interesse partidário.
Muitas vezes fica difícil ponderar entre o interesse de apoio a este ou aquele
governo em razão de garantir a rica fonte da publicidade oficial e o interesse
de informar com isenção. É comum ver o apoio político incondicional mudar para
a crítica voraz conforme aumenta ou diminui a verba oficial. Ora, qualquer um
do povo não é tão cego a ponto de não notar tal variação. Isto coloca a empresa
em descrédito, pois as contradições fazem picadinho da incoerência, já que as
informações começam a se contradizer. Jornal ou TV sem coerência e crédito
moral está a caminho de fechar as portas devido à parte política.
Uma população já esgotada com
a rotina para sobreviver chega em casa cansada e toma uma chuveirada diária de
más notícias, de notícias políticas tendenciosas, de mentiras e detalhes
sensacionalistas da cobertura do trânsito e policial. Quem não cansa
disto? Ademais, face ao tempo limitado
da emissora de TV, há notícias sobre notícias, num revezamento excludente. Um
dia o foco é uma notícia e sobre ela, a empresa jornalística joga todo seu foco,
estressado, pregando o fim dos tempos, o caos, e no outro dia já não há nada
sobre aquela notícia. Tal agitação cansa qualquer discernimento. Nenhuma guerra
começou, nenhum caos aconteceu, o mundo continuou do mesmo modo. Se a imprensa escrita está desaparecendo, a
imprensa falada está também em vias de ser apagada de modo mais rude pelo
próprio usuário em seu refúgio doméstico.
É a cobertura política
tendenciosa e ideológica, longe de qualquer isenção, que prejudica toda a
cobertura de todos os demais aspectos da sociedade. Documentários, programas de
grande qualidade jornalística não são acessados. Uma parte prejudica o todo. Quando
alguém opta por não assistir mais TV, está rejeitando muitos programas sobre
ciências, turismo, saúde etc., simplesmente porque está saturado, cansado. A
juventude, os novos usuários, o usuário do futuro estão ligados na política,
está assistindo à televisão das emissoras?
É certo que os jornais não
fazem a notícia, só a reportam; é o que dizem, quando colocados contra a
parede. Mas é certo que o editor, o jornalista tem o poder de escolher as
notícias, as fotos, o horário de divulgação, o meio e a intensidade da
comunicação. E tal escolha é feita obedecendo a uma linha editorial crivada
de interesses pessoais e da empresa em
si quanto aos compromissos contratuais e políticos. Aqui encontramos uma
curiosa posição para a imprensa: se mostra demais é sensacionalista, se de
menos, é fascista. Só a sensibilidade do momento pode indicar o meio
termo.
Expressão maior desse
aspecto aparece diariamente nos telejornais, onde o âncora do jornal, tem o
poder supremo de comunicar com a voz, gestos, caras e caretas, dando a ênfase
que será recebida pela população quanto à notícia escolhida pela emissora. Inegável seu papel de comunicador dentro da
casa das pessoas. Em plena época da imagem e do som, as sínteses feitas pelo
âncora, tem efeito direto na audiência, geram emoções, sensações com as
consequentes ações e reações. Não há maior exemplo da oralidade e da
superficialidade a que a população está sujeita para formar sua opinião e
decidir. O âncora é a TV em si, um “escriba” dos tempos modernos.
Quando cidadãos esgotados estão
rejeitando este trabalho das empresas, é que elas estão falhando e ameaçando a
liberdade da própria imprensa. Se não houver um tempero razoável do
sensacionalismo e do viés político, o que hoje é uma tendência, será fato. A
imprensa não atingirá mais o cidadão. Será desconsiderada. Até lá, continuará a
perigosa e maçante realidade de estar aumentando diariamente o pessimismo, a
negatividade, a instabilidade pessoal, o medo, o desconforto existencial em
seus usuários, fazendo-os insatisfeitos, como se já não bastasse a vida e suas
dificuldades financeiras. Tudo isto reforça o egoísmo, o fisiologismo e a
alienação social das pessoas, fazendo-as ainda mais grosseiras, avessas ao
diverso, à qualquer opinião que não seja coincidente com a sua, o que dificulta
a convivência com a pluralidade e a diversidade de opiniões, o que é essencial
para a democracia como discussão e eleição de caminhos para qualquer local da
Nação.
A responsabilidade democrática
das empresas de comunicação deve garantir sua permanência no mercado para
manter a liberdade de imprensa, ou seja, a função de manter a população no
direito de receber informações para montar sua consciência, seu esclarecimento,
seu poder de decisão como cidadão livre em suas escolhas. Não é nada bom que as
pessoas já esclarecidas se habituem a deletar jornais e a TV.
Mas pelo que se nota, o
posicionamento da mídia condiciona e ao mesmo tempo recebe as influências de
uma população que foi ficando avessa à
leitura, que vai se retirando do interesse coletivo para se individualizar na
sua própria rotina, que de tão pressionada e esbugalhada pela ansiedade, não
tem tempo, paciência e tolerância para ver qualquer diferença, a diversidade da
vida em opiniões; há falta de vocabulário,
espírito crítico, lógica e educação formal o que dificulta o entendimento do que é divulgado;
diante das matérias escolhidas e ao viés ideológico escolhido, a população cria
uma aversão às notícias da política, aos
meios democráticos e aos debates promovidos pelas emissoras, o que reforça a
alienação e o egoísmo fisiológico das pessoas,
as quais ficam expostas muito
mais a “imprensa amadora” das redes sociais onde “fake-news” turbinam a
desconfiança do usuário e acabam
determinando a alienação também quanto às redes sociais etc. Há uma tendência
pelo “não-saber”, não tomar conhecimento, ficar de fora para viver melhor.
Do todo , é o modo de
divulgação de certas notícias que dá ênfase esquisita, talvez criando bois de
piranha, desviando a atenção de fatos outros que não são de interesse da
emissora ou a mando de interessados externos. O fato é que o âncora de TV tem
sido o contato da mídia com o cidadão, direto em sua sala ou cozinha, criando
medo, pânico, falsos sentimentos. “Se o âncora disser que o mundo acabou,
alguém certamente vai levantar-se para olhar pela janela o fim do mundo”.
Cansado deste jogo, o cidadão reage e desliga a TV, talvez por período de tempo
bem longo.
O pessimismo, o caos, o medo diariamente propalados não ajudam em nada, não
criam o estímulo para as pessoas irem para a frente, não geram clima para a
reação positiva a nível pessoal e só prejudicam a qualidade de vida e a
estabilidade pessoal e coletiva. As perguntas são: alguma vez na História o
pessimismo, o negativo fez algo de sucesso? A quem aproveita manter a população
neste padrão negativo de perdedores e fracassados sem horizonte? Onde está a responsabilidade dos formadores
de opinião nisto tudo?
O fato é que a falta de
audiência ameaça as empresas e todos os mecanismos de informação disponíveis, o
que também acaba afastando os anunciantes privados, aumentando a dependência
das verbas do Governo, gerando limites à liberdade de informar. Não é de hoje
que alguns jornais sobrevivem só com publicidade de empresas do Governo e se
tornam verdadeiros diários de atos oficiais e de interesse político.
Mas seja lá como for, sem
imprensa, a mídia em geral, não sabemos de nada e sem saber nada não temos oportunidade
de esclarecimento, discernimento e a liberdade de escolha, essencial para a
democracia. A imprensa é a única salvaguarda para o cidadão.
Odilon Reinhardt 3.3.2020.