terça-feira, 3 de março de 2020

A responsabilidade do 4º Poder.


                               


                                     


                                        A  Responsabilidade do 4º Poder. 


Inegável a responsabilidade de quem tem meios diretos de acesso à população, fornecendo informações que levam a formar opiniões e tomar decisão nos mais variados setores da vida. Nada mais sagrado do que a precisão, a verdade e o compromisso em não enganar e manipular, preservando assim o crédito de um dos mais importantes poderes de atuação junto às pessoas. Sem  informação, sem imprensa, não saberíamos nada que acontece no dia a dia da Nação.
Muitos foram os períodos da História e sem a imprensa não teria sido possível que a população de todas as classes sociais pudesse participar do momento da Nação. Por séculos foi a imprensa escrita a única fonte de informações disponível. Momentos de grandes mudanças e avanços começaram com artigos e editoriais de pasquins e jornais de pequena circulação. Houve época em que o jornal escrito teve sua época de ouro e nada e ninguém existia par ao mundo formal, se não saísse no jornal. Houve os grandes momentos das colunas políticas e sociais. Jornalistas ficavam ricos, montavam impérios de influência e poder.  
A liberdade de imprensa sempre implicou a de milhares de empresas que se ocupavam com a informação nos mais variados setores da vida. É assim até hoje. Todas precisam sobrevier como empresas, numa época de mudança tecnológica e com os efeitos agora mais determinantes da falta de Educação formal num país em constante evolução, inclusive rumos à democracia.
Milhares de profissionais se dedicam diariamente a escrever milhares de linhas, mas que simplesmente não são lidas, pois qualquer  leitura aqui virou um hobby de uma invisível e diminuta  minoria, pelo que a imprensa escrita, em papel ou digital, está há décadas no vagaroso séquito para seu progressivo desaparecimento, inclusive da imprensa mais popular, acompanhando a sorte de revistas semanais, pasquins de bairro e jornais de esquina, já distribuídos gratuitamente.  Não se pode desconsiderar o fato de que o país é agrícola, sendo que no campo e suas cidades muitos conhecimentos e informações não são atrativos como na cidade grande, onde parte significativa da população é também originária do interior. Em qualquer lugar do mundo, zonas agrárias não privilegiam a cultura, livros, revistas e o saber, e isto ocorre por inúmeras razões, entra elas a falta de tempo e o pragmatismo da produção. Na cidade, há um mundo mais exigente em conhecimentos sociais e técnicos, mas hoje a população tem uma rotina estressada e pouco tempo para si; o período de descanso é preenchido com a casa, os filhos etc. As informações, que chegam pela TV, rádio ou mesmo pelos jornais sobreviventes, ocupam tempo e acabam aporrinhando ainda mais o saturado cidadão. 
Assim, obrigada a se adaptar aos meios tecnológicos para garantir ou mesmo forçar o acesso à população, a imprensa escrita, mesmo em sites do mundo virtual, vem lutando sempre contra os efeitos do analfabetismo e as consequências da ansiedade gerada na população; o jornalismo socorre-se da TV, seja na modalidade de celular seja de emissoras  tradicionais . E mais, considerando que num país onde tantos milhares tem que dirigir, trabalhar e cuidar de casa ou estar na rua, não podendo olhar o celular ou a TV,  é o  rádio o meio sobrevivente mais tradicional de acesso direto ao povo consumidor. A mídia ajoelha-se piedosamente às garras da oralidade, meio mais coerente com o fisiologismo reinante num pais de analfabetos e forçados tarefeiros.
Na verdade, nas condições atuais das tendências sociais do comportamento das pessoas, a luta diária dos meios de comunicação  é contra o passado, pois a população quer saber do presente, do aqui agora. Qualquer notícia de mais de 30 minutos é passado e não chama mais atenção, principalmente, se a concorrência já está mais adiante e traz notícias mais quentes. Mudar de estação, canal ou site, jogando no lixo, em segundos, todo o investimento financeiro feito e o esforço de uma equipe jornalística, é ato banal e corriqueiro e condiciona, todos os dias, a desesperada luta pela audiência e pela manutenção da empresa jornalística e seus empregos. Desnecessário dizer que muitas vezes o esforço da equipe coloca em risco a própria vida do jornalista, mas o usuário pouco está sensível a isto.
E o passado fica ainda mais rápido, quando consideramos que o celular com câmera fotográfica tornou cada cidadão um jornalista de plantão. A empresa jornalística tem que fixar o olho no mundo digital , nas redes sociais , porque ali a qualquer instante surge uma dica de matéria a ser desenvolvida, mas o furo, a “breaking news”, já foi, já está no ar, por vezes, em milhões de “curtidas” e “ compartilhadas”, e tudo ocorreu porque alguém tinha um celular na mão e captou o momento. Frequentemente só cabe à parte jornalística esclarecer detalhes sobre a matéria passada. Como uma imagem vale por mil palavras, o esforço de detalhamento e explicação fica inútil perante a falta de leitura, cabendo à televisão preparar uma matéria sintética sobre o assunto. As equipes de televisão de algumas emissoras tornaram-se  caçadoras de fatos do dia a dia que possam se antecipar aos usuários. Equipes inteiras ficam nas redes sociais para captar o que está ocorrendo no mundo dos celulares.
Outro aspecto ligado ao celular como ponto jornalístico amador, alimentador de redes sociais, é que os fatos ocorridos vão para as redes  no estado selvagem da realidade, sem qualquer filtro ou uso do antigo poder de controle que a imprensa possuía ao divulgar matérias. Hoje, não é mais possível esconder os fatos para proteger este ou aquele partido, político ou instituição. Mesmo, assim o poder em reunir informações da imprensa é enorme e quase ninguém sabe o que vai numa redação e na filtragem do dia a dia.   
E ainda outra particularidade é que através do celular o cidadão pode chamar para a passeata, provocar reuniões e até a rebelião. Muitas vezes, a imprensa é tomada de surpresa, como ocorreu em 2013 com as passeatas que iniciaram em São Paulo devido ao aumento da tarifa de ônibus e se espalharam pelo Brasil, sem que a imprensa soubesse do que se tratava, até que surgiram as primeiras tentativas de rotular o que estava acontecendo. Isto denota também que a imprensa não controla totalmente mais o andamento da sociedade e suas tendências, ficando mesmo relegada a registrar o passado. E como visto,  a população pouco se importa com o que já passou, com a água que já passou pela ponte, com o leite derramado. 
Desaparecendo a imprensa escrita em papel, diminui o registro dos eventos sociais, diminuindo as fontes de pesquisa do futuro, pelo que o passado ficará no que for registrado no mundo digital, submetido a problemas de arquivamento e a possível desmagnetização.       
E há uma enorme diversificação de assuntos a serem cobertos todo dia. Vários setores da vida são tratados pelos jornalistas especializados, procurando os olhos do leitor. Isto é, ou em algumas cidades era, bem visível no jornal de papel. Turismo, economia, finanças, saúde, crime, esportes etc., cobrem a vida e a realidade de muitas localidades. Como manter fora do papel a cobertura de alguns setores, que por natureza exigem mais detalhamento. Por isso, nos meios digitais, alguns setores simplesmente são deletados, ou ainda mantidos para alguns leitores. No geral, não há leitura alguma de tais conteúdos, mesmo por parte de curiosos leitores como acontecia superficialmente no jornal escrito. Hoje, qualquer assunto com mais de 20 linhas é abandonado. A notícia ou o assunto tem que ser bem resumido no título. Mesmo que a imprensa tenha mudado para os meios tecnológicos mais atuais para garantir acesso à apressada população, a característica moderna mais atuante junto às pessoas é a ansiedade, implicando falta de tempo, paciência e tolerância, e que exige rapidez, precisão, verdade, isenção, poder de síntese. Ler jornal escrito em papel ou nos sites do mundo virtual, para muitos implica ler títulos ligeiramente escolhidos.
No império da oralidade, o consumidor de informações é mais exigente, mais rápido na escolha, pois, a ansiedade resulta de fatores diversos que afetam a população há muito tempo. A falta de esclarecimento e de meios de discernimento criam um cidadão mais bruto, mais intolerante, impaciente, inflexível, propenso a reagir com violência física e/ou moral, enfim mais grosseiro e fisiológico. Falta de leitura como fonte de informação é a ponta do iceberg no dia a dia do passar da vida de uma população pragmática, de poucas palavras, habituada a pouco debate, conservadora e pouco democrática.      
Nesta dinâmica, quanto custa a manutenção de uma corrida diária para acessar, cativar tal população? Quais os custos diretos e indiretos de uma empresa para sobreviver? A liberdade de imprensa implica a de sobrevier no mercado com sucesso diário, para garantir audiência, tiragem e ser considerada pelo marketing e anunciantes.
Certamente, entre os setores cobertos pela imprensa, é a cobertura política a que mais atua e tem efeito imediato junto à população. Uma notícia contra uma autoridade, partido ou político pode marcar sua desgraça com uma sentença ditada numa invisível e bem aberta praça pública, sem direito a qualquer processo.  É este setor que faz com que a imprensa assuma o papel de 1º Poder entre os Poderes da República, pois pode, com palavras, “derrubar” pessoas de qualquer desses Poderes, a qualquer momento, dependendo de sua velocidade em chegar à população e até mesmo no silêncio perturbador de uma imagem, detonar a dignidade, o nome, o prestígio de qualquer pessoa, partido ou instituição. E as notícias políticas são as que mais ocupam espaço e chamam a atenção. Disputam espaço com notícias sobre o trânsito e o crime, mas acabam sempre sobressaindo, porque sempre carregam consigo a barbárie do mundo do Poder.   
Na luta carnívora pela sobrevivência é que algumas empresas ou jornalistas cederam seus pescoços aos dentes vorazes do sensacionalismo e logo renunciaram ao campo mais exigente da coerência da ética, da moral e do bom senso. Num primeiro momento, até tiveram sucesso, mas mesmo perante uma população de precária formação escolar, familiar e técnica, certos aspectos da moralidade, justiça, ordem, verdade e equidade prevalecem e fazem rejeitar quem não os apresentar diariamente.  
Abusar do Poder de Informar seja como 4º seja como 1º Poder, pode ser uma má estratégia para preservar a empresa. Um clique, um toque de controle, uma girada na sintonia e a empresa está fora da casa, do carro, do celular do usuário. A população de todas as classes sociais mudou, não é tão paciente como era em décadas do passado, pois tem o poder de desligar, de não ligar, de se ausentar. Quantos já não são os usuários; que não ligam mais a televisão nesta ou naquela emissora? Usuários cativos, integrantes do ínfimo grupo de cidadãos que costumava ler as notícias logo ao começo da manhã.
É o aspecto político que afasta esta parte da população da imprensa escrita e falada, pois muitas empresas, no desespero de garantir recursos para sua sobrevivência, entregaram parte do  pescoço ao interesse partidário. Muitas vezes fica difícil ponderar entre o interesse de apoio a este ou aquele governo em razão de garantir a rica fonte da publicidade oficial e o interesse de informar com isenção. É comum ver o apoio político incondicional mudar para a crítica voraz conforme aumenta ou diminui a verba oficial. Ora, qualquer um do povo não é tão cego a ponto de não notar tal variação. Isto coloca a empresa em descrédito, pois as contradições fazem picadinho da incoerência, já que as informações começam a se contradizer. Jornal ou TV sem coerência e crédito moral está a caminho de fechar as portas devido à parte política. 
Uma população já esgotada com a rotina para sobreviver chega em casa cansada e toma uma chuveirada diária de más notícias, de notícias políticas tendenciosas, de mentiras e detalhes sensacionalistas da cobertura do trânsito e policial. Quem não cansa disto?  Ademais, face ao tempo limitado da emissora de TV, há notícias sobre notícias, num revezamento excludente. Um dia o foco é uma notícia e sobre ela, a empresa jornalística joga todo seu foco, estressado, pregando o fim dos tempos, o caos, e no outro dia já não há nada sobre aquela notícia. Tal agitação cansa qualquer discernimento. Nenhuma guerra começou, nenhum caos aconteceu, o mundo continuou do mesmo modo.  Se a imprensa escrita está desaparecendo, a imprensa falada está também em vias de ser apagada de modo mais rude pelo próprio usuário em seu refúgio doméstico.  
É a cobertura política tendenciosa e ideológica, longe de qualquer isenção, que prejudica toda a cobertura de todos os demais aspectos da sociedade. Documentários, programas de grande qualidade jornalística não são acessados. Uma parte prejudica o todo. Quando alguém opta por não assistir mais TV, está rejeitando muitos programas sobre ciências, turismo, saúde etc., simplesmente porque está saturado, cansado. A juventude, os novos usuários, o usuário do futuro estão ligados na política, está assistindo à televisão das emissoras?  
É certo que os jornais não fazem a notícia, só a reportam; é o que dizem, quando colocados contra a parede. Mas é certo que o editor, o jornalista tem o poder de escolher as notícias, as fotos, o horário de divulgação, o meio e a intensidade da comunicação. E tal escolha é feita obedecendo a uma linha editorial crivada de  interesses pessoais e da empresa em si quanto aos compromissos contratuais e políticos. Aqui encontramos uma curiosa posição para a imprensa: se mostra demais é sensacionalista, se de menos, é fascista. Só a sensibilidade do momento pode indicar o meio termo.    
Expressão maior desse aspecto aparece diariamente nos telejornais, onde o âncora do jornal, tem o poder supremo de comunicar com a voz, gestos, caras e caretas, dando a ênfase que será recebida pela população quanto à notícia escolhida pela emissora.  Inegável seu papel de comunicador dentro da casa das pessoas. Em plena época da imagem e do som, as sínteses feitas pelo âncora, tem efeito direto na audiência, geram emoções, sensações com as consequentes ações e reações. Não há maior exemplo da oralidade e da superficialidade a que a população está sujeita para formar sua opinião e decidir. O âncora é a TV em si, um “escriba” dos tempos modernos.  
Quando cidadãos esgotados estão rejeitando este trabalho das empresas, é que elas estão falhando e ameaçando a liberdade da própria imprensa. Se não houver um tempero razoável do sensacionalismo e do viés político, o que hoje é uma tendência, será fato. A imprensa não atingirá mais o cidadão. Será desconsiderada. Até lá, continuará a perigosa e maçante realidade de estar aumentando diariamente o pessimismo, a negatividade, a instabilidade pessoal, o medo, o desconforto existencial em seus usuários, fazendo-os insatisfeitos, como se já não bastasse a vida e suas dificuldades financeiras. Tudo isto reforça o egoísmo, o fisiologismo e a alienação social das pessoas, fazendo-as ainda mais grosseiras, avessas ao diverso, à qualquer opinião que não seja coincidente com a sua, o que dificulta a convivência com a pluralidade e a diversidade de opiniões, o que é essencial para a democracia como discussão e eleição de caminhos para qualquer local da Nação.       
A responsabilidade democrática das empresas de comunicação deve garantir sua permanência no mercado para manter a liberdade de imprensa, ou seja, a função de manter a população no direito de receber informações para montar sua consciência, seu esclarecimento, seu poder de decisão como cidadão livre em suas escolhas. Não é nada bom que as pessoas já esclarecidas se habituem a deletar jornais e a TV.
Mas pelo que se nota, o posicionamento da mídia condiciona e ao mesmo tempo recebe as influências de uma população que foi ficando  avessa à leitura, que vai se retirando do interesse coletivo para se individualizar na sua própria rotina, que de tão pressionada e esbugalhada pela ansiedade, não tem tempo, paciência e tolerância para ver qualquer diferença, a diversidade da vida em opiniões;  há falta de vocabulário, espírito crítico, lógica e educação formal o que  dificulta o entendimento do que é divulgado; diante das matérias escolhidas e ao viés ideológico escolhido, a população cria uma aversão às notícias da  política, aos meios democráticos e aos debates promovidos pelas emissoras, o que reforça a alienação e o egoísmo fisiológico das pessoas,  as quais  ficam expostas muito mais a “imprensa amadora” das redes sociais onde “fake-news” turbinam a desconfiança  do usuário e acabam determinando a alienação também quanto às redes sociais etc. Há uma tendência pelo “não-saber”, não tomar conhecimento, ficar de fora para viver melhor.
Do todo , é o modo de divulgação de certas notícias que dá ênfase esquisita, talvez criando bois de piranha, desviando a atenção de fatos outros que não são de interesse da emissora ou a mando de interessados externos. O fato é que o âncora de TV tem sido o contato da mídia com o cidadão, direto em sua sala ou cozinha, criando medo, pânico, falsos sentimentos. “Se o âncora disser que o mundo acabou, alguém certamente vai levantar-se para olhar pela janela o fim do mundo”. Cansado deste jogo, o cidadão reage e desliga a TV, talvez por período de tempo bem longo.
O pessimismo, o caos, o medo diariamente propalados não ajudam em nada, não criam o estímulo para as pessoas irem para a frente, não geram clima para a reação positiva a nível pessoal e só prejudicam a qualidade de vida e a estabilidade pessoal e coletiva. As perguntas são: alguma vez na História o pessimismo, o negativo fez algo de sucesso? A quem aproveita manter a população neste padrão negativo de perdedores e fracassados sem horizonte?  Onde está a responsabilidade dos formadores de opinião nisto tudo? 
O fato é que a falta de audiência ameaça as empresas e todos os mecanismos de informação disponíveis, o que também acaba afastando os anunciantes privados, aumentando a dependência das verbas do Governo, gerando limites à liberdade de informar. Não é de hoje que alguns jornais sobrevivem só com publicidade de empresas do Governo e se tornam verdadeiros diários de atos oficiais e de interesse político.  
Mas seja lá como for, sem imprensa, a mídia em geral, não sabemos de nada e sem saber nada não temos oportunidade de esclarecimento, discernimento e a liberdade de escolha, essencial para a democracia. A imprensa é a única salvaguarda para o cidadão.   
  
Odilon Reinhardt 3.3.2020.      
   
   
   
                   

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