sábado, 2 de julho de 2016

O “ imaginário acusatório”.



                             



                                                     Foto: by Odilon Reinhardt .

Jamais um advogado, quando entrevistado pela imprensa, irá admitir a culpa de seu cliente. O que chama a atenção na verdade são as hilariantes e cínicas alegações verbais que estão sendo usadas.   Num dos corriqueiros casos, a frase usada e divulgada de Norte a Sul, em defesa verbal do cliente, foi que a acusação pertencia ao “imaginário acusatório”. Quer coisa mais fantástica do que esta? Bilhões foram desviados através de esquemas mirabolantes, casos de corrupção assolam o país e denigrem a imagem internacional, o país em depressão e alguém com diploma usa a alegação acima de que tudo não passaria de um imaginário acusatório.
Tamanho sonho, tamanha alienação parece pertencer ao mundo lunático de quem não vê o país. Algo semelhante a perguntar “Que país é este?“. E são muitas as frases que temos visto, saídas de habitantes de torres de marfim ou de castelos encantados, feitos com dinheiro público.
Ora, o desastre de uma política econômica falsa, mal planejada a nível de termos de interesse público, erroneamente pensada, é sentida em todo o Brasil, com fechamento de fábricas, lojas do varejo, aumento do desemprego, paralisação de obras, falências com ampla repercussão na qualidade da vida privada dos cidadãos etc. Terrível.
Será que cabe a qualquer um alegar mesmo verbalmente, ferindo  a moral comum, o que desejar, mesmo que seja uma afronta  à dor coletiva?
Não é de hoje que defesas jurídicas ou não, diante dos fatos incontestes, estão sendo feitas à base de frases de efeito, num quadro de escárnio e chacota, talvez embasadas na cultura da impunidade e na certeza de que tudo dará em pizza.
No processo do “Mensalão” houve advogado que alegou que “ não se tratava de dinheiro público”. Hoje escuta-se algo como “ é tudo mistificação da Polícia Federal e do Ministério Público”,  “ a prisão foi só para constranger”.
Em casos tantos, no dia-a-dia do país, pessoas  aparecem na TV expondo alegações ilógicas, esdrúxulas, insultando a consciência coletiva , como que menosprezando a inteligência dos que ainda a conservam. 
Seria este tipo de alegação uma representante sintética da falta de pudor, da falta de capacidade de autocrítica ou mesmo da perda de visão de conjunto, a desconsideração do contexto numa espécie de reflexo da alienação já com retoques jurídicos?
Se tais frases estiverem sendo reproduzidas por escrito no processo ou forem o resumo das alegações feitas na defesa, seriam ,então, artifício para preencher o prazo judicial, não tendo o que realmente apresentar em defesa ? Seriam parte de um ridículo formal calculado para não perder o prazo? Ou seria mesmo despreparo ou cinismo perante a verdade posta no processo?
E onde ficam os clientes nestes casos? Será que sabem da qualidade dessas defesas? Em defesa dos advogados, espera-se que os clientes estejam de acordo e tenham autorizado tais alegações.
Mas há tempos observa-se na prática da Advocacia, a influência da queda da visão conjuntural, sistêmica. A falta de uma contextualização atual e histórica dos fatos afeta o modo de elaboração das alegações.  A visão sistêmica exige estudo, cultura geral e interesse pela experiência humana, afastando-se do interesse meramente umbilical.
Talvez seja este um dos piores reflexos do individualismo e do egocentrismo que têm afetado também os advogados, que pessoalmente deixaram de estudar filosofia geral e especial e tornaram-se meros operadores fechados nos dogmas da ciência jurídica, no Brasil, já quase alienada.
Há visível fracasso profissional em termos de visão de conjunto e valoração dos fatos.   Miguel Reale, o pai, com sua esplendia e básica lição egológica do Direito, certamente encontra-se no céu, sentado em poltrona confortável, sofrendo perturbações ao ver o triste descalabro da advocacia nacional em termos de cultura jurídica, cultura geral, etc, etc dos advogados; a classe que deveria ser a mais intelectualizada de todas com a chance de prática constante de boas alegações e embasamento sempre humano.
Segundo tendências atuais e a pobreza intelectual das faculdades, até mesmo o exame da OAB, revela-se incapaz de peneirar. E diga-se “peneirar“ já é um escândalo num país onde pelo menos o estudante de Direito deveria ser o mais intelectualizado.
Tudo leva a crer, que fato+valor = norma ficam mesmo como atividade para o Juiz, considerado agora como a última fortaleza de intelectualidade. Quem diria que chegaríamos a isto.
E então, quando a falta de valoração, correta e abrangente, deixar o exame dos fatos, a norma a ser estabelecida pelo Juiz, o direito de uma das partes, será certamente a da pior espécie, já conhecida em regimes autoritários, fascistas ou nazistas. Será a era da noite na elaboração do Direito e o tormento da Ciência Jurídica.
O “imaginário acusatório”! Verdadeira pérola negra no mar dos sargaços, verdadeiro diamante rosa achado no lixão. Que visão alucinatório como alegação em qualquer nível.
O ensino jurídico já era uma preocupação desde 1970. Qual a real qualidade de nosso bacharelandos hoje? Serão tecnocratas jurídicos, reduzidos a “ operadores do Direito “ ou “mecânicos das leis “?  Continuarão com a tendência de simplesmente aplicar a lei, interpretando-a literalmente ou copiando e colando lições da doutrina antiga, já que a atual está cada vez mais pobre e irreal?
A quantidade de bons livros, boas teses, boas fundamentações está ficando cada vez mais rara. Há uma pobreza generalizada que atinge a sociedade e também o Direito, como reflexo do contexto cheio de tendências de uma época marcada pela visão curta, pela falta de profundidade, pela visão cheia de aqui-agora, descontextualizada e perigosamente parcial, o que é próprio do individualismo e do egocentrismo.
A Ciência do Direito, construída por grandes teóricos durante o século XX, começa a ceder espaço para um exercício da advocacia pobre como as causas que visa atender.
Não seria esta mais uma das inseguranças jurídicas a militar contra o cidadão de todas as classes sociais e mesmo empresas?
A crise do ensino do Direito pode não ser toda a  crise da Ciência do Direito como os problemas da existência não são toda a vida. Há na verdade tendências e confirmações no ensino do Direito, mas que podem ser corrigidas. Todavia, isto depende do tempo e dos estudantes e acadêmicos voltarem a estudar com qualidade o conjunto de ciências sociais para chegarem a ter a curiosidade de obter a visão sistêmica da sociedade brasileira e assim não seguirem o viés do “ imaginário acusatório”.
Mas frases de efeito continuam a chamar a atenção. Tanto que recentemente “o Ministro Teori admitiu que “o país está doente “ . Sim, não só o sistema político, os políticos com seu ego, com sua ganância, realizado todos os dias a custo do contribuinte. A doença já atingiu o cidadão há décadas e penetra nas instituições.  Agora é a época das consequências .
Um escritor carioca disse frase histórica há muito tempo atrás, algo como: “o Brasil conhecerá a barbárie antes de conhecer a civilização”. É radical, mas existem exemplos que nos digam do contrário? Uma guerra civil por noite, mortes e crimes hediondos, etc, etc , mas é tudo mesmo só um imaginário. O escritor deveria estar embevecido com as paisagens divinas da Guanabara.
Afinal, por que exigir tanto, se este é o país onde “há lei que não pega” ; onde o presidente atual choca a classe política dizendo que “ o Governo não é ação entre amigos”. Revolucionário este Temer, que só poderia ter sido amigo de uma grande amigo, o estimado  Geraldo Ataliba, memorável doutrinador e líder no Direito.  Frase que em qualquer país mais decente seria óbvia, mas entre nós, onde verdadeiros quadrilheiros assumem o Poder de estados e municípios, é frase estonteante. Então pretende-se acabar como o Governo como Balcão de Negócios. Um grande passo para a civilização aqui colocada. Será?
E ainda temos que questionar se isto tudo é uma exceção, coisa da  a maioria ou a minoria?
Outra questão é se nas operações de alta corrupção, com estamos vendo reveladas diariamente pela imprensa livre, houve contribuição intelectual de profissionais do Direito, da Engenharia da Contabilidade etc, etc, ou foi um imaginário tecnológico dos doleiros e dos políticos e seus defensores? Quem deu e está dando suporte técnico para tais esquemas? Como poderiam os bandidos contrários ao povo e ao Brasil elaborarem esquemas sofisticados para produzir e lavar tal quantidade de dinheiro. Se isto acontece, qual o verdadeiro embasamento moral e ético que as faculdades estão passando?
Como se pode supor,  o “imaginário” toca a profundidade em vários aspectos a serem ainda investigados como desdobramento da operação de lavar o Brasil com água sanitária, soda cáustica e ácido muriático. Isto nos faz acreditar num mundo melhor para o Brasil? Pense e responda.
Aqui os problemas são encalacrados, foram sedimentados em várias camadas no solo e as pedras das calçadas estão encardidas.
Ainda sobre frases hilariantes, mas com valor de grande expressão , houve presidente que disse “ minha mãe já nasceu analfabeta”; houve ex-presidente que dizia frases prolixas como “ temos que preservar o que tem que ser preservado, porque a preservação é para preservar”. Frase, certamente, para impressionar intelectualmente alguns dos cidadãos incluídos nos 96 % de alfabetizados, mas não conseguindo convencer os 8% desta porcentagem que pode ler e interpretar um texto.   
São necessárias inúmeras atitudes positivas para efetivamente fazer a salvação nacional. Muitas delas no campo espiritual, preservando a essência da humanidade frente ao individualismo e ao egocentrismo que estão pressionando o cidadão, ao serem alavancados por tecnologias que só afastam o Ser Humano do humano. Sem educação, não há futuro algum que seja bom. Continuaremos na guerra civil. Contudo, a salvação não depende só de política de massa, mas de cada cidadão.
Parte da  população não tem culpa, pois perdeu seu poder de crítica etc quando na década de 1960 foram fechados os cursos de filosofia geral e especial, sob pretexto de que o comunismo estava se infiltrando no país. Isto gerou consequências graves: a alienação e o medo de se expor, o que se alastrou por décadas.
Para que haja reação individual positiva desde já, será necessário que o cidadão não focasse só nas coisas do noticiário sobre o Governo, a política nacional e os políticos em seus escândalos diários, divulgados pela imprensa televisiva, única fonte de informação disponível para milhões de brasileiros. Mesmo que só 5% de tudo que vemos diariamente fosse verdade e o resto pertencesse à dita “fantasia mediática”( outra frase de efeito, visando desconstituir o papel da imprensa livre), já seria o bastante para denunciar o absurdo quadro em que o país foi metido, rumo ao agravamento de sua pobreza não só material, mas também intelectual.
Os fatos e dados são fornecidos pela imprensa que comparece à casa dos brasileiros, todos os dias no horário do jantar e do almoço. Em deduções e induções, conotações e denotações, cabe a cada um juntar as peças e montar o quadro geral , segundo seu poder de observação e avaliação, ainda uma liberdade dada a cada um que pode pensar e se expressar. Discernir.
Seria ideal, portanto, que o cidadão levantasse a cabeça para ver além das mazelas divulgadas e conseguisse ver a verdade dos potenciais do Brasil, que é rico, vale a pena e tem futuro. Basta ser honesto, ético, ter moral, ter espírito de Pátria, pensar em ideais e sistemas bons para seu povo e para a família.
Não se pode desistir. Cuide-se do debate, da crítica, do projeto positivo e teremos a democracia e a República e não a farsa, a mentira, as frases de efeito, a opera-bufa no castelo de areia em  teatro nacional.
A questão é cuidar do SER nacional, da criança que será  cidadão, deixando o Ter como mera parte instrumental, necessária, mas não o fim de todas as coisas.
Para o momento a impressão é que Deus continuará de costas para o Brasil, olhando as belas praias do Rio, e terá agora muita diversão como os jogos olímpicos, mesmo que a violência lhe perturbe os  pés.  Talvez depois, volte-se para o interior do país e comece a rezar.
Odilon Reinhardt.     

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