Foto: by Odilon Reinhardt .
Jamais um advogado, quando
entrevistado pela imprensa, irá admitir a culpa de seu cliente. O que chama a
atenção na verdade são as hilariantes e cínicas alegações verbais que estão
sendo usadas. Num dos corriqueiros
casos, a frase usada e divulgada de Norte a Sul, em defesa verbal do cliente,
foi que a acusação pertencia ao “imaginário acusatório”. Quer coisa mais
fantástica do que esta? Bilhões foram desviados através de esquemas
mirabolantes, casos de corrupção assolam o país e denigrem a imagem
internacional, o país em depressão e alguém com diploma usa a alegação acima de
que tudo não passaria de um imaginário acusatório.
Tamanho sonho, tamanha
alienação parece pertencer ao mundo lunático de quem não vê o país. Algo
semelhante a perguntar “Que país é este?“. E são muitas as frases que temos
visto, saídas de habitantes de torres de marfim ou de castelos encantados,
feitos com dinheiro público.
Ora, o desastre de uma política
econômica falsa, mal planejada a nível de termos de interesse público,
erroneamente pensada, é sentida em todo o Brasil, com fechamento de fábricas,
lojas do varejo, aumento do desemprego, paralisação de obras, falências com
ampla repercussão na qualidade da vida privada dos cidadãos etc. Terrível.
Será que cabe a qualquer um
alegar mesmo verbalmente, ferindo a
moral comum, o que desejar, mesmo que seja uma afronta à dor coletiva?
Não é de hoje que defesas
jurídicas ou não, diante dos fatos incontestes, estão sendo feitas à base de
frases de efeito, num quadro de escárnio e chacota, talvez embasadas na cultura
da impunidade e na certeza de que tudo dará em pizza.
No processo do “Mensalão”
houve advogado que alegou que “ não se tratava de dinheiro público”. Hoje
escuta-se algo como “ é tudo mistificação da Polícia Federal e do Ministério
Público”, “ a prisão foi só para
constranger”.
Em casos tantos, no
dia-a-dia do país, pessoas aparecem na
TV expondo alegações ilógicas, esdrúxulas, insultando a consciência coletiva ,
como que menosprezando a inteligência dos que ainda a conservam.
Seria este tipo de alegação
uma representante sintética da falta de pudor, da falta de capacidade de
autocrítica ou mesmo da perda de visão de conjunto, a desconsideração do
contexto numa espécie de reflexo da alienação já com retoques jurídicos?
Se tais frases estiverem
sendo reproduzidas por escrito no processo ou forem o resumo das alegações
feitas na defesa, seriam ,então, artifício para preencher o prazo judicial, não
tendo o que realmente apresentar em defesa ? Seriam parte de um ridículo formal
calculado para não perder o prazo? Ou seria mesmo despreparo ou cinismo perante
a verdade posta no processo?
E onde ficam os clientes
nestes casos? Será que sabem da qualidade dessas defesas? Em defesa dos
advogados, espera-se que os clientes estejam de acordo e tenham autorizado tais
alegações.
Mas há tempos observa-se na
prática da Advocacia, a influência da queda da visão conjuntural, sistêmica. A
falta de uma contextualização atual e histórica dos fatos afeta o modo de
elaboração das alegações. A visão
sistêmica exige estudo, cultura geral e interesse pela experiência humana,
afastando-se do interesse meramente umbilical.
Talvez seja este um dos
piores reflexos do individualismo e do egocentrismo que têm afetado também os
advogados, que pessoalmente deixaram de estudar filosofia geral e especial e
tornaram-se meros operadores fechados nos dogmas da ciência jurídica, no
Brasil, já quase alienada.
Há visível fracasso profissional
em termos de visão de conjunto e valoração dos fatos. Miguel Reale, o pai, com sua esplendia e
básica lição egológica do Direito, certamente encontra-se no céu, sentado em
poltrona confortável, sofrendo perturbações ao ver o triste descalabro da
advocacia nacional em termos de cultura jurídica, cultura geral, etc, etc dos
advogados; a classe que deveria ser a mais intelectualizada de todas com a
chance de prática constante de boas alegações e embasamento sempre humano.
Segundo tendências atuais e
a pobreza intelectual das faculdades, até mesmo o exame da OAB, revela-se
incapaz de peneirar. E diga-se “peneirar“ já é um escândalo num país onde pelo
menos o estudante de Direito deveria ser o mais intelectualizado.
Tudo leva a crer, que
fato+valor = norma ficam mesmo como atividade para o Juiz, considerado agora
como a última fortaleza de intelectualidade. Quem diria que chegaríamos a isto.
E então, quando a falta de
valoração, correta e abrangente, deixar o exame dos fatos, a norma a ser estabelecida
pelo Juiz, o direito de uma das partes, será certamente a da pior espécie, já
conhecida em regimes autoritários, fascistas ou nazistas. Será a era da noite
na elaboração do Direito e o tormento da Ciência Jurídica.
O “imaginário acusatório”! Verdadeira
pérola negra no mar dos sargaços, verdadeiro diamante rosa achado no lixão. Que
visão alucinatório como alegação em qualquer nível.
O ensino jurídico já era uma
preocupação desde 1970. Qual a real qualidade de nosso bacharelandos hoje?
Serão tecnocratas jurídicos, reduzidos a “ operadores do Direito “ ou
“mecânicos das leis “? Continuarão com a
tendência de simplesmente aplicar a lei, interpretando-a literalmente ou
copiando e colando lições da doutrina antiga, já que a atual está cada vez mais
pobre e irreal?
A quantidade de bons livros,
boas teses, boas fundamentações está ficando cada vez mais rara. Há uma pobreza
generalizada que atinge a sociedade e também o Direito, como reflexo do
contexto cheio de tendências de uma época marcada pela visão curta, pela falta
de profundidade, pela visão cheia de aqui-agora, descontextualizada e
perigosamente parcial, o que é próprio do individualismo e do egocentrismo.
A Ciência do Direito,
construída por grandes teóricos durante o século XX, começa a ceder espaço para
um exercício da advocacia pobre como as causas que visa atender.
Não seria esta mais uma das
inseguranças jurídicas a militar contra o cidadão de todas as classes sociais e
mesmo empresas?
A crise do ensino do Direito
pode não ser toda a crise da Ciência do
Direito como os problemas da existência não são toda a vida. Há na verdade
tendências e confirmações no ensino do Direito, mas que podem ser corrigidas.
Todavia, isto depende do tempo e dos estudantes e acadêmicos voltarem a estudar
com qualidade o conjunto de ciências sociais para chegarem a ter a curiosidade
de obter a visão sistêmica da sociedade brasileira e assim não seguirem o viés
do “ imaginário acusatório”.
Mas frases de efeito
continuam a chamar a atenção. Tanto que recentemente “o Ministro Teori admitiu
que “o país está doente “ . Sim, não só o sistema político, os políticos com
seu ego, com sua ganância, realizado todos os dias a custo do contribuinte. A
doença já atingiu o cidadão há décadas e penetra nas instituições. Agora é a época das consequências .
Um escritor carioca disse
frase histórica há muito tempo atrás, algo como: “o Brasil conhecerá a barbárie
antes de conhecer a civilização”. É radical, mas existem exemplos que nos digam
do contrário? Uma guerra civil por noite, mortes e crimes hediondos, etc, etc ,
mas é tudo mesmo só um imaginário. O escritor deveria estar embevecido com as
paisagens divinas da Guanabara.
Afinal, por que exigir
tanto, se este é o país onde “há lei que não pega” ; onde o presidente atual
choca a classe política dizendo que “ o Governo não é ação entre amigos”.
Revolucionário este Temer, que só poderia ter sido amigo de uma grande amigo, o
estimado Geraldo Ataliba, memorável
doutrinador e líder no Direito. Frase que
em qualquer país mais decente seria óbvia, mas entre nós, onde verdadeiros
quadrilheiros assumem o Poder de estados e municípios, é frase estonteante.
Então pretende-se acabar como o Governo como Balcão de Negócios. Um grande
passo para a civilização aqui colocada. Será?
E ainda temos que questionar
se isto tudo é uma exceção, coisa da a
maioria ou a minoria?
Outra questão é se nas
operações de alta corrupção, com estamos vendo reveladas diariamente pela
imprensa livre, houve contribuição intelectual de profissionais do Direito, da
Engenharia da Contabilidade etc, etc, ou foi um imaginário tecnológico dos
doleiros e dos políticos e seus defensores? Quem deu e está dando suporte
técnico para tais esquemas? Como poderiam os bandidos contrários ao povo e ao
Brasil elaborarem esquemas sofisticados para produzir e lavar tal quantidade de
dinheiro. Se isto acontece, qual o verdadeiro embasamento moral e ético que as
faculdades estão passando?
Como se pode supor, o “imaginário” toca a profundidade em vários aspectos
a serem ainda investigados como desdobramento da operação de lavar o Brasil com
água sanitária, soda cáustica e ácido muriático. Isto nos faz acreditar num
mundo melhor para o Brasil? Pense e responda.
Aqui os problemas são
encalacrados, foram sedimentados em várias camadas no solo e as pedras das
calçadas estão encardidas.
Ainda sobre frases
hilariantes, mas com valor de grande expressão , houve presidente que disse “
minha mãe já nasceu analfabeta”; houve ex-presidente que dizia frases prolixas
como “ temos que preservar o que tem que ser preservado, porque a preservação é
para preservar”. Frase, certamente, para impressionar intelectualmente alguns
dos cidadãos incluídos nos 96 % de alfabetizados, mas não conseguindo convencer
os 8% desta porcentagem que pode ler e interpretar um texto.
São necessárias inúmeras
atitudes positivas para efetivamente fazer a salvação nacional. Muitas delas no
campo espiritual, preservando a essência da humanidade frente ao individualismo
e ao egocentrismo que estão pressionando o cidadão, ao serem alavancados por
tecnologias que só afastam o Ser Humano do humano. Sem educação, não há futuro
algum que seja bom. Continuaremos na guerra civil. Contudo, a salvação não
depende só de política de massa, mas de cada cidadão.
Parte da população não tem culpa, pois perdeu seu
poder de crítica etc quando na década de 1960 foram fechados os cursos de
filosofia geral e especial, sob pretexto de que o comunismo estava se
infiltrando no país. Isto gerou consequências graves: a alienação e o medo de
se expor, o que se alastrou por décadas.
Para que haja reação
individual positiva desde já, será necessário que o cidadão não focasse só nas
coisas do noticiário sobre o Governo, a política nacional e os políticos em
seus escândalos diários, divulgados pela imprensa televisiva, única fonte de
informação disponível para milhões de brasileiros. Mesmo que só 5% de tudo que
vemos diariamente fosse verdade e o resto pertencesse à dita “fantasia
mediática”( outra frase de efeito, visando desconstituir o papel da imprensa
livre), já seria o bastante para denunciar o absurdo quadro em que o país foi
metido, rumo ao agravamento de sua pobreza não só material, mas também
intelectual.
Os fatos e dados são
fornecidos pela imprensa que comparece à casa dos brasileiros, todos os dias no
horário do jantar e do almoço. Em deduções e induções, conotações e denotações,
cabe a cada um juntar as peças e montar o quadro geral , segundo seu poder de
observação e avaliação, ainda uma liberdade dada a cada um que pode pensar e se
expressar. Discernir.
Seria ideal, portanto, que o
cidadão levantasse a cabeça para ver além das mazelas divulgadas e conseguisse
ver a verdade dos potenciais do Brasil, que é rico, vale a pena e tem futuro.
Basta ser honesto, ético, ter moral, ter espírito de Pátria, pensar em ideais e
sistemas bons para seu povo e para a família.
Não se pode desistir.
Cuide-se do debate, da crítica, do projeto positivo e teremos a democracia e a
República e não a farsa, a mentira, as frases de efeito, a opera-bufa no castelo
de areia em teatro nacional.
A questão é cuidar do SER
nacional, da criança que será cidadão, deixando
o Ter como mera parte instrumental, necessária, mas não o fim de todas as
coisas.
Para o momento a impressão é
que Deus continuará de costas para o Brasil, olhando as belas praias do Rio, e
terá agora muita diversão como os jogos olímpicos, mesmo que a violência lhe perturbe
os pés. Talvez depois, volte-se para o interior do
país e comece a rezar.
Odilon Reinhardt.
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